sábado, 30 de novembro de 2024

Pensadores Africanos Contemporâneos (1)

A filosofia africana é geralmente negligenciada no estudo de Filosofia, sem que se saiba claramente as razões para isso. Alguns argumentam que o fato de ela estar estreitamente vinculada às suas tradições orais tornaria difícil compartilhar a sua extensa história com uma audiência mais ampla. Outros argumentam que a sua natureza afrocêntrica a faria menos atraente para o resto do mundo.




O filósofo nigeriano K.C. Anyanwu define a filosofia africana como “aquela que se interessa na maneira que o povo africano, do passado e do presente, entende o seu destino e o mundo no qual vive”. Apesar de em grande parte permanecer um mistério para os outros países, a filosofia africana é uma disciplina sólida, enriquecida por séculos de pesquisa, que datam desde a filosofia do Egito antigo, até o pensamento pós-colonial moderno. Ao longo de sua história, a filosofia africana contribuiu significantemente à filosofia grega, notadamente através do filósofo egípcio Plotino – figura fundamental na continuação da tradição da Academia filosófica de Platão, e à filosofia cristã, através do pensador argelino Agostinho de Hipona, que estabeleceu a noção do pecado original.

"1. Séverine Kodjo-Grandvaux (Costa do Marfim)

Natural da Costa do Marfim*, Séverine Kodjo-Grandvaux escreve para a revista “Jeune Afrique” (“África Jovem” em tradução livre do francês) e é a autora da obra “Philosophies Africaines” (“Filosofias africanas”, em tradução livre do francês), na qual ela analisa a atual elite de filósofos africanos. Ela estabelece que a filosofia africana moderna é geralmente classificada em quatro grupos principais: etnofilosofia, sagacidade filosófica, filosofia ideológica-nacionalista e filosofia profissional. No entanto, Kodjo-Grandvaux acredita que a definição da tendência da filosofia moderna africana pode ser resumida em como ela evoluiu de sua influência colonial.

Num debate sobre o livro, o seu colega na revista “Jeune Afrique”, Nicolas Michel, faz um sumário da origem e evolução da filosofia africana contemporânea e as teorias de Kodjo-Grandvaux:

Como uma arqueóloga das ideias, Séverine Kodjo-Grandvaux explora as camadas de uma epistomologia que, ao longo do último século, foi construída essencialmente em reação ao Ocidente. Num primeiro momento, sob o jugo da influência imperialista colonial, posteriormente, em reação contra esse domínio. Na medida que os movimentos de independência se espalhavam pelo continente (nos anos 50), a filosofia de busca do retorno à “identidade africana” e de afastamento do molde ocidental tornou-se mais forte. Kodjo-Grandvaux argumenta que tal ideologia de “retorno às origens” é uma proposta arriscada. Ela escreve: “À medida que a filosofia se encaixa na busca de um padrão ‘regionalista’ – isto é, continental, nacional ou étnico – ela deve evitar várias armadilhas, entre elas, a do pensamento homogêneo e do isolamento excessivo”. A contribuição da filosofia ocidental e de outras correntes de pensamento não devem ser rejeitadas.

Kodjo-Grandvaux destaca o debate sobre etnofilosofia, com o qual filósofos africanos vêm lidando por muito tempo: a ideia de que uma cultura ou região em particular possui uma filosofia específica, fundamentalmente diferente de outras tendências filosóficas, é em si controversa. No entanto, muitos filósofos africanos modernos argumentam que o trabalho deles é uma reflexão crítica sobre lideranças africanas e de seus impactos nas vidas diárias de seus compatriotas. Consequentemente, é fundamental que a filosofia africana se desenvolva no contexto do continente africano e que se comunique com uma audiência africana.

2. Souleymane Bachir Diagne (Senegal)

Souleymane Bachir Diagne, filósofo senegalês e professor da Universidade de Columbia, acredita que os filósofos africanos precisam tornar o trabalho deles mais acessível aos seus compatriotas. Ele declara:
Nós devemos produzir os nossos próprios textos em línguas africanas. Um dos meus antigos alunos americanos está trabalhando no sentido de produzir uma antologia de textos escritos por filósofos africanos, os quais foram incumbidos de escrever artigos em suas próprias línguas. Posteriormente, os falantes nativos dessas línguas farão a tradução para o inglês.

3. Léonce Ndikumana (Burúndi)

Além da importância de se comunicar melhor com seus seguidores africanos, atualmente surgem com destaque outras tendências de pensamento dos filósofos africanos. Léonce Ndikumana cresceu em Burúndi e hoje é professor de Economia da Universidade de Massachusetts em Amherst.

Em seu livro “Africa’s Odious Debt: How Foreign Loans and Capital Flight Bled a Continent” (Dívida odiosa da África: Como os empréstimos externos e a fuga de capital sangraram um continente), Ndikumana dedica-se a combater muitas narrativas sobre a África que são lugar comum e tidas como fato no mundo todo, como, por exemplo, a crença de que a ajuda externa subsidia o continente.

Na realidade, a fuga de capital do continente africano (US$ 1,44 trilhão desaparecem de países africanos sem deixar rastros e acabam aparecendo em paraísos fiscais ou em outros países ricos) excedem em muito o capital da ajuda externa (US$ 50 bilhões para a África). (números avançados na altura em que este artigo foi escrito)

Ndikumana também é um dos principais líderes de opinião na África que rejeitam as diretrizes das agências internacionais que frequentemente vão de encontro à vontade dos cidadãos africanos.

4. Kwasi Wiredu (Gana) - Falecido em 2022

O combate às falsas narrativas é uma tendência crescente entre os intelectuais africanos. Entre aqueles que tentam fazer justamente isso, encontra-se o filósofo ganense Kwaisi Wiredu.
Ele argumenta que o sistema político multipartidário, frequentemente visto como o fundamento para a democracia, nem sempre conduz à unidade e à estabilidade. Em vez disso, a democracia de consenso é muito mais adequada ao contexto africano:

Posto que a democracia é governo por consentimento, a questão é saber se um sistema menos conflitante do que o de partidos, o qual é vinculado ao sistema majoratório de tomada de decisão, não poderia ser concebido. É um fato importante o de que seres humanos razoáveis podem chegar a um acordo sobre o que deve ser feito pela virtude do compromisso, sem concordar em questões de moral e verdade.

5. Kwame Anthony Appiah (Gana)

Entretanto, Kwame Anthony Appiah, um outro filósofo ganense que atualmente ensina na Universidade de Nova Iorque, opõe-se à tendência de afrocentrismo dos filósofos do continente.
Ele acredita que o afrocentrismo é um conceito ultrapassado. Ele defende que se deve encorajar mais o diálogo entre culturas e menos “regionalismo”:

[Diógenes, filósofo da antiguidade grega] rejeitava a visão convencional de que toda a pessoa civilizada pertencia a uma comunidade entre outras comunidades[…] 

Uma comunidade global de cosmopolitas desejará aprender sobre outros estilos de vida na rádio e em programas de TV, por meio da Antropologia e História, por romances e filmes, por noticiários e jornais e na internet."

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Série África:


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Fonte : aqui 
5 pensadores africanos que tratam de identidade, língua e regionalismo
*Consta noutro site que Sévérine nasceu em Besançon (França)




13 comentários:

  1. Querida Olinda, muito interessante esta tua " aula de filosofia ' dando-nos a conhecer os estudiosos Africanos, para mim desconhecidos. Não fazia a mínima idéia de que este continente, sempre tão esquecido, fosse tão rico em filósofos. Fazes bem em trazer outras culturas para que tomemos conhecimento das idéias mais profundas sobre os problemas da humanidade, tentando dar respostas às perguntas que todo o ser humano se faz e para as quais não obtém resposta. E a propósito, Amiga, terminei há dias, a leitura do livro, O Mundo de Sofia e adorei. Desejo-te um bom fim de semana, com saúde. Obrigada pelas informações que aqui nos deixas. Beijinhos
    Emília 🌻 🌻

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  2. Olá, amiga Olinda
    Muito interessante este post. A generalidade das pessoas, desconhecia quiçá, estas personalidades. Eu sou um deles. Fiquei a conhecer agora, graças a esta excelente partilha.
    São, e serão por certo muito importantes, não só nos seus países como no mundo em geral.
    Gostei bastante, estimada amiga.

    Deixo os meus votos de um feliz fim de semana, com tudo de bom.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

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  3. Publicação que agradeço pelo seu valor didático. Gostei muito de ler.
    *
    Amor e Paz
    */*
    Tema: Gravidez da Jovem Adolescente
    */*

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  4. Muy interesante. Te mando un beso.

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  5. Boa noite de sábado, querida amiga Olinda!
    Fico assombrada com sua capacidade de discorrer sobre um tema tão denso com tanto embasamento.
    Por aqui, material bastante para aprender...
    Tenha uma nova semana abençoada!
    Beijinhos

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  6. Os compêndios de filosofia ocidentais, enfocam a filosofia ocidental, o que não é nenhum absurdo. Mas muitas obras mais atuais têm enfocado outras filosofias do mundo como a africana e a oriental. Não creio (salvo melhor juízo) que em outro lugar do mundo tenha havido uma filosofia como a grega, que rejeitando os mitos, passou a buscar pela essência do mundo em termos racionais. Porém, confesso que da África, conheço mais os mitos do que a filosofia.
    Excelente texto.

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    1. Sem dúvida, Eduardo. Pouco se fala das filosofias africana e oriental. Desta chegam-nos ecos, principalmente, de Confúcio, e da africana são os mitos que tomam o melhor lugar. Há um pormenor muito importante que se prende com a filosofia árabe. Os filósofos árabes como Avicena, Averróis, Alfarabi, livraram do esquecimento, pelo menos num primeiro momento, a filosofia grega com o enfoque em Aristóteles e Platão.
      Um abraço
      Olinda

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  7. Olá, amiga Olinda

    Passando por aqui, para desejar uma feliz semana, com tudo de bom.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

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  8. Não conheço nenhum destes pensadores. Conheço apenas escritores africanos que também pensam... E gosto de os ler, porque a cultura africana é impressionante.
    Boa semana minha amiga Olinda.
    Um abraço.

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  9. Gostei de conhecer estas pessoas pensantes .

    Leio escritores africanos , porque também têm ideias interessantes.

    Querida Olinda, abraço com voto de boa semana e excelente Dezembro.

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  10. Contra mim falo. Nunca dei atenção aos pensadores africanos. Até fiquei envergonhada por não conhecer nenhum. Vou tentar redimir-me. Obrigada por esta lição que nos proporcionou. Aprendo tanto consigo minha Amiga Olinda. Obrigada.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  11. Passei por aqui para agradecer a visita!
    Obrigada, é sempre um gosto ver os seus postes... beijinho

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  12. A África é um continente que desperta grande interesse e curiosodade.
    Ainda recentemente, na sua visita a Angola, Biden chamou a atenção para as potencialidades do continente e dos países que estáo numa rota de emergência e ascensão.
    Que a paz e o entendimento entre os povos permita catalisar todas as sua capacidades.
    Abraço de amizade.
    Juvenal Nunes

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