quarta-feira, 25 de março de 2020

Sentimentos e emoções em tempos de ... confinamento


Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a perfeição?

Agustina Bessa-Luís






Um destes dias ouvi alguém, na rádio, discorrer sobre reciclagem de sentimentos.  Não ouvi toda a exposição pelo que não a sei reproduzir na íntegra. No essencial percebi a mensagem. A necessidade de revermos a nossa postura perante a vida e o nosso relacionamento com o outro. A pressa com que vivemos o dia-a-dia, a sobrevalorização de pequenas coisas que nos assoberbam, deixando para depois o mais importante e, acima de tudo, a reflexão necessária.

Estamos a viver em espaços confinados, todos juntos vinte e quatro sobre vinte e quatro horas e há que encarar isso no seu aspecto mais positivo. Sabemos que o confinamento pode levar-nos a situações de nervosismo, falta de paciência, um certo egoísmo em relação àqueles que nos rodeiam. Isso não quer dizer que, também, sentimentos de compreensão e harmonia não estejam nos nossos corações. Mas o nosso lado lunar aborda-nos, especialmente, em momentos de provação.

Por uma associação de ideias, tem-me visitado nos últimos dias o título de um livro de Gabriel García Marquez, O amor nos tempos de cólera. Nunca o li, não sei se o tema trata de cólera-doença, se de cólera-sentimento ou emoção. Seja qual for a sua vertente penso que se ajusta ao momento que atravessamos. Qualquer que seja a circunstância, cataclismo ou pandemia, o amor e a tolerância terão de sobreviver para que nós próprios possamos passar à fase seguinte. É um desafio que se nos coloca a nível físico e psicológico, que não dá tempo para nos prepararmos e sopesar os prós e os contras. O importante é que temos grande capacidade de adaptação e, ainda mais, de renovação e de inovação. Em ocasiões difíceis e de carência somos capazes de arranjar soluções, de dar um salto qualitativo, para a frente.

Temos notícias de laboratórios por todo o mundo a trabalhar afincadamente à procura de uma vacina que contenha este vírus; Contactos e mais contactos de conhecidos e desconhecidos no sentido de se providenciarem máscaras, luvas, ventiladores. Empresas que voltam a sua atenção para o fabrico desse material de suporte indispensável. Voluntários preocupados com os idosos, batendo-lhes à porta para saberem das suas necessidades. Pessoas oferecendo a profissionais de saúde kits de sobrevivência, num sinal de solidariedade e de muita ternura. Esses profissionais, médicos, enfermeiros, auxiliares, são os mais isolados e sacrificados de todos, sem poderem voltar para as famílias, enquanto durar a pandemia, sujeitos mais do que ninguém, ao contágio.

E que dizer das formiguinhas laboriosas que velam para que possamos ter água, luz, comida? Basta um telefonema e vêm a casa trazer-nos o necessário, dos supermercados, dos restaurantes. E as farmácias que continuam... E as transportadoras que nos trazem tudo e mais alguma coisa e, dentre elas, os imprescindíveis camionistas que atravessam fronteiras, e os padeiros...e o nosso lixo que é recolhido, nem sabemos a que horas. Tudo gente que corre grande risco, mas que continua porque a vida não pode parar.





Dos nossos sofás lamentamos o espaço exíguo, as limitações, a caminhada que não fazíamos mas agora apetecível, a ida ao café, ao restaurante, enfim ... aproveitemos este tempo para que seja um tempo de reflexão. 

O apelo é: "Fique em casa". E os sem-abrigo?

Boa quarta-feira, meus amigos.

Abraços.


====

Projecto Radar

Imagem: aqui 

Citação de Agustina Bessa-Luis - Citador

15 comentários:

  1. Uma reflexão muito assertiva sobre o momento atual.
    Também não li o livro em questão.
    Abraço e saúde

    ResponderEliminar
  2. Ao som de Josh Groban, e de telemóvel na mão, dancei como se fosse gentilmente (ou sedutoramente?) convidada. Não me escusei aos voos alargados que a voz e o som provocam.
    Querida Olinda, devo dizer que saí daqui a dançar e a escrever como quem voa,
    como quem acaba de ler "O amor em tempo de cólera" de Gabriel Garcia Marquez. Li-o há muito tempo e se perdi as cenas, recordo que embarquei num cruzeiro de boa escrita e olho o livro como algo valioso.
    A citação de Agustina Bessa-Luís é marcante. Gostei. Foi uma escritora com bom berço que pôs no jornal um anúncio para se casar. É o que se chama "uma pedrada no charco".

    E o covid-19 não dá tréguas. "E os que não têm casa?"

    Terno abraço.
    Um beijo
    E quando um texto é, assim, motivador, só posso aplaudir a autora.

    ResponderEliminar
  3. Saudações amigas
    .
    Uma maravilha ler o que aqui se escreve. A verdade é que das duas uma: Ou daqui a uns meses os divórcios aumentam e muito, ou as maternidades vão queixar-se da falta de camas para receber tanta grávida, :)

    Que vençam as maternidades

    Pois... os sem abrigo. Haverá alguém que saiba responder a essa pergunTa?
    .
    Tenha um dia de Paz, Amor, Felicidade.

    ResponderEliminar
  4. Olinda querida, para mim não é sacrifício essa quarentena, gosto de ficar em casa com tanto que tenho ao meu redor, ficarei quanto tempo for necessário. Ruim é essa guerra com um inimigo invisível, não sabemos a hora do ataque, quando, por onde... Terrível. Jamais pensei em vivenciar algo assim no século XXI, de tamanha envergadura e que não vejo. E que amedronta o mundo ao mesmo tempo. Que loucura isso. Mas, considero-me ainda com sorte, não estou infectada e nem o perigo de passar aos outros (por enquanto). Só lamento muito as 'baixas' pelo mundo inteiro de pessoas que nunca fizeram mal a ninguém, e silenciosamente partem. Incrível esse sofrimento. Brutal. E a dúvida constante que todos nós temos. Mas um dia acabará, acredito na união dos países em busca de solução.
    Saúde pra você e sua família, cuide-se.
    Beijo!

    ResponderEliminar
  5. um texto notável, amiga Olinda.
    que obriga a reflectir sobre contingências e a fragilidade
    da vida.

    muito oportuna a citação de Agustina Bessa-Luís
    e agrada-me a ideia de que são "os erros que nos convencem mais do que a perfeição"

    notável a sua preocupação, neste quadro dantesco que abateu sobre o mundo,
    com os que mais sofrem e aqueles que cumpre as suas tarefas para que a sociedade não colapse.

    grato,

    abraço

    ResponderEliminar
  6. Um momento extremamente dificil para todos nós, querida Olinda, mas mais uma vez, estamos a queixar-nos " de barriga cheia" Estamos confinados, mas em casas com todo o conforto, com tv, internet e comida no frigorifico; falaste aqui naqueles que cuidam para que nada nos falte e já muitas vezes tenbo pensado naquelas pessoas que iam à loja social ( onde fui voluntária ) buscar roupas e alimentos; está fechada e todas as acções de voluntariado estão canceladas, a lares de idosos, nos hospitais e acompanhamento de idosos em casa, como eu fazia, duas vezes por semana, a uma senhora de 92 anos; ela está sinalizada na segurança social e por isso tem alimentação e higiene feita pelos serviços da. Penso naqueles ciganos que faziam feiras e que agora nem sequer têm a loja social para lhes matar a fome. Enfim, Amiga, há muita gente a precisar de um pão e não têm a quem o pedir Para esses, sim, a situação é dramática! Para nós...é só ter paciência e procurar não infectar ninguém. Olinda, mandei -te um e-mail para saber como estão . Espero que esteja tudo a correr bem. Por cá, está tudo certo. Obrigada pelo texto tão oportuno e, esperemos, que, com tudo isto, o ser humano aprenda alguma coisa. Um abraço, querida Amiga
    Emilia

    ResponderEliminar
  7. Bom dia de paz e saúde, querida amiga Olinda!
    Reciclagem de sentimentos...
    Rever posturas, metanoia...
    Uma coisa estou percebendo, amiga. O mundo anda falando a mesma linguagem e foi preciso uma Pandemia para que isso acontecesse.
    Todos estamos no mesmo patamar, ricos e pobres unidos pelo coronavírus. Necessitando das mesmas coisas e precisando dos mesmos auxílios.
    Todos dependendo do mesmo Deus,do seu milagre, querendo ou não.
    Amiga,mais uma excelente postagem.
    Tenha dias abençoados na proteção contra o vírus impiedoso!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

    ResponderEliminar
  8. É realmente o momento para cuidamos uns dos outros com paciência, com tolerância, com amor. Gostei da ideia da "reciclagem de sentimentos". Afinal temos que rever o nosso modo de sermos solidários e fraternos. Um texto cheio de reflexão, minha Amiga Olinda. E que bom foi ouvir Josh Groban. Realmente o livro "O amor nos tempos de cólera" é passado no tempo de uma epidemia de cólera, mas é também um retrato da condição humana, da sua sobrevivência e é também uma lindíssima história de amor. Vale mesmo a pena lê-lo.
    Um bom fim de semana. Muita saúde.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  9. O sofrimento físico e psicológico é de todos e a luta também. São tempos que nos merecem respeito e reflexão. Sabemos que há heróis a tombar no campo de batalha. E, se estamos confinados no espaço e nas relações sociais, não abandonemos a música, a poesia, a leitura e o movimento. Estejamos preparados para recomeçar!

    Um beijo, querida Olinda.

    ResponderEliminar
  10. Sim minha amiga, que estes tempos sejam de reflexão e de pensarmos não só em nós, mas também em todos os outros, naqueles que sofrem e naqueles que trabalham, lutam e que chegam a perder a vida, a bem da comunidade.
    Façamos pois o nosso papel, que acaba por ser tão simples e é tão importante, fiquemos em casa.
    Espero que tudo corra bem consigo e com a sua família.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
  11. Nada como este recolhimento para fazer pensar, recriar maneiras e métodos de vida. Assanhar a criativa para evitar o tédio, o marasmo. Muito boa postagem Olinda. Aprende-se com silencio, isolamento, recolhimento. O tempo que cresce faz esta faculdade e nos convida à reflexão. O que até então não nos interessava passa a valer, até os invisíveis seres passam a serem pensados como os lixeiros, padeiros, caminhoneiros e etc. Nosso olhar aguça-se e buscamos mais longe alcançar.
    Um bom fim de semana com os cuidados.
    Beijo amiga.

    ResponderEliminar
  12. Não está fácil para ninguém, até bem pior para uns que outros, em especial o pessoal da "linha de frente" no combate a tão devastador vírus. Some-se a isso um país à deriva, desgovernado por um psicopata, com um projeto genocida, onde a economia tem prioridade e não as pessoas... Estamos a viver uma pandemia com um pandemônio dentro.

    Mas seu texto é muito revelador sobre o valor das pequenas coisas, dos gestos de afeto, mas sobretudo, a presença dessa gente, aparentemente invisível que faz com que a vida seja menos dura.

    Parabéns pelo texto, querida Olinda, sempre reflexivo e necessário para sairmos das nossas zonas de conforto e percebermos que a vida também acontece para muito além do nosso jardim.

    Beijos!

    ResponderEliminar
  13. Preparemo-nos para o recomeço. Que esta educação (forçada) da paciência, nos seja de grande benefício para o tempo que vem de novo.
    ...Afinal, só necessitávamos de ser "forçados" a ser pacientes e complacentes!
    Há sempre algo de bom que nem sabíamos possuir.
    Paz e Amor.

    Beijo
    SOL

    ResponderEliminar
  14. Minha querida Olinda
    Tenho estado (e continuo) doente, mas nada a ver com o COVID 19... Trata-se de mais uma das minhas infecções pulmonares que de vez em quando me visitam... Já "despachei" um antibiótico que de pouco adiantou. Ontem comecei a tomar outro... Vamos ver se faz mais efeito. Por este motivo estou de "quarentena" desde o dia 9 (foi o último dia que sai, para levar a minha cadelinha ao veterinário).
    Confesso que não faço grande sacrifício em estar em casa, tenho muito com que me entreter...E depois, estou com o meu filho, que está a trabalhar de casa (é informático), e todos os dias chega aqui por volta das sete e meia, e só vai para casa dele às 10 horas da noite.
    O que verdadeiramente me incomoda é esta porcaria da infecção pulmonar que muitos dias me tira a vontade de fazer seja o que for...

    Adorei a tua reflexão sobre a actual situação, que domina todo o planeta. Efectivamente não podemos esquecer tantas pessoas que, correndo sérios riscos de contágio, se arriscam para que nada falte a quem deles precisa.
    Muitíssimo boa esta tua reflexão!

    Aconselho-te vivamente a ler o livro "O amor nos tempos de cólera", simplesmente fabuloso! Talvez a minha opinião seja suspeita porque Gabriel Garcia Marques é um dos meus escritores favoritos. Li toda a sua obra, que está na minha biblioteca...

    Desejo, de coração, que tudo decorra o melhor possível, contigo e a tua família. Deixo-te um abraço apertado e votos de ...
    Bom Fim-de-semana
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

    ResponderEliminar