...
Eis
Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.*
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.*
Assim se apresenta este nosso poeta, mas não fica por aqui. Ora, leiam isto:
De cerúleo gabão não bem coberto,
Passeia em Santarém chuchado moço,
Mantido às vezes de sucinto almoço,
De ceia casual, jantar incerto;
Mantido às vezes de sucinto almoço,
De ceia casual, jantar incerto;
Dos esburgados peitos quase aberto,
Versos impinge por miúdo e grosso.
E do que em frase vil chamam caroço,
Se o quer, é vox clamantis in deserto.
Versos impinge por miúdo e grosso.
E do que em frase vil chamam caroço,
Se o quer, é vox clamantis in deserto.
Pede às moças ternura, e dão-lhe motes!
Que tendo um coração como estalage,
Vão nele acomodando a mil pexotes.
Que tendo um coração como estalage,
Vão nele acomodando a mil pexotes.
Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
Cercado de um tropel de franchinotes?
É o autor do soneto: é o Bocage!
Cercado de um tropel de franchinotes?
É o autor do soneto: é o Bocage!
Sim, é o Bocage, Manuel Maria Barbosa du Bocage, que todos nós julgamos conhecer muito bem, identificando-o, normalmente, com o seu lado brejeiro e anedótico, mas cuja essência muitas vezes nos escapa. Uma forte presença na literatura portuguesa do Sec.XIX, situando-se no período de transição do clássico para o romântico é também muito duro consigo próprio quando julga a sua obra:
Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:
Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.
Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania.
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania.
Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco.
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco.
Pois bem, hoje, 15 de Setembro, é feriado em Setúbal em homenagem ao filho da terra, nascido em 1765. Hoje é dia de Bocage e da Cidade. E lê-se aqui que as actividades em comemoração dos 250 anos do seu nascimento vão ser muitíssimas, estendendo-se até 16 de Setembro de 2016.
De referir que, A sessão solene de abertura das Comemorações dos 250 Anos
do Nascimento de Bocage está agendada para as 16h00, no Salão Nobre dos Paços
do Concelho, durante a qual é apresentada oficialmente a comissão de honra do
programa comemorativo, e que O livro “Bocage – A Imagem e o Verbo”, de Daniel Pires, investigador que dedicou vários estudos à vida e obra do poeta, é apresentado às 17h00, na Casa da Cultura.
Entretanto, passeemos, virtualmente, pela Biblioteca Nacional numa visita a este poeta sadino, através de um trabalho realizado em 2005 sob o título "Eis Bocage...duzentos anos depois" (1765/1805), e atentemos, por exemplo, no mote deste capítulo, que o apresenta como O Poeta da Liberdade:
E não se esqueçam que Setúbal está uma cidade bastante apelativa, a modernizar-se, com muitos focos de interesse não só para os turistas como para os naturais da terra.
====
*As palavras do título e os versos que se encontram a seguir à imagem, são excertos do soneto que poderá ler na íntegra aqui
2ª imagem:
Estátua do poeta na cidade de Setúbal
A beleza dos versos deste poeta é fina e com uma grande mensagem.
ResponderEliminarCada vez que leio estes versos parecem-me sempre novos e actuais
Olá,
ResponderEliminarGrande poeta português: as minhas homenagens
Beijos
minicontista
Sim, a maioria das pessoas atribui-lhe muita parvoíce que não é dele!
ResponderEliminarBeijinhos :)
Palavras vertebradas
ResponderEliminarBj
Olá Olinda. três interessantíssimos posts que aqui nos trazes. Gostei muito da comparação feita com o nosso Portugal como sendo audaz, valente e " de brandos costumes " como se costuma dizer. Não me lembrava de Júlio Dinis ter morrido de tuberculose e também já não sei nada da Morgadinha dos canaviais. Tenho de o reler. A ideia que tenho dele é de uma pessoa suave e portanto concordo com a leveza que Eça colocou na pessoa que ele foi. Não conhecia essa frase do Eça e gostei muito. Quanto a Bocage, mais uma ignorância minha; não sabia que era de Setúbal e que agora decorriam as festividades em sua memória. Com certeza não foi noticiado, pois nesse caso teria sabido; claro, agora o que interessa é a campanha eleitora e não se fala de outra coisa. Bocage tem uma escrita complexa, usando palavras cujo significado nem todos entenderão e é pena que seja recordado só pelas piadas que lhe são atribuídas. Ele é muito mais que isso. Como já disse várias vezes, estudei a fundo todos os nossos escritores, pois sou de letras, mas...já muita coisa esqueci. Vale-me o Xaile para que me faça recordar e pesquisar aquilo que já se foi da minha memória. Fico triste comigo mesma, quando vejo que não tratei de conservar aquilo que aprendi com gosto. Mas...para isso têm servido alguns blogs, " forçar-me " a aprender de novo. Obrigada, amiga, por fazeres a tua parte neste aspecto. Vou daqui sempre com a certeza de que tenho de investigar. Beijinhos
ResponderEliminarEmília
Com efeito, acho que a maioria das vezes nos escapa a essência de Bocage. Interessantíssimo post. Gostei de ler.
ResponderEliminarNo fim de semana irei dar uma volta por Setúbal. Estou a gostar cada vez mais dessa cidade.
Bjs
Isabel Gomes
Grande repentista, o puro génio!
ResponderEliminarSaudações péticas!
~ ~ ~
ResponderEliminar~~ Duas facetas distintas e opostas...
~ ~ Por um lado, o irreverente chalaceador hilariante,
pronto a deixar Lisboa intelectual às gargalhadas.
~~ Por outro lado, o intelectual de extremo bom gosto,
dotado de uma sensibilidade e inspiração que fizeram
dele um vate jamais olvidável.
~~ Setúbal estará sempre de parabéns...
~~~~ Beijinhos, Olinda ~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Um grande poeta.
ResponderEliminarIsabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt
Poeta, é ser grande no que sente,
ResponderEliminarÉ ser direito, até, no que está torto.
Poeta, não o é quando desmente
O poder da vida, ou fica morto.
Poeta com futuro além da vida,
É o diz verdades e assim age.
Pobre de riqueza já perdida
Foi, em sua vida, o Bocage.
Beijos
SOL
Não conhecia o soneto que nos trouxe e que mostra um outro lado do grande poeta. De fato, é relembrado pelo riso que provocava com suas palavras, ficando oculta sua outra face, que percebo merecer muitos aplausos. Bjs.
ResponderEliminarOi Isa
ResponderEliminarUm bom fim de semana para você
Beijos
minicontista
Olá amei o cantinho!!!!!!!!! seguindo!!!!!!!!!
ResponderEliminarhttp://gigicandy29.blogspot.com.br
Um grande Poeta.
ResponderEliminarQue o tempo não consegue silenciar.
Olinda, tenha uma boa semana.
Um abraço.
Muito bom este seu post de homenagem ao Bocage, cuja
ResponderEliminarestátua está em Setúbal a 30 minutos de carro da m/casa.
Se ele fosse vivo que diria destes políticos e desta política?
Gostava que estivesse vivo.
Bj.
Irene Alves
Na elegante e fina escrita da tua pena
ResponderEliminarÀs vezes é preciso acordar o silêncio da memória
Ou esperar pelo adormecimento inadiável
Com o gesto sereno e demorado da ternura
Com o acordar do amor rompendo o improvável
Uma radiosa semana
Doce beijo
Setúbal tem uma parte importantissima na minha vida, pois frequentei o Liceu Nacional da cidade.
ResponderEliminarAprecio muito Bocage, só tenho pena que geralmente o associem às brejeirices.
Grato abraço por estes momentos
Linda tarde de primavera!!!!!!!! Bjksssss
ResponderEliminarNão fazia ideia que se festejava o Bocage em Setúbal. Estou feliz, porque hoje aprendi alguma coisa.
ResponderEliminarBeijinhos
Ruthia d'O Berço do Mundo