
E a interpelação:
Que sabes tu de África, Maria Adelaide? Filha de África te dizias: que sabes desses dias... Não, não te recrimino, nem - longe de mim - me arrogo em tua "consciência moral". Sei bem que cada um de nós transporta, inocentes, a consequência dos nossos acasos e da vulnerabilidade das nossas vidas. Nem tu escolheste África como berço, nem eu demandei África, como destino de guerra.
Figura ímpar, sempre presente e dominante no romance, imprescindível. Ela é chamada, é evocada, é desejada, nessa viagem, forçada, a África: Desejo que venhas Maria Adelaide, partilhar esta paleta indistinta de sentimentos - Maria Adelaide com quem o narrador conversa, em itálicos belíssimos, comoventes, em que este se mostra a nu, versando sobre momentos comuns vividos no passado, discutindo a apresentação dos personagens, da natureza da história e da forma como decorre, história circular segundo ela, por vezes irónica, por vezes sobranceira.
E convocados são os personagens, mortos-vivos na trama que se desenrola ante os nossos olhos, cada um deles com o nome que lhes é atribuído, com as suas características próprias, essas repetidas ao longo do livro, marcadamente, de modo a não as esquecermos e a ficarem vincadas na nossa memória.
E o Valentim será o primeiro de todos nesse desfilar, sem direito a hino, nem a inspirado poema, nem a Cruz de Guerra, aquele que já não acenderá o cigarro no cigarro do Alferes, ou vice-versa, o Alferes-personagem que atravessará toda a história, apenas porque foi nomeado e que ali estará em todos os momentos e que dará o toque da sua personalidade à narração. Numa atrevida e desejada transmutação nossa, sentimo-lo o protagonista mas de forma tão subtil que até pensamos se não seremos nós que lhe concedemos esse papel.
Figura ímpar, sempre presente e dominante no romance, imprescindível. Ela é chamada, é evocada, é desejada, nessa viagem, forçada, a África: Desejo que venhas Maria Adelaide, partilhar esta paleta indistinta de sentimentos - Maria Adelaide com quem o narrador conversa, em itálicos belíssimos, comoventes, em que este se mostra a nu, versando sobre momentos comuns vividos no passado, discutindo a apresentação dos personagens, da natureza da história e da forma como decorre, história circular segundo ela, por vezes irónica, por vezes sobranceira.
E convocados são os personagens, mortos-vivos na trama que se desenrola ante os nossos olhos, cada um deles com o nome que lhes é atribuído, com as suas características próprias, essas repetidas ao longo do livro, marcadamente, de modo a não as esquecermos e a ficarem vincadas na nossa memória.
E o Valentim será o primeiro de todos nesse desfilar, sem direito a hino, nem a inspirado poema, nem a Cruz de Guerra, aquele que já não acenderá o cigarro no cigarro do Alferes, ou vice-versa, o Alferes-personagem que atravessará toda a história, apenas porque foi nomeado e que ali estará em todos os momentos e que dará o toque da sua personalidade à narração. Numa atrevida e desejada transmutação nossa, sentimo-lo o protagonista mas de forma tão subtil que até pensamos se não seremos nós que lhe concedemos esse papel.
Este autor que se funde com a própria História porque ela é dinâmica e autónoma, porque ela acontece sem lhe pedir licença e para a qual fora levado sem apelo nem agravo, "sujeito fora da estória", este autor, dizíamos, encontra espaço para tocar na ferida e expor os horrores da guerra in loco, das circunstâncias, do quotidiano, num discurso sem tempo nem lugar porque ele assim o decide.
E ali inseridas, encontramos reflexões sobre os povos em presença, sobre o seu passado, alianças realizadas, produto da implantação e contingências do sistema colonial. E num repente ou talvez não, um baque, um pensamento, expressado quase em surdina no seu íntimo ou a alguém próximo, e se o meu o lugar não é aqui mas do outro lado da História?
Quanto à realidade nacional, vemos no Uíge o quadro vivo de um País perplexo perante uma inevitabilidade incompreensível: "e eu subindo o escaler do Uíge, milhares de homens a bordo, debruçados na amurada, prolongando o choro das mães, o beijo das mulheres e noivas, a serena revolta dos pais e dos amigos, o fadário de um Povo acorrentado...
E ali inseridas, encontramos reflexões sobre os povos em presença, sobre o seu passado, alianças realizadas, produto da implantação e contingências do sistema colonial. E num repente ou talvez não, um baque, um pensamento, expressado quase em surdina no seu íntimo ou a alguém próximo, e se o meu o lugar não é aqui mas do outro lado da História?
Quanto à realidade nacional, vemos no Uíge o quadro vivo de um País perplexo perante uma inevitabilidade incompreensível: "e eu subindo o escaler do Uíge, milhares de homens a bordo, debruçados na amurada, prolongando o choro das mães, o beijo das mulheres e noivas, a serena revolta dos pais e dos amigos, o fadário de um Povo acorrentado...
Mas antes, muito antes, num tempo fora do tempo, temos o menino de caracóis castanhos que sob o ruído da metralha procura a fuga redentora, inconsciente, provinda do fundo do medo, físico e viscoso, para os dias primaveris da infância e o cálido regaço materno, como que ajustando contas, em desespero, no deve e haver da vida. E foi-lhe garantido que o que nos está destinado nos cairá nos braços. Até a morte!
Destinar o fim a dar aos personagens, é preciso, é de justiça e vontade do autor e dos próprios, nessa farsa da vida, em que cada um se acotovela no seu afã de encontrar o melhor lugar na barca da glória, nave dos loucos atravancada nas sete voltas do inferno de Dante, expurgando a viscosidade que se adere em nós como segunda pele.
Porque "A travessia é mais além...". A estrada de damasco não acontecera ainda. As miragens, o fel, a amargura dos dias apodrecidos ainda exalam o mau cheiro que envenena os homens. E os escolhos e abrolhos se amontoam:
Destinar o fim a dar aos personagens, é preciso, é de justiça e vontade do autor e dos próprios, nessa farsa da vida, em que cada um se acotovela no seu afã de encontrar o melhor lugar na barca da glória, nave dos loucos atravancada nas sete voltas do inferno de Dante, expurgando a viscosidade que se adere em nós como segunda pele.
Porque "A travessia é mais além...". A estrada de damasco não acontecera ainda. As miragens, o fel, a amargura dos dias apodrecidos ainda exalam o mau cheiro que envenena os homens. E os escolhos e abrolhos se amontoam:
São de pedra os caminhos de Damasco
E é de areia o rosto das miragens
E são de fel os dias. E de amargura
A água dos rochedos.
São de pedra os trilhos.
E as bocas são a arder
A insónia de serpentes
E labaredas negras...
Soberbos, porém, os dias
Soberbos, porém, os dias
Assim cativos de pedras
E de medos.
Nessa travessia ainda nos encontramos, nesta quase peregrinação a um dos momentos mais dolorosos da nossa História, em que uma geração sacrificada ainda procura, a maior parte, o seu próprio caminho.
Contudo, não podemos deixar de referir o toque de esperança que aparece no final do livro:
Acordou o narrador. Sobre a cidade, uma manhã de sol de primavera. Era um "dia claro e limpo"! Floriam cravos vermelhos no cano das espingardas.
Contudo, não podemos deixar de referir o toque de esperança que aparece no final do livro:
Acordou o narrador. Sobre a cidade, uma manhã de sol de primavera. Era um "dia claro e limpo"! Floriam cravos vermelhos no cano das espingardas.
APENAS O LEITOR SALVA O TEXTO, EM SUA GLÓRIA E COLAPSO.
Isto nos diz o autor, que autor não é, mas UM PONTO NEUTRO, uma emergência, ou porventura, um cruzamento de possibilidades por onde perpassam os filamentos de uma trama, que não sabe bem como encenar-se.
E nós, leitores, alcandorados a esse patamar de excelência, temos o prazer de vos apresentar aqui, neste humilde Xaile de Seda,
MANUEL VEIGA e o seu romance, "Do Amor e da Guerra - Fragmentos", livro de leitura obrigatória, diríamos.
E é assim quando se fala desse livro.
As palavras ficam presas na nossa emoção
e no nosso reconhecimento a este grande escritor.
=====
Blog do autor: Relógio de Pêndulo
pags 13, 20, 21, 23, 24, 26, 28,245
Poema - in "Perfil dos Dias"- Manuel Veiga- Pag 82
Video: Vangelis - Filme 1492, Conquest of Paradise - Colombo alcança o continente americano
em 12/10/1492
Video: Vangelis - Filme 1492, Conquest of Paradise - Colombo alcança o continente americano
em 12/10/1492
Boa tarde:- Tudo na vida, atualmente, parece ser caminhos de pedra. Acredito que seja um bom livro de ler
ResponderEliminar.
Cumprimentos poéticos
.
…………… Poema ……………
^^^ Amor Vazio ^^^
A emoção fica presa na garganta e toda a sensibilidade que nos é oferecida pelo seu blogue é merecedora de um muito obrigada.Cila
ResponderEliminarOlinda, minha amiga
ResponderEliminarfico muito grato e sensibilizado pela análise do meu livro. uma gentileza e um privilégio que muito me distingue e honra
bem haja, pois, pelo seu apreço que tem pelos meus livros
minha amiga,
desejo salientar também que a finíssima leitura, a profunda e elegante análise proporcionam, independentemente do apreço pelo livro, enorme gratificação pessoal, pelo prazer de leitura que permite, enquanto "objecto" literário em si mesmo,
que aliás considero um texto notável, senão mesmo insuperável, sobretudo se tivermos em conta a limitações de espaço e a natureza (efémera) da escrita nos blogs.
com a maior admiração
abraço
Querida Olinda, como sabes, visito o Relógio de Pêndulo do nosso amigo, Manuel Veiga e li alguns textos deste livro nesse mesmo blog que me levou a recordar esse tempo de angústia, pois na Guiné estavam o meu irmão e aquele que é hoje o meu marido. Quando se deu o golpe de estado estavam lá, já em fim de missão e a alegria foi tão grande que todos festejaram, os nossos soldados e os ex inimigos; afinal, estavam lá obrigados, numa guerra que não era deles. Amiga, bonita homenagem e muito merecida. Um beijinho e boa noite. SAÚDE para todos, hoje e sempre
ResponderEliminarEmilia
Olinda querida, que linda homenagem ao nosso querido amigo Manuel Veiga! Tenho orgulho em pertencer a um grupo da blogosfera alinhado com a boa literatura e homenagear a quem se destaca nessa arte literária. Ainda não voltei totalmente, às voltas com reformas etc, mas junto-me a você nessa bela homenagem.
ResponderEliminarBeijos aos meus dois amigos, Olinda e Manuel Veiga!
Sou dessa geração sacrificada, aliás somos todos porque ainda há muito para absorver, para digerir, para compreender mesmo sem nunca ter posto um pé em África!
ResponderEliminarAbraço
Voltamos com gratidão por todos vós, desejando um óptimo 2020. Para poder chegar a todos, hoje, numa breve visita. Bem hajam por não nos terem abandonado.
ResponderEliminarHoje : A fé de voltar...
Bjos
Votos de uma óptima Terça - Feira.
Parabéns, querida Olinda, por trazer a lume um livro cuja escrita gostámos de acompanhar. Recordo, naturalmente, a trama, os personagens e os cenários de guerra e de paz (de amor-melhor dizendo). Um romance é vitorioso quando permanece em nós.
ResponderEliminarAnalisar a excelente obra de Manuel Veiga foi uma boa maneira de lhe prestar o justo reconhecimento. É a dinâmica da escrita no seu melhor. E tem um sabor especial de vida, de partilha e de atualidade. São virtualidades da blogosfera.
Deixo um ramalhete de cravos.
Beijos, Olinda Melo e Manuel Veiga.
Sembra un buon libro da leggere, buona giornata.
ResponderEliminarLi o livro do Manuel Veiga quando ele foi publicado, embora já conhecesse alguns textos. É um livro que tenho aconselhado a algumas pessoas porque ele me tocou imenso. Como disse ao Manuel Veiga nessa altura, ele não só narra os episódios da guerra como nos interpela com os diálogos com a Maria Adelaide, onde toda a humanidade do autor se revela. É um livro excelente.
ResponderEliminarObrigada, minha Amiga Olinda por o divulgares aqui.
Um beijo.
Olá Olinda, desejo-lhe um excelente ano 2020! É uma excelente revisão, muito rica e permite uma leitura fluida. Não conhecia o livro, mas parece cativante. Beijinhos, uma ótima semana :)
ResponderEliminarGostei da indicação.Realmente parece daqueles livros que após a litura, saímos carregando algo pra vida...beijos, chica
ResponderEliminarUm livro impressionante de um escritor de mão-cheia.
ResponderEliminarUm destaque merecido, muito bem elaborado.
Olinda, um bom resto de semana.
Abraço.
Gostei do que li...
ResponderEliminarEu sou daquelas que teve irmãos e jovem marido na guerra...
Sofri, estremeci... atónita...
O Manuel conseguiu arranjar palavras para descrever a infinita miséria do combatente e o desespero louco das famílias.
Honra lhe seja sempre feita.
Beijinhos para ambos.
~~~~~
Boa noite, minha querida amiga Olinda!
ResponderEliminarQue video!
Medos são verdadeiras pedras em nosso interior.
Agora, um medo de guerilhas ou da guerra como se apresenta hoje em dia, distinta da de antigamente... Não menos dolorosa e sofrida.
Sempre no primor das postagens. Parabéns, amiga!
Tenha dias abençoados!
Bjm carinhoso e fraterno
Que belo texto, Olinda, você escreveu sobre "Do Amor e da Guerra - Fragmentos". Além da tua sensibilidade na análise da obra, é preciso ratificar ou endossar as suas palavras: o Manuel Veiga nos legou uma narrativa vigorosa, que deve ser lida por todos os que gostam de uma boa literatura. Manuel não conta apenas uma história, ele nos seduz pela linguagem.
ResponderEliminarFraterno abraço,
Além dos excertos que passavam no blog de Manuel Veiga, li o Livro . E quero expressar a Autor a excelente obra também
ResponderEliminarVivida por ele , e a si , Olinda , a fantástica análise que aqui nos deixou . Brilhante mesmo !
O Manuel é um Autor de palavra certa com com o encaixe perfeito na dinâmica linguística .
Muitos parabéns pelo seu brilhantismo
Parabéns ao Autor
Aos dois , o meu abraço!
Nunca li, mas vou tomar nota!
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Olinda
ResponderEliminarQue maravilhosa explanação
e que publicação rica.
Adorei vir aqui hoje.
Bjins de domingo
CatiahoAlc./Reflexd'Alma
entre sonhos e delírios
Bela, ampla e detalhada postagem, Olinda. Não li o livro, mas estou de acordo com o próprio Manuel ao te escrever que é uma profunda e elegante análise a tua. Abraços.
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