O náufrago que nada por entre a exaltação das ondas, erguendo centenas de papéis manuscritos, movendo-se lento à força de um só braço, não é, neste cenário, um herói; o homem que salva a sua obra e alcança a terra, tombando, inanimado, sobrevivente único daquele naufrágio, reparemos bem, não alcança tranquilidade de alma, não se realiza, não fica feliz. Porquê?
Porque, em nome da acção aparentemente heróica, poderá ter deixado morrer o seu amor. É, antes, um ser humano destroçado, arrependido, assombrado pela memória de um rosto angélico, sonho em vida e em morte, que nunca mais o abandonará.
Aquele que se levanta, na manhã seguinte, e caminha trôpego padece de uma mágoa, de um remorso sem remédio, uma saudade que mesmo a sincera esperança de um reencontro espiritual no paraíso não consegue anular.
Arrastar os pés sangrentos, durante vinte anos, até ao dia 10 de Junho de 1580, escrevendo sonetos úteis aos séculos vindouros, mas incapazes de, por um segundo, devolver ao seu autor a verdade de um abraço, a paz de chegar a ser feliz ao lado de alguém - está é, com certeza, uma das mais bonitas e dolorosas formas tomadas pelo amor, um amor eternizado pela morte.
Mas quem era, afinal, Dinamene? Para muitos, tratar-se-ia de uma cativa chinesa, o amor oriental de Camões que adaptou, literariamente, o seu nome: Tim-Nam-Mem ou Din-Nam-Mem. Contudo, o professor José Hermano Saraiva tem outra versão, segundo a qual Camões se havia apaixonado, sim, pela filha de D. Violante, D. Joana, tese que, de facto, um soneto seu parece confirmar:
"A violeta mais bela amanhece/ no vale, por esmalte de verdura/ com seu palácio lustre e formosura/ por mais bela, Violante, te obedece";
outros textos falam de Anha, antropónimo que significava Joana; outros ainda chamam D.Violante de fera, mulher vingativa e cheia de ciúme.
Sendo sabido que D.Joana foi mandada para a Índia e que terá falecido numa viagem e que, segundo o Livro V das Ordenações Manuelinas, o amor entre um servo e a filha de um amo seriam punidos com pena de morte, o poeta terá ocultado a verdade da amada sob um nome codificado.
"Dina" seria afinal uma sigla a que corresponderia: Dona Ioana Noronha de Andrade; a totalidade do nome - Dinamene - significa "poderosa do mar" (marca irónica do seu destino) e correspondia à figura de uma ninfa, tanto em Homero como em Hesíodo (...)
Excerto: 10 histórias de amor em Portugal, de Alexandre Borges, pg 37/38/39.
Meu Deus!
Depois de nos termos focado, aqui, em Camões e Dinamene, descobrimos que há outras nuances?
Em todo o caso, ainda que não existam certezas sobre os amores do poeta, parece-me que foram amores muito infelizes, que nunca tiveram a concretização que ele teria desejado.
Abraços
Olinda
Último excerto, a seguir...
Post 1,Post 2,Post 3,Post 4,Post 5
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.Título da história: Dinamene e Luís de Camões
.Subtítulo: O nome sepultado nas águas (usei-o como título do post)
.Comemoração, neste ano, dos 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões
Boa noite, amiga Olinda
ResponderEliminarEfetivamente, há várias opiniões sobre o a existência ou não da famigerada amada de Camões, Dinamene. Como é aqui dito, há várias versões, opiniões, muito díspares, que nos leva a interrogar se Camões tinha um ou mais amores. Mas como diz e bem, existem vários versos nos Lusíadas que falam dessa Cativa. No entanto, será real ou não, essa famigerada amada de Camões, ou apenas fruto da sua imaginação de poeta. Será assim?
Continuemos a seguir mais um capítulo desta história.
Votos de uma boa noite e ótima semana!
Beijinhos.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Bom dia, caro Mário
EliminarA amada a que deu nome, Dinamene, que ele caracterizou como tendo:
"Um mover d'olhos brando e piadoso
sem ver de quê; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;
..."
que o acompanhou no naufrágio, que ficou famosa por isso e pelos sonetos que o autor lhe dedicou...
Os outros amores quase que se escondem sob a sombra de Dinamene.
Ela é a cativa que me tem cativo...
Lenda ou não, são, na verdade, momentos altos na lírica de Camões.
Muito obrigada pela sua presença e pelos belos comentários.
Amanhã temos o último capítulo desta história, mas a pena deste grande autor continuará a deliciar-nos por Junho fora, aqui no Xaile...
Abraço
Bom dia de Paz, querida amiga Olinda!
ResponderEliminar"Não alcança tranquilidade de alma, não se realiza, não fica feliz. Porquê?"
Pergunta que podemos ter feito já em nossa vida... São porquês indecifráveis.
"Uma saudade que mesmo a sincera esperança de um reencontro espiritual no paraíso não consegue anular."
Inquietações da alma... São muitas... Às vezes, repetitivas.
"A paz de chegar a ser feliz ao lado de alguém".
Um desejo pertinente que não se realizou na história da vez e em muitos outros casos espalhados pelo mundo afora.
"Dinamene - significa "poderosa do mar" ... só pode ter sido uma mulher muito especial.
Haja visto merecer o amor de Camões.
Foi uma magnifica série. Obrigada
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos com carinho fraterno
Querida Rosélia
EliminarPela forma como Camões se refere a Dinamene, nos seus sonetos, deixa-nos entrever realmente uma mulher muito especial.
Nas coisas do coração há mistérios indecifráveis, com efeito,
pois existe em cada um de nós aquele sentir individual que nos
caracteriza.
Nem sempre se realiza o que mais desejamos.
Em Camões verifica-se esse desejo insatisfeito, como rezam as crónicas.
Desejo-lhe uma boa semana, minha amiga.
Beijinhos
Olinda
Esperando pelo último excerto.
ResponderEliminarUm abraço.
É já amanhã, depois da meia-noite.
EliminarComo vou de férias, pretendo deixar a história
concluída. Mas o "Xaile de Seda" vais estar activo
durante o mês de Junho (posts agendados).
Um abraço
Muito pouco se sabe acerca de Camões. A maioria das coisas que se diz são deduções ou até especulações (também faria as minhas em dois poemas que publicarei a 10 e a 17 do próximo mês).
ResponderEliminarEm qualquer caso os excertos publicados mostram um escritor maduro que faz com que a sua prosa seja apelativa e agradável de ler.
Obrigado pela partilha.
Um ótima semana.
Beijo.
Olá, Jaime
EliminarCerto. Deduções e especulações que preenchem a vida deste
grande autor de Língua Portuguesa.
Se puder irei espreitar os seus poemas. Não sei se poderei comentar,
dependendo do acesso à internet que eu possa ter nas minhas férias.
Também lhe desejo uma semana excelente.
Abraço.
Muito sofreu Camões mas parece que são os infelizes que têm mais veia poética!
ResponderEliminarAbraço
Parece que o sofrimento inspira os poetas...
EliminarAbraço
Camões é um poeta de estatura universal , que até depois de morto tem pouca sorte.
ResponderEliminarQuerida Olinda, abraço e boa semana.
Sem dúvida, querida São.
ResponderEliminarBeijinhos
Olinda
Boa noite Olinda,
ResponderEliminarPara falar sobre Camões como este autor o faz, é necessário ter um grande conhecimento da Vida e Obra deste nosso Grande Poeta.
Não tenho uma coisa nem outra, apenas abordagens mais ou menos esporádicas.
Por esse facto tenho gostado imenso do que tenho lido e aprendido aqui no Xaile, graças à sua imensa generosidade pela partilha que tem feito.
Estou-lhe muito grata.
Beijinhos e uma boa semana.
Emília
Cara Emília
EliminarVamos aprendendo todos uns com os outros.
Trazemos sempre connosco algo que, por vezes,
outros desconhecem. É um intercâmbio interessante
que nos beneficia a todos.
Muito obrigada pelas suas palavras.
Beijinhos
Olinda
Aplausos, fui saboreando seus conhecimentos deste autor e seguindo curiosa todos os nuances da trama tão bem traçada. Grata querida. Amei.
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