Tantos bons poemas!
São realmente bons e bons,
Com tanta concorrência não fica ninguém,
Ou ficam ao acaso, uma loteria da posteridade,
Obtendo lugares por capricho do Empresário...
Tantos bons poetas!
Para que escrevo eu versos?
Quando os escrevo parece-me
O que a minha emoção, com que os escrevi, me parece -
A única coisa grande no mundo...
Enche o universo de frio e pavor de mim.
Depois, escritos, visíveis, legíveis...
Ora...E nesta antologia de poetas menores?
Tantos bons poetas!
O que é o génio, afinal, ou como é que se distingue
O génio da habilidade, e os bons poetas dos maus poetas?
Sei lá se realmente se distinguem...
O melhor é dormir...
Fecho a antologia mais cansado do que do mundo -
Sou vulgar?
Há tantos bons poetas!
Santo Deus!...
50 1-5-1928 *
pags 226/227
...A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos — felizmente para mim e para os outros — mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo — os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher — na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas — cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem — e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...
in: Carta a Adolfo Casais Monteiro-13 Jan 1935
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*Fernando Pessoa
Obra completa de Álvaro Campos
Sempre interessantes as suas publicações.
ResponderEliminarUm abraço.
Olá, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarEle faz uma reflexão de autoconhecimento muito boa.
Todos temos um pouco de histerismos disfarçados...
Mas uma coisa eu percebi pelo poema que lhe saiu do fundo da alma: ele era humilde.
Que bonito ser assim tão renomado e saber que havia ao seu redor muitos e grandes poetas!
É ser realista também.
Gostei muito do escolhido da vez, Amiga.
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos com carinho fraterno
Muito linda a tua escolha e cada verso,cada dos questioinamentos, vendo o seu lugar num enorme mundo de poetas. Beleza!
ResponderEliminarbeijos praianos, chica
Aparece o poeta a reconhecer as suas limitações de cariz mental, cujos efeitos, felizmente, revertem em favor da criação poética. E assim se explica o seu heterónimo Álvaro de Campos.
ResponderEliminarDessa forma também aliviou os seus estudiosos de cogitações menos verdadeiras.
Obrigado pela partilha.
Abraço poético.
Juvenal Nunes
Excelente escolha. Os pensamentos e reflexões de um grande poeta refletidos num belíssimo poema.
ResponderEliminarBeijinhos
Boa tarde Olinda,
ResponderEliminarFernando Pessoa e a sua complexidade que nos deixou verdadeiras pérolas poéticas.
Magnífica esta publicação.
Beijinhos,
Ailime