não pedem para nascer
nem para cantar.
Mas nascem e cantam
que a nossa voz é a voz incorruptível
dos momentos de angústia sem voz
e dos passos arrastados nas velhas machambas.
E se cantam e nascem
os homens magros de olheiras fundas como eu
não pediram a blasfémia
de um sol que não fosse o mesmo
para uma criança banto
e o menino africânder.
Mas homens somos
e com o mesmíssimo encanto magnífico
dos filhos que geramos
aqui estamos
na vontade viril de viver o canto que sabemos
e tornar também uma vida
a vida de voluntário que não pedimos
nem queremos
e odiamos na ganga africana que vestimos
e na ração de farinha que comemos.
E com as sementes rongas
as flores silvestres das montanhas zulos
e a dose de pólen das metralhadoras no ar de Sharpeville
um xitotonguana azul canta num braço de imbondeiro
e levanta no feitiço destes céus
a volúpia terrível do nosso voo.
José Craveirinha
(1922-2003)
José João Craveirinha nasceu em Maputo, em 28 de maio de 1922, e morreu na mesma cidade, em 6 de fevereiro de 2003. Foi jornalista, poeta e cronista. É o principal nome da poesia de Moçambique, ao lado de Rui de Noronha, Kalungano (Marcelino dos Santos), Sérgio Vieira, Orlando Mendes, Rui Nogar, Sebastião Alba e Noémia de Sousa, entre outros autores.
Viveu a saga da resistência ao colonialismo português e participou ativamente do Movimento da Negritude. A resistência ao colonialismo e a sua participação nas ações da Frelimo motivaram a sua prisão, em 1965, pela polícia política portuguesa; julgado e condenado, cumpriu pena até 1969.
Recebeu inúmeros e importantes prêmios, entre os quais se destaca o Prêmio Camões, em 1991. A Universidade Eduardo Mondlane concedeu-lhe, em 2002, o grau de Doutor Honoris Causa e, como parte da homenagem, lançou na ocasião a sua Obra Poética, com a inserção de vários poemas inéditos. Foi o primeiro presidente da Assembleia-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Foi também presidente da Assembleia-Geral da Associação Moçambicana de Língua Portuguesa. Escreveu os seguintes livros de poemas: Xigubo (1964), Karingana ua Karingana (1974), Maria (1980), Babalaze das Hienas (1997) e Poemas da Prisão (2003). Ver mais aqui
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*(Sharpeville: Lugar de África do Sul onde em
20 de março de 1960 ocorreu uma repressão sangrenta
aos trabalhadores negros das minas)
Bom dia de paz, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarPartindo do princípio que ninguém pede para nascer, todos estamos em igual condução. Somos, assim, pássaros azuis...
Preconceitos nos rondam... Seja qual for nossa cor, credo... Entretanto:
"com o mesmíssimo encanto magnífico
dos filhos que geramos
aqui estamos"...
Acontece que alguns, por força do destino, padecem mais, misteriosamente.
Sem que possamos entender a dor da África, por exemplo. Atualmente a da Ucrânia também e outros povos ...
Um excelente poema e autor nos traz em partilha enriquecedora como é seu costume, minha amiga.
Obrigada por nós enriquecer.
Tenha dias abençoados!
Beijinhos com carinho fraterno
😘🕊️💙🌹
Que lindo cântico nos trouxeste, Olinda! Gostei de ler e de saber sobre o autor! beijos, lindo dia! chica
ResponderEliminarNão há homens negros, brancos ou amarelos. Há HOMENS, HÁ PESSOAS.
ResponderEliminar.
Belo poema
.
Cumprimentos poéticos.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Ninguém pede para nascer mas após o nascimento a vida não é igual para todos!
ResponderEliminarAbraço
É sempre bom lembrar aqueles que lutaram pela liberdade do homem. Neste caso, na porosa sombra do silêncio é que não serão lembrados. É bonito trabalho este o que você faz, Não conhecia o poema. Que se espalhe este Cântico do pássaro azul.
ResponderEliminarUm dia radioso para você, Olinda.
Abraços,
Belissimo poema de um escritor que muito admiro desde sempre.
ResponderEliminarQuerida Olinda, grato abraço pela partilha e bom resto de semana :)
Profundo e sentido poema, uma escolha perfeita.
ResponderEliminarBeijinhos
Um emotivo poema que nos toca fundo! Confesso conhecer muito pouco da obra deste autor... pelo que gostei imenso de poder contactar um pouco mais com a sua obra, que nos dá a conhecer os sentires de um período tão conturbado ligado ao processo do colonialismo!
ResponderEliminarGrata, Olinda, pela sua gentil presença, no outro dia, em artandkits.blogspot.com mas a que só hoje pude corresponder... e já estamos seguindo este espaço, dedicado à boa poesia!
Sempre que der... e que a saúde de uma pessoa de família que tenho de acompanhar mais de perto, o permita... cá estarei espreitando as novidades...
Um beijinho! Votos de continuação de uma óptima semana!
Ana
Seja bem-vinda, cara Ana Freire.
EliminarGrata pelos preciosos comentários, com palavras que muito
apreciei e que espero continuar a merecer.
Desejo boas melhoras ao seu familiar e também saúde para si.
Beijinhos
Olinda
Um poema muito bonito. Muito obrigada pela partilha!!
ResponderEliminar-
Sinto o murmurar dum silêncio desejado
.
Beijo, boa tarde.
Bello poema me conmovió. Te mando un beso.
ResponderEliminarO sol quando nasce é para todos e José Craveirinha dignificou bem essa luz que o iluminou.
ResponderEliminarJuvenal Nunes
José Craveirinha, um poeta moçambicano que adoro ler, pois a poesia que escreve é sempre muito profunda e inspiradora. Felizes os poetas cuja voz "é a voz incorruptível dos momentos de angústia sem voz". Tão belo e tão bom lê-lo aqui, minha Amiga Olinda.
ResponderEliminarTudo de bom para si.
Um beijo.
Gosto da poesia do José Craveirinha.
ResponderEliminarE este poema não foge à regra.
Continuação de boa semana, amiga Olinda.
Um beijo.
Craveirinha, na sua potente "afracanidade" é um Poeta Umiversal
ResponderEliminargrato, amiga por o ter trazido ao seu belo e inteligente espaço e dar esta oportunidade de leitura e conhecimento
abraço
Boa tarde Olinda,
ResponderEliminarMagnífico este poema de Craveirinha que canta a verdadeira alma africana.
Gostei imenso de ler o poema que me tocou imenso.
Obrigada pela sua sempre tão autêntica partilha.
Beijinhos,
Ailime
Lindo poema que gostei de ler. Obrigada por partilhar, Olinda.
ResponderEliminarAgradeço a sua gentil visitinha. O seu comentário é sempre um incentivo para mim.
Tenha um abençoado fim de semana.
Um carinhoso abraço.
Verena.
Olinda, querida, que rico poema! Muito belo e profundo, daqueles cuja leitura nos tocam. Amei sua escolha. Grande abraço.
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