Gil Vicente é daqueles autores cujos escritos atravessam os tempos. Aproveita-os para criticar a sociedade da época o que, mutantis mutandis, se poderia aplicar à sociedade de hoje. O Auto da Barca da Glória talvez seja das mais representativas da sua concepção, aparentemente maniqueísta, do mundo. Composto de duas barcas que representam alegoricamente o Paraíso e o Inferno, o diabo vai fazendo acusações reclamando que a morte só lhe traz gente pobre e humilde enquanto os ricos e honrados não aparecem. Estes por ordem hierárquica ascendente, vão se apresentando, (o conde, o duque, o rei, o imperador, o cardeal, o arcebispo, o papa) e porque têm responsabilidades na gestão civil e espiritual das gentes, conforme as suas acções, assim estariam destinados a uma das barcas.
Nenhum deles passa no crivo apertado da balança que julga o bem e o mal.Todos eles vêem as suas acções dissecadas, as suas omissões postas a nu, os seus pecados publicitados, todos são acusados de não cumprirem o dever, a missão, para que foram destinados. Mas contra tudo o que seria de esperar, a barca do Paraíso acaba por ficar sobrelotada com estas personagens ou personalidades, apesar da má gestão, no mínimo, das responsabilidades que lhes foram cometidas. E a barca do inferno, com o diabo como timoneiro, mesmo ali, à espera de fazer a travessia com esta carga preciosa. Mas, à ultima hora são todos perdoados, e mais, essa culpa é lavada pela intervenção directa de Cristo através do Anjo que desfralda uma vela onde se encontra pintado um crucifixo, como chancela desse desidério.
Então, é aqui precisamente que cai por terra o que se entrevê mais acima: crítico de todos os tipos sociais e de comportamentos, Gil Vicente parece fugir à postura moralista assumida nos autos das barcas do inferno e do purgatório, onde premeia o bem e castiga o mal, à revelia do moralismo apregoado.
Talvez seja um acto premonitório, fatalidade que atravessaria os tempos e com a qual teremos de viver, numa óptica determinística. Ontem como hoje, parece existir uma inimputabilidade quase inata, aceite de forma tácita por quem teria a responsabilidade no apuramento dos factos e falhas na gestão da coisa pública, situação que nos leva paulatinamente para o abismo de forma irremediável. E, segundo tudo indica, quanto a isto não há remédio...
Nenhum deles passa no crivo apertado da balança que julga o bem e o mal.Todos eles vêem as suas acções dissecadas, as suas omissões postas a nu, os seus pecados publicitados, todos são acusados de não cumprirem o dever, a missão, para que foram destinados. Mas contra tudo o que seria de esperar, a barca do Paraíso acaba por ficar sobrelotada com estas personagens ou personalidades, apesar da má gestão, no mínimo, das responsabilidades que lhes foram cometidas. E a barca do inferno, com o diabo como timoneiro, mesmo ali, à espera de fazer a travessia com esta carga preciosa. Mas, à ultima hora são todos perdoados, e mais, essa culpa é lavada pela intervenção directa de Cristo através do Anjo que desfralda uma vela onde se encontra pintado um crucifixo, como chancela desse desidério.
Então, é aqui precisamente que cai por terra o que se entrevê mais acima: crítico de todos os tipos sociais e de comportamentos, Gil Vicente parece fugir à postura moralista assumida nos autos das barcas do inferno e do purgatório, onde premeia o bem e castiga o mal, à revelia do moralismo apregoado.
Talvez seja um acto premonitório, fatalidade que atravessaria os tempos e com a qual teremos de viver, numa óptica determinística. Ontem como hoje, parece existir uma inimputabilidade quase inata, aceite de forma tácita por quem teria a responsabilidade no apuramento dos factos e falhas na gestão da coisa pública, situação que nos leva paulatinamente para o abismo de forma irremediável. E, segundo tudo indica, quanto a isto não há remédio...
Imagem: Internet
sempre gostei de Gil
ResponderEliminare o auto da barca... é excelente...
e muito actual
aliás não tem um tempo...
abrazo serrano
Gil Vicente quase que faz parte de nós, não é mesmo?
EliminarAbrazo
Olinda
Todo grupo teatral,aqui no Brasil, monta, necessariamente, Gil Vicente. Meu irmão, B.Paiva,lembro-me bem, montou Auto da Barca do Inferno, além de outras peças. São textos maravilhosos.
ResponderEliminarNo Rio de Janeiro frequentei muito o Teatro Gil Vicente, localizado no bairro Copacabana. Fica numa linda praça.
Foi muito bom, querida Olinda, dá-me a oportunidade de "revisitar" este atualíssimo autor, mais "velho" que o Brasil e tão "jovem" quanto...Obrigada!
Boa semana!
Beijinhos,
da Lúcia
Querida Lúcia
EliminarGostei muito de saber disso, da popularidade também aí das obras de Gil Vicente. São textos sempre actuais apesar de passados séculos. E a forma como apresenta os seus personagens, parodiando, atrai e permanece no nosso imaginário.
:)
Beijinhos
Olinda
Faz parte das memória e do sabor das memórias.
ResponderEliminarBom reler Gil Vicente. A última vez foi com a minha filha.
A memória, as memórias, parte integrante do nosso ser...
EliminarBeijinhos para si para a filhota. :)
Olinda
Querida Olinda:
ResponderEliminarMestre Gil, sabia o que escrevia. Os seus autos deliciam-me.
No Liceu, enquanto as minhas colegas se queixavam da obrigação de os ler, eu queria mais.
Se foi ele, como dizem, o autor da maravilhosa "Custodia dos Jerónimos", os autos são peças de filigrana. Alguns, impressionam, outros mais trocistas, fazem rir, mas todos eles encerram uma lição. Amo de paixão, a "Mofina Mendes".
Beijinhos
Maria
Querida Maria
EliminarOs autos de Gil Vicente têm um aspecto lúdico que nos deliciam e, ao mesmo tempo, como bem diz, transmitem uma lição, ao criticar os tipos sociais da época.
Ainda bem que referiu aqui a sua faceta de artesão,ourives, e, na verdade, se os seus biógrafos tiverem razão atribuindo-lhe a autoria dessa belíssima obra, temos aqui um homem completo, tendo em conta também as suas outras facetas.
'Mofina Mendes'...delicioso. :)
Bjs
Olinda
Senti vontade de te oferecer o calor do sol e o brilho das estrelas.
ResponderEliminarMas pensando bem, prefiro agradecer tua amizade e dizer que você é meu presente,
um ser iluminado que consegue trazer ao meu mundo grande carismae alegrias.
Você realmente representa a palavra " AMIZADE " É belissimo ter vc comigo !
Seu carinho e sua amizade me faz muito bem.
Muitas bençãos e vitórias pra você nessa semana.
Que Deus guie seu caminho hoje e sempre.
Carinhosamente te desejo uma semana de paz e na luz.
Beijos no coração.
Evanir.
Olá, Evanir
EliminarAgradeço as suas palavras sempre amáveis, trazendo-nos mensagens de paz e de amizade.
Desejo-lhe tudo de bom, tempos de alegria e felicidade.
:)
Beijos
Olinda
Gil Vicente parece mesmo ser um autor muito abrangente do público, com uma linguagem muito acessível. Temos aqui no Brasil "O auto da Compadecida" que também vão os personagens parar no céu para implorar perdão a Deus...kkkkk.... muito engraçado!! Uma comédia entre o bem e o mal. Pode até se que seja uma releitura da obra do Gil Olinda.
ResponderEliminarBeijos e boa semana!!
Querida Carla Fernanda
EliminarMuito interessante o que me diz: O 'Auto da Compadecida' com as mesmas características dos de Gil Vicente...Não conhecia e fui ver. Sim, talvez seja uma releitura da obra de Gil Vicente, pois apresenta personagens-tipo e o género cómico, estando subjacente a crítica social.
Obrigada,amiga.
Bjs
Olinda
Querida Olinda
ResponderEliminarDesde tempos quase imemoriais (rsrsrs)os grandes escritores se dedicaram, uns mais que outros, à crítica social através dos seus escritos.
Duma forma mais disfarçada e subtil, uns, doutra mais declarada e aberta, outros, todos apresentavam a luta entre o bem e o mal. Atribuiam, inevitavelmente, o bem aos pobres e humildes, enquanto o mal era característica dos ricos e poderosos.
GilVicente fê-lo na perfeição, e a prova está nas suas obras ainda hoje aproveitadas como exemplo nas escolas, onde tantas vezes são representadas.
A tua crónica está excelente, e com grande oportunidade.
Semana feliz. Beijinhos
Querida Mariazinha
EliminarA resposta ao teu comentário 'ficou' aí em baixo a seguir à nossa amiga Manuela Barroso.Aconteceu aqui um corte de energia aqui no portátil e quando fui reescrever o comentário enganei-me no 'responder.
Beijinhos
Olinda
"Podes fugir, mas não te podes esconder." - Obrigado pelo comentário. De verdade.
ResponderEliminarGil Vicente, que podemos nós dizer dele? A obra de palavras tão verdadeiras e mascaradas da podridão da sociedade. A descrita foi a que mais gostei! "O auto da barca do Inferno"
Senti-me infeliz por não ter visto a peça de teatro no meu 9º ano. Enfim, não se pode ter tudo!
Abraço.
Caro Paulo
EliminarGosto muito dos seus textos porque nos permitem ver dentro de nós mesmos, tomando nós consciência de verdades, por vezes escondidas no nosso íntimo, como o da sua última postagem. :)
Quanto a Gil Vicente, a releitura da sua obra deixa-nos aquele sabor de coisa nossa, e, pelas suas características, preenche o recinto da memória destinado a momentos agradáveis.
Abraço
olinda
E eu já não sei se é a história que se repete ou se são os genes viciados...
ResponderEliminarPerante factos, que argumentos?
É o fado...agora património...
Abraço Olinda, belo olhar!
Querida Manuela
EliminarUm ciclo quase ininterrupto, não é? Por mais que não queiramos ser fatalistas, há momentos em que os factos nos ultrapassam.
Bjs
Olinda
Olá, minha querida amiga
ResponderEliminarMuito obrigada por teres vindo aqui, apesar dos problemas de saúde e dos teus muitos afazeres.
Realmente, a divisão da realidade entre o bem e o mal tem sido uma constante preocupação dos autores, tendo contribuído também para isso o aparecimento da doutrina filosófica de Maniqueu. Em relação a Gil Vicente também consta que teria recebido influências de Dante.
Gostei muito do teu comentário.
:)
Beijinhos
Olinda
Esta é a resposta ao comentário da Amiga Mariazinha.
Eliminar:)
Parece mesmo não haver remédio, Olinda, pois os tempos mudam, os poestas são outros, os escritores também e o que se vê por todos eles retratado, por todos cantado é sempre o mesmo. O que tem de mudar é a essência do ser humano, mas...apesar de morrerem muitos, nascerem outros tantos, apesar de passarem os anos, as décadas, os séculos, as queixas continuam as mesmas; as queixas contra os governantes, seja na monarquia, na ditadura ou na democracia são sempre as mesmas e...penso...não há jeito. Como diz a Manuela talvez já seja problema de genes. Um beijinho e parabéns pelos posts. Adorei o do Alberto Caeiro; as coisas são o que são e devemos aceitá-las desde que isso não vá contra a nossa essência, aos nossos principios. Fica bem, amiga!
ResponderEliminarEmília
O triste é que por mais que o tempo passe os tipos contimuam os mesmos. Meu beijo.
ResponderEliminarOra bem amiga se lembrar-mos que o nosso País nasceu de uma má acção que foi premiada, talvez pensemos sim que já nos está nos genes. Pois não é verdade que D. Afonso Henriques ganhou o reino e o titulo depois de desancar a mãe?
ResponderEliminarQuanto ao Gil Vicente e à sua escrita tão actual, infelizmente para o povo parece que não se evoluiu muito desde então. Aliás continuamos numa balança cujo prato do povo está sempre a tocar o chão. Por vezes o prato sobe um pouco e renovam-se as esperanças mas volta a descer. Por isso Gil Vicente denunciou na sua escrita, E muitos anos depois Eça de Queiroz, continuou a denunciar, e mais tarde Ary dos Santos e muitos outros.
Um abraço
A obra do Gil Vicente, parece maravilhosa, não conheço a fundo , mas O Auto da Barca da Glória deve uma comédia bem interessante, pela forma que descreveu.
ResponderEliminarGostei imenso Olinda.
Sabe Olinda, pensando aqui com meu butõesss risosss, que em cada postagem que a gente ler nos blogues que a gente visita, descobrimos e aprendendo tantas coisas. A internet pode ter muita coisas ruim, mas tem muito aprendizado também. Como a gente aprende lendo viu?
Adorei sua Crônica.
Um grande beijo!
Oi Olinda.
ResponderEliminarOs textos que leio aqui são sempre de bom conteúdo e nos motiva a refletir sobre a situação tanto daí quanto daquí.
Eu já não sei mais o que dizer acerca de tanta corrupção que como uma praga se alastra nos corredores do poder.
As vezes chego a pensar, que o diabo fica envergonhado com tamanho descalabro de boa parte dos politiqueiros do Brasil!
Parece que não há um sequer que justifique aquele Cristo crucificado no Supremo Tribunal.
Até quando? Aqui há um dizer de que eles, os corruptos e os poderosos têm dois céus. Um na terra e outro além.
Por isso creio que o Gil Vicente foi feliz ao usar essa alegoria das barcas.
Parabéns a ele.
Um abraço a ti amiga, beijos.
Minha querida
ResponderEliminarGil Vicente é património do povo Português, faz parte das nossas memórias e das nossas leituras.
Deixo o meu beijinho com carinho
Sonhadora