quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Voo desfeito no berço
(Ao Evandro Matos)*
Revolta dentro do peito
Por aquilo que não fiz
E que eu devia ter feito.
Revolta dentro de mim
Por tropeçar em mim mesmo,
Por não saber onde estou...
Por caminhar tanto a esmo
Que trago os passos perdidos
Nos próprios passos que dou.
Revolta desde menino
Por tantas horas perdidas
A procurar o Destino
Nas sombras doutros destinos.
Revolta crua e sem fim...
Tantos pedaços de mim
Que destrocei sem saber!...
Revolta, sempre revolta,
Por um pedaço de céu
Que não me dão... e era meu...
Revolta, funda revolta,
Dentes rangendo na sombra.
No fundo de um corredor
Crescem gemidos de dor
Dos escravos meus avós...
Grilhetas prendendo os pés,
Prendendo também a voz...
E o sangue formou um rio
E o rio correu para o mar
E foi chorar, noite e dia,
Nas praias de todo o mundo.
Revolta dentro de nós,
Revolta arrastando os passos...
Vozes mancharam-me a voz,
Braços prenderam os braços...
Voo desfeito no berço...
Revolta crua e sem fim,
Revolta triste e infeliz,
Por trazer esta revolta
Fechada dentro de mim,
Num verso que nunca fiz.
Aguinaldo Fonseca
(1922-2004)
(Linha do Horizonte, 1951)
In: No Reino de Caliban, pgs 160/161
* Sobre Evandro Matos: Esquina do Tempo
Imagem:
Batik de Anselmo José Godinho
Guineense
Uma revolta que cabe perfeitamente em todas as dimensões, especialmente quando ela é fruto de uma certa impotência, consequência de decisões e atitudes de outrem.
ResponderEliminarMais uma vez nos dás os sabores e o saberes da excelente poesia caboverdiana, obrigada, Olinda. Beijos!
❀✻❀ ✰ ✰ ✰ ❀✻❀
ResponderEliminarMERCI beaucoup Olinda pour ce partage !
C'est très très beau !
Je t'envoie de GROS BISOUS
Bonne journée
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Há em nós muitos motivos de revolta.
ResponderEliminarGostei imenso deste poema.
Desejo que esteja bem.
Bj.
Irene Alves
Nunca te arrependas
ResponderEliminartudo se move
até as pontes
Minha querida
ResponderEliminarUm poema que é um grito de revolta, mas que infelizmente não tem eco em quem devia.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
Obrigada por me dar a conhecer este poema. Traduz tanto do que me passa pela cabeça por esta altura...
ResponderEliminarbeijinho
Uma revolta digna, em forma poética aplaudida. Muito belo. Bjs.
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