Sentados. Quatro à mesa. Eu e eles:
O miúdo que estuda, o homem sem emprego,
O velho sem mulher, sem casa, sem razão,
Trauteando, sujo e distraído;
E eu - casaco azul de breu, quase surrão
Que bela companhia que fazemos.
Dez cadeiras vividas, a mesa longa e lisa.
Um momento no tempo: parece reunião.
Enciclopédias, dicionários, História,
Economia, geografia, arte:
A rápida referência à grande paciência.
Renques de estantes, ruas, nesta aldeia olímpica,
Brochado contra o tempo todo o saber do mundo.
São 5 no relógio. Silêncio de pulseiras.
Um chapéu de abas largas, herói de chuvas,
Espanto de fronteiras, escoa pela porta.
Lençol lavado, esvoaçando, ao vento: um homem passa.
Outro homem entra. Duo de vidas
Que a ninguém importa.
"Materialismo histórico" de Mehring
Descansa os olhos: pernas elegantes.
E o moço pausa. Não pensa na causa
Nem sequer no efeito. E, contrafeito,
Torna, afeito à leitura.
A semana tem, às vezes, dias e actos de bravura.
Estremece a casa. Guerra. O espaço.
Cruzam-se os carros, fora. Cavalheiro e dama:
Insultam lama, lama, lama. Livre, ninguém reclama.
E a chuva bate, marcando a desora:
Dez, vinte, trinta folhas,
O cachecol, a samarra, o hábito diário.
Sem braseiro nem brasa,
Este é o lar dos que imaginam casa.
Um tronco de madeira, grande manjar de letras:
Os livros, as revistas, a tele, os jornais.
E o puzzle de sinais.
Partem os fracos.Só os fortes ficam:
Fogo de candeeiro, aqui. Caseiro.
Não forja espada nem vence eleição.
O conforto: modesto. Perene companhia.
Matemática impura: quase compreensão.
INÊS SARRE
In: Pelo espelho das coisas, páginas 46/47
Cooperativa Editorial dos Emigrantes - Baden/Suiça
Edição nº 003/84
A AUTORA:
Natural de Olhão, é Licenciada em Letras pela Universidade de Lisboa. Depois de dois anos de trabalho, como locutora, na Radiodifusão Portuguesa, foi Leitora de Português na Universidade de Leeds, Inglaterra. (...) Vive e trabalha, há já alguns anos em Londres. Tem colaboração em Modern Language Review, Peregrinação e Anuário de Poesia 1984.
(Referências retiradas do livro acima indicado)
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Imagem: Pixabay
Adorei o poema de Inês Sarre. A biblioteca pública pode ser o lugar onde se cruzam as pessoas mais díspares, com emoções e interesses tão diferentes. Mas é um bom lugar de encontro...
ResponderEliminarUm bom fim de semana, minha Amiga.
Um beijo.
Gostei do poema.
ResponderEliminarObrigada por me dar a conhecer uma poetisa que desconhecia por completo
Um abraço e bom fim-de-semana
não há "enciclopédias, dicionários, História,
ResponderEliminarEconomia, geografia, arte", nem sequer "materialismo histórico", nem poesia (acrescento) que possam elidir a Vida (vivida)
não conhecia, nem o poema, nem a poeta.
adorei conhecer, Olinda.
e procurarei conhecer melhor - merece!
abraço. amiga
Desconhecia a Inês Sarre e o seu trabalho; terei de estar atento.
ResponderEliminarUm belo trabalho a explorar.
Beijo
SOL
Tão real, tão vivo e circunstancial,
ResponderEliminarque nos parece estar a ver as cenas.
Gostei muito o do estilo da poetisa,
pelo que fico grata pela divulgação.
~~~ Beijinhos, Olinda ~~~