Mãe! Vem ouvir a minha cabeça a contar historias ricas que ainda não viajei. Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado! Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar. Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras. Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa. Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
In: A Invenção do Dia Claro
1921
Entre outras considerações, Jorge de Sena, na sua análise da Obra de Almada Negreiros, refere que:
(...)a coesão interna do livro assenta no "tom de menino pequeno que está a falar com a sua mãe", o que torna este texto modelar relativamente a uma característica "profunda da linguagem de Almada Negreiros, que é a de uma simplificação no sentido, não dum primitivismo propriamente, mas do que nós poderíamos dizer duma sofisticação da sua simplicidade."
José Sobral de Almada Negreiros (1893 -1970) foi um artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas portugueses. aqui
Foi contemporâneo de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Santa-Rita Pintor entre outros nomes grandes da Literatura.
Revista de que só saiu um número em Novembro de 1917 e que pretendia ser a voz impressa do Futurismo em Portugal. Segundo Fernando Pessoa, a apreensão deu-se quando a revista, tendo escapado por uma "sorte inexplicável" à censura prévia que vigorava em tempo de guerra, se encontrava já nas montras das livrarias. A polícia, condescendente, consentiu que "os rapazes salvassem o maior número de exemplares que pudessem. (...)
Termino aqui, por agora, estes apontamentos sobre a obra deste artista multisciplinar cujo falecimento completou, a 15 deste mês, 52 anos.
Abraços
Olinda
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Imagem: Maternidade - Obra de Almada Negreiros, 1935
A invenção do dia claro - https://docero.com.br/doc/sn55vxs
Portugal Futurista - Wiki
Boa tarde Olinda,
ResponderEliminarUm texto que me deixou fascinada pela escrita de Almada Negreiros, que infelizmente não conheço. Nunca é tarde para nos debruçarmos sobre a obra dos grandes da Literatura. Conheço-o melhor nas artes plásticas.
Obrigada pela partilha.
Beijinhos,
Ailime
Cara Ailime
EliminarÉ frequente lembrarmos Almada Negreiros, antes de mais, na sua vertente plástica. Contudo foi bastante activo tanto na escrita interventiva como literária.
Grata pelo comentário.
Beijinhos
Boa noite serena, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarComecei a ler o texto e já fui viajando nas palavras... Não poderia deixar de me emocionar muito.
Nunca tive uma mãe que passasse a mão em minha cabeça, bem no sentido literal nem no pejorativo.
Gostaria de ter tido no sentido literal. Entretanto gostei muito de acarinhar meus meninos e a todos que amo. Fazer um chamei, um cafuné.
Nem a Pandemia secou meu coração.
No mais, deixo ao legado de outros amigos argumentarem fatos literários. Nem consigo no momento, sei que me compreende.
Tenha uma noite abençoada!
Beijinhos com carinho de gratidão e estima
😘🕊️💙
Muito obrigada pela linda participação no blog Espiritualidade, amiga.
EliminarGostei muito.
Gratidão
Feliz sábado!
Beijinhos
Minha amiga Rosélia
EliminarEu é que lhe agradeço.
Os seus desafios enriquecem-nos.
Beijinhos
Olinda
Querida Rosélia
EliminarInfelizmente a vida nem sempre é justa.
Compreendo a sua mágoa por lhe ter faltado
essa afeição e esses cuidados.
Em compensação, faz tudo para que todos à sua
volta se sintam felizes e bem amados.
Grata pelo seu comentário.
Beijinhos
Olinda
Tão belo, tão sensível este texto de Almada Negreiros! "A invenção do dia claro" (título que faz inveja a qualquer escritor) é um livro maravilhoso.
ResponderEliminarTudo de bom, minha Amiga Olinda.
Um beijo.
Querida Graça
EliminarÉ quase um grito, não é verdade? E o interessante é que no livro fala com a Mãe em vários momentos, como por exemplo: "Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a ciência que trata da vida; era justamente do que eu necessitava - pôr ciência na minha vida. Li o livro de filosofia, não ganhei nada, Mãe! não ganhei nada. Disseram-me que era necessário estar já iniciado, ora eu só tenho uma iniciação, é esta de ter sido posto neste mundo à imagem e semelhança de Deus. Não basta? " E muitos mais.
Grata pela sua presença, minha amiga.
Beijinhos
Olinda
Publiquei, em tempos, a mesma imagem e o mesmo texto. No entanto, li-o agora, pausadamente, em voz alta e foi como se nunca o tivesse lido!!
ResponderEliminarMuito obrigada, querida Olinda, por esta publicação tão bela que me agarrou a alma. Este é um momento de grande fragilidade emocional para mim.
Um grato beijinho.
Querida Janita
EliminarGrata pela sua presença aqui no Xaile, com o seu belo comentário. Este texto de Almada Negreiros é deveras emocionante. Já o tenho lindo em formato de poema, mas também gostei dele em texto corrido como o encontrei no download que fiz da obra. E a imagem, um momento feliz da obra do autor e não só. Consta que alude ao nascimento do primeiro filho e terá encontrado na sua execução a perfeição que buscava, " harmonia entre quadrado e círculo, entre esferas celestial e terrestre, na figura da Maternidade" E não há dúvida que texto e imagem fazem um conjunto maravilhoso.
Muito obrigada pelas suas palavras de apreço. :)
Beijinhos
Olinda
texto mui belo e sensível, até arrepia de tão belo.
ResponderEliminaro texto é uma novidade para mim. obrigado.
abraço. amiga
Olá, Manuel Veiga
Eliminar"...até arrepia de tão belo".
Palavras que dizem bem da profundidade
deste texto. Adorei.
Muito obrigada.
Abraço
Olinda
Olá Olinda.
ResponderEliminarTão belo este poema.
Não percebo como Almada Negreiros é tão pouco "falado"
Merecida homenagem.
"Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
Belo, tão cheio de tanto!
Brisas doces**
Tem razão, é pouco lembrado.
EliminarContudo, A. Negreiros é um artista multidisciplinar que não
se contenta com pouco. Em tudo o que faz há essa
luz que procura alcançar, quase perto de Deus.
Obrigada, minha amiga, pela presença e comentário.
Beijinhos
Olinda
ha sido un placer Olinda leer tan bello texto lleno de emoción y sentimientos con tan significativas ilustraciones con la que lo acompañas...paso a desearte feliz fin de semana y un fuerte abrazo . jr.
ResponderEliminarGrata, José. É também um prazer recebê-lo aqui no
Eliminar"Xaile de Seda", deixando-me as suas impressões
sobre este nosso autor que nos legou uma Obra imensa.
Bom domingo, meu amigo.
Abraço
Olinda
Almada Negreiros, pouco referido em Poesia, foi o Homem de sentimentos completos.
ResponderEliminar"Falar" da e com a Mãe é um saber que apenas quem sente pode interiorizar.
Delicioso!
Grato por no-lo trazeres
Beijo
SOL da Esteva
É verdade, Sol da Esteva. A. Negreiros punha a alma
Eliminare o coração em tudo o que fazia, não só na arte como
na vida, em que defendia com garra os seus pontos
de vista. Basta lembrarmo-nos do "Manifesto Anti-Dantas":)
Bom domingo.
Abraço
Olinda
Que beleza de postagem, Olinda! A sensibilidade do grande escritor é gritante no texto que escolheu. Gostei demais! Bjs.
ResponderEliminarQuerida Marilene
EliminarMuito obrigada. Muito bom ter gostado.
É, na realidade, um texto belo e emotivo.
Tenha um bom domingo.
Beijinhos
Olinda
Dois nomes incontornáveis da literatura.
ResponderEliminarMuito boa tarde!
Grata, Mister Vertigo, pela visita e comentário.
EliminarAbraço
Olinda