terça-feira, 10 de setembro de 2013

Não há vagas - Ferreira Gullar



O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira

FERREIRA GULLAR

»»»»»

Procurei por Ferreira Gullar e este poema surgiu-me antes de tudo, focando aspectos da vida concreta e dura do dia-a-dia, que nos leva quase a fazê-lo nosso. Há, porém, um óbice: o facto de todas estas coisas 'não' caberem no 'poema'. A propósito, encontrei uma interpretação que nos conduz a um caminho que terá a ver com a função da poesia, em termos sociais. Eis uma passagem:

O texto, assim, com esse andamento metalingüístico, com o poema que discute a própria poesia, parece se tecer também como uma poética do autor. Ao se discutir o fazer poético, está se discutindo — embutido no texto — o sentido ou mesmo a função da poesia — para quê, e para quem, ela serve.O poema, assim, se tecendo como uma poética do autor, uma poética marcadamente modernista, e ironizando os poetas indiferentes à vida, ao cotidiano das pessoas comuns (como os parnasianos, por exemplo), traz o seguinte recado: a poesia não deve se furtar às questões sociais. Nela cabe, sim, há vagas para os dramas diários. Portanto: o sentido verdadeiro do poema é o contrário do que nele é dito.Ver mais...

Haverá lugar a uma outra ou outras interpretações?

Parece que sim. Esta, aqui, por exemplo, centrada na propaganda de um colégio: 'Sem um bom currículo NÃO HÁ VAGAS no mercado de trabalho', põe a tónica na negação, e, ao mesmo tempo na relação inclusão/exclusão, jogando também com ilusões e esperanças, para além de outras considerações.

Bem. O que diriam os meus amáveis leitores?  


Poema: fonte

23 comentários:

  1. Adorei o poema. Já reparou que o poema tem quase um século e a vida dos funcionários continua um mar de problemas.
    um abraço

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  2. Sabemos muito bem que a coligação poema versos critica ele faz um gênero novo, sabemos que Ferreira Gular é um dos mais ferrenho critico da conduta politica do nosso país.
    Foi longe em busca do assunto pertinente ao contesto atual.
    Abraço

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  3. Há poetas assim
    a escrever em carne viva

    Na verdade todos somos poetas
    mas só alguns ousam escrever

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  4. Este poema é uma delícia e , infelizmente retrata uma realidade social não só cá como em muitos países e não só de agora mas de todos os tempos. Acho que a poesia deve ser também um meio de crítica social, de denúncia, de informação, de grito de revolta a favor dos mais desfavorecidos. Se poesia é vida, nela deve caber tudo o que da vida faz parte, desde o amor à raiva, desde o elogio à crítica, desde a paz à guerra; deve cantar a natureza, os animais e até mesmo a morte. Na minha opinião a escrita, seja ela de que tipo for deve ser antes de mais um instrumento a favor da vida e das pessoas. Um beijinho, Olinda e adorei este teu poste. Muito obrigada pela partilha. Fica bem.
    Emília

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  5. Um poema muito actual e que deveria ser lido por muita gente.
    Lido e reflectido.
    Parabéns ao seu autor.
    Bj.
    Irene Alves

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  6. Minha querida

    Poemas que embora escritos há muito tempo se mantém actuais, infelizmente.
    E...claro que o poeta tem a função de escrever sobre a sociedade em que estão inseridos.
    Adorei como sempre.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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  7. Minha querida Olinda
    Quisera eu poder visitar-te todos os dias, e poder apreciar os assuntos que aqui "levantas", que considero, SEMPRE, pertinentes.
    Parece-me (pelo menos interpretei assim...) que a questão está em saber se o poeta tem razão ao escrever que:
    "O preço do feijão
    não cabe no poema.
    O preço do arroz
    não cabe no poema."... etc., etc...
    ou se, pelo contrário, isso são assuntos não cabíveis em poesia.
    Pois eu penso que, como qualquer outra pessoa que se sirva da palavra escrita como arma para defender os seus ideais, também o poeta pode e DEVE usar a poesia para fazer crítica social, denunciar injustiças, alertar o mundo para os desmandos a toda a hora cometidos... e por aí adiante.
    Não vou abusar da tua paciência alongando-me mais... tu já entendeste a minha maneira de pensar :)

    Desejo-te um óptimo fim de semana.
    Beijinhos
    Link para o meu blog principal
    Mariazita

    PS - No próximo Domingo publicarei o meu habitual post mensal, onde falarei das férias e mostrarei muitas fotos.

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  8. Primeiro que tudo, obrigada por me dar a conhecer este excelente poeta.

    Não gosto de nenhum tipo de Arte panfletária.

    Gosto de Arte com qualidade e essa pode abordar todos os temas sem discriminação.

    Abraço, querida Olinda

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  9. Não caberá no poema porque poesia é arte, alma, dar...
    As palavras e o refúgio do pensamento poético que estão na leitura de cada um de nós.
    Pertinente, atual, belo
    Bjis Olinda

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  10. Querida Olinda
    Numa passadinha muito rápida venho agradecer as tuas palavras, repletas de simpatia, especialmente no que toca à minha família (que classificas de gente bonita...). Como Mãe e Avó galinha que sou, as tuas palavras fizeram-me "babar"... :)
    O meu "bem hajas!" minha querida.

    Um Domingo muito feliz (assim como o restinho de sábado).
    Beijinhos

    Link para o meu blog principal
    Mariazita

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  11. ..........está tudo 'pela hora da morte'...
    Bom Domingo
    Beijo

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  12. Há poemas que são intemporais.
    Beijinhos
    Maria

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  13. Penso que o poeta, aqui, também faz uma auto-crítica.
    Acabo, porém, de me lembrar dos livros da primária dos meus irmãos, mais velhos do que eu, e de como se escreviam "belos" textos acerca da pobreza do povo, remediadinho e remendadinho...
    Beijinhos, bom domingo!

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  14. Seus escritos são magníficos. Esse poema traduz indignação frente a tantas situações "desonrosas" advindas de uma política não saudável. E tudo coube no poema, com sensibilidade e verdade. Bjs.

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  15. Não conhecia este poema. É muito actual.
    Não cabem nos poemas a fome e a miséria diária dos operários.
    Cabem nas carteiras os poemas de homens sem estômago, sem princípios, vazios de nada para dar e de ver os outros felizes

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  16. Amiga venho agradecer os seus parabéns.
    Que para o próximo ano continuemos aqui a dialogar uma
    com a outra.
    Desejo que esteja bem.
    Bj.
    Irene Alves

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  17. Há tanta coisa que não cabe nos poemas...
    A minha interpretação é a de que há coisas na vida que não são nada poéticas. Porque a poesia, em sentido figurado, está toda ocupada por quem é mais esperto e pouco sério...
    Mas amanhã talvez lesse o poema doutra maneira...
    Olinda, tem uma boa semana.
    Beijo.

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  18. O poema é muito bom e actual.
    Não conhecia o poeta.
    Obrigado por mostrá-lo.
    Saudações poéticas!

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  19. Prezada Olinda, ando meio que sem tempo para escrever novos poemas. Porém, não te esqueci, bem como, de nenhum amigo deste meio dos blogs.
    Ferreira Goulart é mais um expoente da cultura nacional, e creio que para a língua portuguesa.
    Quisera eu, que nossos políticos fossem tão bem representados e amados quanto são nossos poetas e menestréis.
    Um fraterno abraço, um beijo neste coração lindo e se puder apareça em minha página do Face. Será uma honra.

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  20. Lindo poema e cruelmente realista para os dias de hoje.
    Gosto muito de Gullar e já fiz alguns trabalhos na faculdade sobre ele.
    Adorei a resenha...Valeu!

    Bjussssssssssssss

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  21. Querida amiga

    Quando a alma tem fome de beleza,
    chegar aqui,
    sentir as palavras e o seu perfume,
    é encontrar o doce alimento da
    alegria...
    Alimento que me renova as energias,
    quando muito já silenciou pelos caminhos...

    A amizade é o alimento da esperança.

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  22. Gosto muito do Ferreira Gullar.
    Esta poesia, então, é especial.
    Obrigada por me fazer relembrar.

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