quarta-feira, 3 de abril de 2013

Escrever para a criança ou com a criança?

Escrever representa uma das formas de desafio à morte: e ler, também, é permanecer. Qualquer forma de escrita, qualquer forma de leitura.
E o que é escrever para a criança? Será escrever para a criança escrever para um outro mundo que já não é nosso?
É a criança que lê connosco? Abrir as páginas da vida contra a morte ajudados pelas mãos da criança, será, talvez, dos actos mais simples e mais difíceis que um escritor pode fazer.
A criança talvez não precise muito mais de nós do que nós precisamos dela.
Contar histórias, dizer, contar poemas foi acção cultural em que naturalmente, adultos e crianças se iam empenhando naquela fome do real e do maravilhoso que sempre construiu o homem pelo tempo fora. Durante muitos séculos, ler com a criança foi a presença de uma voz com um rosto que contava histórias, que dizia poemas, que ensinava lenga-lengas e, antes de tudo isto, a voz-rosto que derrama ritmos de adormecer - ritmos com palavras que diziam respeito não só à mãe desperta como ao menino que adormecia.
Hoje que a criança é mais conhecida, mas apesar de tal 'reconhecimento', a barreira entre a criança e o adulto não deixa de existir. Esquecemos que, apesar de tudo, a criança está connosco. E de nós ausente.
Fryda Schultz de Mantovani diz no seu livro El mundo poetico infantil: 'Algumas vezes temos contemplado em sonhos a nossa própria infância. Vêmo-la como uma criança que nos volta as costas e se afasta lentamente de nós. Com um gozo de triste exasperação e ternura - acariciamos com o olhar esse andar e nele nos reconhecemos meninos; esse passo cego que julgávamos tão lúcido para percorrer a terra e tocar as coisas  que nos cercam. Mais tarde compreendemos que éramos nós que não devíamos aproximar-nos das coisas, talvez para nunca as alcançar na sua essência, porque a razão nos oferece formas vazias dessa dimensão extra-natural, fantástica, que a imaginação do primitivo ou da criança toca tão facilmente. Isto é, sonhámos com o nosso próprio tempo da nossa vida que é, quando o pensamos, como o revés do presente.'
Daí que seja tão difícil o escrever para a criança não a traindo a ela e a nós. Nós trazemos connosco a criança que fomos ou aquela que, muito carregados de outros mundos, ainda somos: e trazemos a criança ideal que queremos projectar e que tão raras vezes é verdadeira.
É uma espécie de escrita triangular a que muitos dão o sinal simplista de horizontalidade. Daí haver tanto livro para a infância que julga a criança um ser menor. De limitadas compreensões. De limitados problemas. Até de limitadas roturas com as normas vocabulares. Andersen, Grimm, Perrault não contaram pequenas histórias de anedóticas vidas ou de existências piegas, ou ainda pequenas histórias de chaves moralizantes para abrir portas de bom comportamento, embora Perrault tivesse cedido a fechar as suas histórias com tão judiciosos como irónicos conselhos morais. Fizeram muito mais do que isso: souberam que escreveram para, e com, um povo poderoso e fraco, e ainda mal conhecido, que se chama infância.

***
Excerto da página 17 da obra de Matilde Rosa Araújo, 'A Estrada Fascinante', que ela define como uma reflexão que lhe trouxe o entrecruzado dialéctico mundo infância/adulto, encontro na aventura apaixonante que é estar com a Criança: a nossa memória acorda e sabemos que a escrita para adultos não está longe do que fomos, do que amámos ou repelimos enquanto crianças. E tudo quanto quisemos exigir no futuro.

12 comentários:

  1. Um dia seremos de novo crianças

    ou nunca deixámos de ser
    Os filhos também educam os pais

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  2. Olá Olinda!

    Gostei muito de ler. Matilde Rosa Araújo teceu palavras que alimentaram de sonho a infância de tantas crianças. Alimentaram e alimenta ainda pois as palavras por vezes ganham vida, ganham asas e voam para sempre junto a nós.

    Um beijinho e um belo dia, Olinda.

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  3. Gostei muito de ler. Dentro de nós ainda existe a criança que fomos... e não queremos deixar de ser.

    beijinhos

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  4. As coisas mudam
    Depois de um tempo você começa a perceber que nada nessa vida é
    pra sempre e que tudo pode de alguma forma ser mudado,
    percebe também que as pessoas mudam, que os pensamentos mudam,
    e que se você não mudar, a vida muda você
    amar significa se dar por inteiro
    que verdadeiros amigos são,aqueles do qual sentimos
    saudades .
    Quando penso saber de tudo ainda não aprendi nada.
    a natureza é a coisa mais bela na vida.
    Deus não proíbe nada em nome do amor.
    o julgamento alheio não é importante.
    o que realmente importa é a nossa paz interior.
    se pode conversar com estrelas
    se pode confessar com a lua falar das saudades,
    que inevitavelmente dói ,e feliz é aquele que tem motivos para
    sentir..
    Lindo e abençoado seja seu Dia bençãos de Deus
    para você ,Beijos e carinhos meus ,Evanir.

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  5. Até hoje, lembro-me de livros lidos quando eu era criança. Li muito, para meu filho, contei histórias e cantei. Haviam as preferidas dele, que pedia-me para contar, cantar de novo. Trabalhei em em biblioteca de escola,há poucos anos e via a procura de determinados livros. Interessante, como autores que você citou, os chamados "clássicos", ainda são muito lidos, pelas crianças. Imagino, que não seja simples, escrever para crianças, são bem exigentes e sabem o que querem.
    Gostei muito, de Matilde Araújo.

    Um beijo, e até breve, querida amiga.
    Lúcia

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  6. Escrever é sempre difícil, escrever para crianças é mais difícil ainda, sobretudo, por sabermos das criaturas sensíveis, curiosas e ingênuas que são, escrever sem idiotizá-las, para mim parece ser o maior desafio de quem caminha por essa seara, de quem optou por tipo de escrita...

    Beijo, querida!

    ;))



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  7. No interior de cada adulto viverá sempre uma criança.
    Cada escritor infantil desenhou as palavras necessárias para que as crianças fossem crianças sonhando e amando, desejando vencer e superar todos os obstáculos em plenos desafios que as ajudaram a crescer.

    Entender e amar as crianças nem todos os adultos são capazes. Limitações e medos de traumas passados.
    Para amar plenamente as crianças precisamos de renascer novamente e aprender a ser simples como elas...

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  8. Querida Olinda

    Eu continuo criança. Sei-o. Sinto-o embora tivesse crescido.
    O que li na infância, tenho-o bem presente. O que li depois, não tanto.
    É extremamente difícil "marcar", com escritos, uma qualquer criança. Ela sempre selecciona cada palavra pelo seu próprio entendimento dela.Esse entendimento está no modo como "viu" a vida.
    Sempre fui apologista (embora fosse criticado por tal) que se deva falar, desde o nascimento, com a linguagem de adulto. Só assim ela captará a mensagem que não tem linguagem "infantil" e diferente da que observará pela vida fora.
    Este o exemplo vivo há mais de 45 anos. Atesto que resultou cá em casa.
    Um bom texto de onde se extraem muitas, mais, reflexões.



    Beijos



    SOL

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  9. penso que as duas actividades nãos e excluem.

    Também gosto de narcisos, rrs

    Querida Olinda, bom resto de semana

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  10. OI OLINDA!
    TODOS TRAZEMOS EM NÓS A CRIANÇA QUE FOMOS POIS É NESTE "TRAZER" QUE ESTÁ A VERDADEIRA ESSÊNCIA DO QUE AGORA SOMOS.
    RESPEITAR A CRIANÇA EM SEU MOMENTO INFANTIL, SABENDO QUE ALI, SE FORMA O ADULTO QUE ESTAMOS AJUDANDO A CRIAR.
    UM TEXTO QUE NOS FAZ REFLETIR VERDADEIRAMENTE, ADOREI.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  11. A criança precisa apenas de algo que possa imaginar e que não esteja muito longe de sua realidade. Como nós, adultos, ela se identifica com personagens e aprende com eles. Mas não se pode subestimá-las. Sua capacidade de compreensão é grande e sua curiosidade, mola mestra para o descobrimento do que se pretende ensiná-las. Bjs.

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