segunda-feira, 16 de abril de 2012

A espantosa realidade das coisas


A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais, naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Alberto Caeiro

Esboço de Cristiano Sardinha


In 'Poemas Inconjuntos'
Imagem:Net

11 comentários:

  1. Meus amigos

    Há já algum tempo que não falo de Fernando Pessoa nem dos seus heterónimos, que não publico poemas ou textos seus. Já tinha saudades.

    Hoje, apresento-vos um poema de Alberto Caeiro que terá nascido, pela do seu criador,no dia 16 de Abril de 1889. No universo de F.Pessoa, este é o poeta das sensações,o poeta que fala com aparente simplicidade, de coisas simples - O Mestre.

    Abraços

    Olinda

    ResponderEliminar
  2. O valor da vida, na vida, espantar-se com ela, isso dito por Pessoa, em um dos seus heterônimos, parece ser ainda mais reflexivo e amplo.

    Um beijo grande, Olinda, acho que estou voltando pra ficar, rs...

    ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Minha amiga

      É bem verdade. Conservarmos a capacidade de nos espantarmos e de nos admirarmos todos os dias é sinal de que estamos vivos.

      Volta sempre e quando puderes, é um prazer receber-te. A vida é assim mesmo, nem sempre podemos estar em todo o lado...

      :)

      Beijinhos e uma boa semana.

      Olinda

      Eliminar
  3. Lindo poema Olinda,senti como é fácil ser feliz...
    iluminada semana pra você...
    beijos de luz

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Tigrinho

      É bom ver-te por aqui. :)

      Prometi-te uma visita...será em breve.

      Obrigada, Selma e uma excelente semana.

      Beijos

      Olinda

      Eliminar
  4. Sabe bem ler Caeiro. É como ficar "Sentado calmamente ........um poeta simples

    um beijo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Anita

      Sim, um lado da personalidade de F.P. que nos convida à contemplação.

      Bj

      Olinda

      Eliminar
  5. Olinda Amiga:
    Gostei muito de reler o poema. É extraordinário.
    O esboço é muito giro.
    Boa semana.
    Beijinho
    Maria

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida Maria

      Reler F.Pessoa é sempre um exercício muito agradável. E o mais interessante, realmente, é que soa sempre a novidade...

      Beijinhos.

      Olinda

      Eliminar
  6. Pessoa, sempre o actual intelectual.
    Cada verso, cabe em cada momento de todos os momentos
    Abraço, Olinda

    ResponderEliminar
  7. Olá, Manuela

    É o que espanta em F.Pessoa, essa capacidade imensa de interpretar e atravessar o tempo, seja como ortónimo como através dos seus personagens.

    Bj

    Olinda

    ResponderEliminar