quarta-feira, 8 de junho de 2016

Vem sentar-te comigo à beira do rio

Isso é o que diz Ricardo Reis a Lídia. E é o que me apetece dizer-vos a vós, meus amigos, nesta manhã clara. Um dia que promete, este. Muito calor e praza a Deus que, também, muito boa disposição para apreciar as coisas belas que se nos oferecem.

Pois, bem. Sentemo-nos à beira-rio, à beira-mar ou debaixo de uma árvore sempre e quando pudermos, sozinhos em contemplação, ou acompanhados o que é muito bom.




Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
                   (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
                   Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
                   E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
                   E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
                   Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
                   Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
                   Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
                   Pagã triste e com flores no regaço. 


Ricardo Reis, in "Odes"
(F.Pessoa)


Digamos como o Poeta, de mãos enlaçadas ou não, com aquele sentimento de cumplicidade em que, muitas vezes, nem são precisas palavras:

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, 
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, 
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro 
                   
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

=====
Poema: Citador 
Imagem: daqui


8 comentários:

  1. ~~~
    Este estoicismo, este comportamento apático e indolente

    jamais se ajustaria a mim... Sou gente de sangue quente.

    Gosto de mais de carinhos e carícias e vivenciar o amor...

    Ouviria melhor correr o rio de mãos dadas, em comunhão

    silenciosa de sentires...

    ~~~ Grande abraço, querida Olinda. ~~~
    ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

    ResponderEliminar
  2. Gostei do poema que não conhecia. Mas essa contemplação assim parece-me de fim de vida.
    Abraço

    ResponderEliminar
  3. Essa placidez retratada pelo poeta não cabe em mim. Sou intensa. Gosto de aventura e cumplicidade. E se é para recordar que seja marcado por momentos intensos, de mãos entrelaçadas, de amor pujante.
    O poema é belo. Transmite uma serenidade, um sentimento de amizade
    Um beijo grande amiga Olinda

    ResponderEliminar
  4. Um poema que é mais do que o lirismo contemplativo, pois, conseguir este estado, é atingir uma plenitude e aceitação da finitude da vida, façamos o que fizermos. De resto, sabemos quão elevado foi o pensamento de FP ortónimo e FP nos seus heterónimos.
    Bjo, Olinda :)

    ResponderEliminar
  5. Olá, Olinda.
    A gente nunca sabe "nem metade de pouco" - pois que é tanta a Literatura, que a vida inteira não seria suficiente para a lermos e apreendermos toda na nossa memória. Há tanta coisa que até já nos passou nas mãos, já lemos e nos apaixonamos e, depois, no meio de tanto, acaba por se esquecer ou restarem apenas ténues lembranças avivadas quando se revê, em algum lugar ;)
    Este poema lindíssimo eu não conhecia.
    É lindo como poema e curioso como forma de estar na vida: amor sem toque, talvez primo do amor platónico e filho da inocência - "Nem fomos mais do que crianças" - porque o amor na flor da vida é assim, livre de abraços e beijos e isentos de sexo, que aí ainda não faz sentido.
    Por outro lado, quando se atinge uma outra estratosfera espiritual talvez também seja assim, não sei. Na vida como a conhecemos também não será impossível haver momento em que seja assim, pois que a contemplação é um outro estado de alma.
    bjn amg

    ResponderEliminar
  6. Qualquer um dos meus alunos sabe da minha preferência por este heterónimo...
    Querida Olinda, venho deixar-te um beijinho ao entardecer.

    ResponderEliminar
  7. Que leveza e doçura de poema!
    "porque não vale a pena cansarmo-nos.
    Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
    Mais vale saber passar silenciosamente
    E sem desassossegos grandes."
    É verdade :)
    Beijinhos

    ResponderEliminar