quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, 
in "Raiz de Orvalho 
e Outros Poemas"

Mia Coutopseudónimo de António Emílio Leite Couto, n.  1955 -  escritor e biólogo moçambicano.


Conhecemo-lo não é verdade? Autor falado e admirado aqui no Xaile, por várias vezes, pela sua prosa, pela sua poesia, pelas suas ideias. Também pelo jeito de dar à Língua Portuguesa uma outra faceta, criando vocábulos e modo de dizer que retratam o ambiente moçambicano.

Hoje trago-o neste Poema, Identidade, que me dá a ideia (numa interpretação livre) de que para ser eu própria terei de entrar na pele do outro. Terei de sentir as suas lutas e fracassos. E congratular-me com as suas vitórias.

E assim lembro o povo moçambicano que atravessa momentos de grande dor. Na sua província de Cabo Delgado grassa o terror e a violência.  E desespera por ajuda internacional.


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Poema - Citador
Imagem - Wiki

14 comentários:

  1. Aprecio muito Mia Couto e estou indignada com a indiferença da comunidade internacional, nomeadamente UE, perante a tragédia que vitima as pessoas de Cabo Delgado.

    Abraço, bom resto de semana

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  2. Poema lindíssimo de Mia Couto que me fascinou ler.
    .
    Abraço

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  3. Existo onde me desconheço
    aguardando pelo meu passado
    ansiando a esperança do futuro

    Boa tarde de serenidade, querida amiga Olinda!
    Tenho lido por aqui o que posta.
    Gostei muito do de hoje e, o que recortei, me chamou a atenção, amiga.
    Tenha dias abençoados neste outono!
    Bjm carinhoso e fraterno

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  4. Adorei ❤️
    O Mia Couto é um grande escritor
    Beijinhos

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  5. Uma partilha simplesmente bela!!! Amei :-)))

    --
    Pensamentos que ficam entre a saudade
    -
    Beijo e uma excelente noite :)

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  6. que lindo poema de Mia Couto!
    "Preciso ser um outro
    para ser eu mesmo...",
    talvez ele tenha se inspirado em Rimbaud ao começar o poema dessa forma.
    um beijo, Olinda!

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  7. Nossa! O grande escritor que aplaudo sem cessar. Concordo com sua interpretação, Olinda, e me sensibilizo com a situação do povo moçambicano.
    Desse poema, o que mais me tocou foi :
    No mundo que combato morro
    no mundo por que luto nasço.
    Maravilha! Bjs.

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  8. Merecido e atento alerta que aqui traz, querida Olinda. É chocante a forma como Moçambique é ignorado e como o horror continua...
    Mia Couto num belo poema.
    Beijinho

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  9. Conhecia o poema, tenho este livro dele. Não sei se tem outros de poemas, só tenho esse os outros quatro que li dele são romances. É um dos meus escritores de eleição.
    Abraço, saúde e bom fim de semana

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  10. "No mundo que combato morro
    no mundo por que luto nasço"

    dois versos que se abrem como síntese luminosa
    de um designio de inscriçao da Poesia no âmago da História.

    dois versos apenas, que são legenda viva da expressão e determinaçao
    de luta pela emancipação da Humanidade

    gostei muito, Olinda
    uma partilha muito grata
    obrigado

    abraço

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  11. O trabalho de Mia Couto é cativante ..., tem um significado profundo. Saudações do país da Indonésia.

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  12. O povo moçambicano precisa mesmo de ajuda. Não sei do que estão à espera os países, sempre prontos a interferir quando há riquezas em jogo, para dar essa ajuda tão necessária. A solidariedade está a falhar muito.
    Gosto muito do Mia Couto. Tenho este livro maravilhoso.
    Um bom fim de semana, minha Amiga Olinda.
    Cuide-se bem.
    Um beijo.

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  13. Absolutamente solidária com o seu pesar pelos tétricos
    acontecimentos em Cabo Delgado...

    Numa altura em que a humanidade também anda ocupada
    em vencer a morte...

    No poema, Mia Couto expressa os elos perenes pelo país
    onde nasceu e quis como seu...

    Tudo pelo melhor, querida amiga. Beijinho
    ~~~~~~~~~~~

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  14. Também digo: "No mundo que combato morro
    no mundo por que luto nasço."

    É sempre um momento gratificamente quando tropeço ou, intencionalmente, leio Mia Couto. E este é um desses momentos. Há pessoas que merecem o "Xaile e Seda".

    Abraço, com muita estima, querida amiga Olinda.

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