Para a Ana Tapadas - Rara Avis
Eu pensei, de imediato, nalguns poemas de Alda Lara.
Para a Ana Tapadas - Rara Avis
Eu pensei, de imediato, nalguns poemas de Alda Lara.
Se, no Auto da Alma, a dominante são os sentimentos piedosos e a vitória tranquila do Bem sobre o Mal, não será essa a tónica geral das peças. No Auto da Barca do Inferno (1517), a mais importante da Trilogia das Barcas (Inferno, Purgatório e Glória), os critérios de selecção serão mais mordazes e exigentes. Nela, o Fidalgo é condenado por ter levado uma vida dissoluta de luxúria. O Onzeneiro (agiota) perde-se pela ganância, usura e avareza. O Sapateiro vai para a Barca do Inferno por roubar o povo no seu ofício e por falsidade religiosa. O Frade e a Amante não vão para o Paraíso pelo seu falso moralismo. Brísida Vaz, feiticeira e alcoviteira, vai para o Inferno por essas práticas e ainda a da prostituição. O Judeu, que se faz acompanhar de um bode, é condenado por desrespeitar a religião cristã. O Corregedor e o Procurador não têm salvação por terem usado o poder judicial em proveito próprio. O Enforcado, que cometeu crimes ao serviço de Garcia Moniz, também é condenado.
Só têm acesso à Barca do Paraíso o Parvo, pela sua simplicidade e modéstia, e os Quatro Cavaleiros que morreram nas Cruzadas pela vitória do cristianismo.
Testemunha de um tempo de mudança e de rápida riqueza trazida pelas caravelas - bem como milhares de escravos -, Gil Vicente não se deixa embalar na vertigem do presente. Pelo contrário, denuncia-a a cada passo, cara a cara com a realeza, a fidalguia do paço, o clero e os altos funcionários. (Excerto) *
Em Tudo o que Fiz Bem Pus um Pouco de Ti
Na ensolarada Califórnia parece que há luz a mais. Os telhados estão pejados de painéis solares. Foi dado tanto incentivo para que as pessoas os adoptassem que agora são tantos que brigam com a rede eléctrica. Não há fome que não dê em fartura.
Por cá também o Sol não se faz rogado, em certos dias. No Verão vai ser em maior quantidade. Tenho visto alguma publicidade por cá em o que João imita o Manuel que imita o Joaquim que imita a Maria...
Qualquer dia estaremos com o mesmo problema da Califórnia. Mas até chegar ao ponto de termos luz barata vamos ter muito que penar.
Querida Olinda,
Fica-me um sorriso nos lábios
Nem sei se sobe ou desce
Digo que me inunda
Somos povo liberto e libertário
Cravos rubros e abertos
Como abraços fraternos
E quando a inquietação nos dominar
Lembremos que somos "filhos da madrugada"
Felizes por vivermos uma revolução
Perfumada de sentimentos de união
E acreditarmos que viver é lutar
Por um poema maior
Feito de vida, sangue e lágrimas
Lágrimas que vertem a comoção
De dignificar o mundo do trabalho
E honrar o campo, a enxada, o arado
A caneta, o papel e o livro
Saído das mãos do trabalhador.
Um abraço imenso.
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A referida Casa ficava na Avenida Duque D’Ávila, nº 23, na esquina com a Rua Dona Estefânia, na zona das Avenidas Novas, em Lisboa.
A instituição foi oficializada em 1944 e funcionou como tal até 1965. Estava aberta a todos os estudantes das colónias.De notar que o PAICV referente a Cabo Verde só tomou essa designação tempos depois da independência (1981). Dantes era PAIGC, para a Guiné e Cabo Verde.
As colónias africanas, baptizadas pelo regime como sendo províncias ultramarinas, justificando a ideia de um Portugal uno e indivisível, com a notícia da revolução entraram em efervescência. Viram que a hora da verdade tinha chegado e que a libertação por que tanto se bateram estava em vias de acontecer. Só que cada cabeça sua sentença. Em Angola os três movimentos que ao longo do tempo se foram formando, MPLA, FNLA, UNITA, resolveram entrar em luta pelo poder. E foi precisamente em Luanda que se deram os confrontos.
Foram dias terríveis. A luta urbana apavorava tudo e todos. A tropa portuguesa de mãos atadas porque já não se sentia com autoridade para impor limites. Apenas com palavras na rádio tentava que chegassem a um entendimento. As pessoas, revoltadas, queriam pegar elas próprias em armas. Entretanto, a caça ao homem era um facto. De noite era a caça às bruxas e, como em todos os estados de sítio, cada um funcionava pela sua cabeça.
Começou o grande êxodo. De uma ponta à outra de Angola ouvia-se o martelar dos caixotes, o empacotamento dos haveres passíveis de transportar. O cais foi se tornando num mar de malas, caixotes, caixotinhos, sacos e sacolas. O aeroporto outro tanto. Pessoas com ar perdido aproveitavam a ponte aérea disponibilizada pelo governo português. Quem podia seguia de carro para África do Sul e para outros pontos de África. Também para o Brasil...
Era o retorno...dos "retornados". Cá chegados, era outra via sacra.
As negociações de independência iam avançando não com a velocidade desejada. Foram conversações, acordos, e muitos retornados reclamam ainda hoje que não foram acautelados os seus interesses.
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Numa ronda pelas independências temos que:
1) A Guiné (PAIGC) declarou a independência unilateralmente a 24 de Setembro de 1973 e reconhecida em 10 de Setembro de 1974, pelo acordo de Argel, de 26 de Agosto de 1974.
Luís Cabral foi o primeiro Presidente da República da Guiné-Bissau.
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2) Cabo Verde ligado ao PAIGC por vontade do seu líder maior Amílcar Cabral, assassinado em 1973, ascendeu à independência a 5 de Julho de 1975, não sem primeiro ter-se de vencer algumas polémicas sobre se aquelas ilhas deveriam ficar federadas a Portugal.
Aristides Pereira foi o primeiro Presidente da República de Cabo Verde.
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3) Em 11 de Novembro de 1975 foi declarada a independência de Angola por Agostinho Neto, (MPLA) que foi o primeiro Presidente da República Popular de Angola,
Na Assembleia Constituinte de Portugal foi aprovada um voto de congratulação da iniciativa do PPD, tendo Mota Pinto afirmado a dado momento:
As circunstâncias em que Angola ascende à independência não são as mais auspiciosas a curto prazo, quando uma guerra fratricida rasga a carne e verte o sangue dos homens e das mulheres angolanas e destrói os seus bens. aqui
Trata-se da guerra com os outros movimentos (FNLA e UNITA), visto estes dois não terem concordado com a entrega da soberania ao MPLA.
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4) As negociações entre a administração portuguesa, através do MFA, e a FRELIMO culminaram na assinatura dos Acordos de Lusaka em 7 de Setembro de 1974 na Tanzânia, com a transferência de soberania para as mãos da organização moçambicana. A formalização da independência de Moçambique ficou, finalmente estabelecida em 25 de Junho de 1975, o 13º aniversário da fundação da FRELIMO.
Samora Machel foi o primeiro Presidente da República de Moçambique.
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5) Em 1960, por influência do processo de descolonização no continente africano, surgiu um grupo nacionalista opositor ao domínio ditatorial português. Em 1972, o grupo dá origem ao MLSTP (Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe), de orientação marxista.
A 21 de Dezembro de 1974 foi assinada uma acta de transmissão de poderes do Estado Português para o Governo de São Tomé e Príncipe.
A independência verificou-se a 12 de Julho de 1975.
Manuel Pinto da Costa foi o primeiro Presidente da República Democrática de São Tomé e Príncipe.
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À Memória do meu Professor,
José Manuel Tengarrinha
Tengarrinha já tinha sido preso outras vezes. A mais violenta foi em 1961, quando havia sido duramente torturado. Desta vez, em 18 de Abril de 1974, levaram-no directamente para o reduto sul, para a última sala de interrogatório, ao fundo do corredor. Um inspector (...) perguntou-lhe o que estavam a preparar para o 1º de Maio. "Nada", respondeu. O inspector não insistiu e mudou de assunto. Queria saber se Tengarrinha estabelecera algum contacto com o movimento de oficiais que, um mês antes, estivera por detrás do golpe das Caldas e se tinha conhecimento de estarem em preparação novas movimentações. "Não sei", replicou lacónico.
O interrogatório durou várias horas, sempre à volta das mesmas questões. Já era noite quando o homem deu por concluída a sessão. "Da próxima vez vais falar. Ou confessas ou não sais daqui vivo", ameaçou. Deu-lhe uma semana para pensar e marcou novo interrogatório para daí a oito dias. Seria quinta-feira, 25 de Abril.(...) O inspector abandonou a sala e dois agentes entraram para conduzir Tengarrinha até ao reduto norte. Trancaram-no na cela de isolamento nº. 51.
Durante toda essa semana, esforçou-se por dormir o mais que conseguia. Sabia que ia ser sujeito à tortura do sono da próxima vez que o levassem para interrogatório. E temia o mais que lhe pudessem fazer.
Acordou em sobressalto na noite de 24 para 25 de Abril. Deveriam faltar poucas horas para o irem buscar, pensou. Nesse dia, no entanto, ninguém apareceu. Durante toda a manhã, nem sequer lhe foram entregar a côdea de pão e chávena de café que o guarda de serviço lhe levava todos os dias ao pequeno-almoço. (...)
As horas foram passando e também ele foi apercebendo dos vários indícios de mudança. Ao fim da tarde, ouviu, como os outros, informações dispersas sobre um golpe que derrubara o Governo. Depois de ter ecoado pela cadeia a voz de um preso pedindo prudência a todos os companheiros, Caxias calou-se. (...) Tengarrinha sabia da preparação de um golpe do MFA, mas também que estava iminente um levantamento da extrema-direita. Na altura, achou que a segunda hipótese era a mais provável. "Se for Kaúlza, vamos ser todos mortos", pensou.
José sentia-se profundamente só. Imaginava que os companheiros estariam despertos e apavorados. Precisava de ouvir uma voz, qualquer coisa que pudesse, ainda que, por segundos, tranquilizá-lo. Abriu a janela com cuidado, fez uma concha com a mão para abafar o som e perguntou, em voz baixa, ao preso do lado, igualmente em regime de isolamento: "Estás bem?" Ouviu-o levantar-se da cama e aproximar das grades. "Sim, e tu?" Não trocaram mais nenhuma palavra (...)
A noite estava gelada e o tempo parecia que não passava. Imagens de um fuzilamento tomavam-lhe o pensamento, sem que conseguisse afastá-las. Imaginou a angústia e o medo, o nó na garganta, a secura da boca e a vertigem no momento do fim. Via os agentes da PIDE a tirarem-nos das celas e a arrastarem-nos para o pátio, entre choros e gritos. (...)
Ao longo da noite, acabaria por aceitar esse destino. Sentia-se finalmente preparado. Já tinha amanhecido quando o silêncio em Caxias acabou. (...) As chaves rodaram na fechadura. José levantou-se. Parado à sua frente, um militar alto e louro, ladeado por dois homens, segurava uma G3.
_Como se chama? - perguntou-lhe.
José estava estranhamente tranquilo. Tivera tempo para se preparar para o fim. Chegara o momento.
_José Tengarrinha - disse.
_Pode sair. Está livre.
Afinal a manhã não lhe trouxera a morte. Mas faltaria ainda um dia inteiro para que efectivamente o devolvessem à liberdade.
Joana Pereira Bastos - In "Os últimos presos do Estado Novo -
Tortura e desespero em Vésperas do 25 de Abril" - pgs 111 a 114
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José Manuel Marques do Carmo Mendes Tengarrinha (Portimão, 12 de abril de 1932 – Estoril, 29 de junho de 2018) foi um jornalista, escritor, historiador, professor universitário, presidente do partido político MDP/CDE e deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da Republica de Portugal. aqui