terça-feira, 7 de março de 2017

Jardim das mulheres

A última vez que pensei nesta história foi uma semana depois de a carta ter chegado. Nessa altura, tinha deixado Londres - cidade que considero agora a minha casa - para seguir o percurso da carta até ao local de onde ela tinha vindo e mais além. 




Encontrava-me numa floresta exactamente igual àquela que os marinheiros tinham encontrado por acaso, e lembrei-me de como costumava, de manhã bem cedo, ver as minhas avós, as esposas do meu avó, saírem de casa e dirigirem-se, pelo mesmo caminho no qual eu estava, ao seu jardim. Uma a uma, cada mulher separava-se das suas companheiras e encaminhava-se para a sua parcela de terreno, cujos limites eram marcados por uma termiteira abandonada, uma árvore caída, um pedregulho vertical. Ali, entre as cambalas gigantes, os sapelis e as mafumeiras da floresta, cada mulher cuidava das goiabeiras, papaieiras e jamboeiros que ali tinha plantado. Depois, mondava o inhame e a mandioca, onde estes cresciam na terra fofa e escura, e regava o ananaseiro que marcava o centro da sua parcela de terreno.
  



Pensei na história dos marinheiros. E, durante muito tempo, julguei que não passava disso. Uma história. Sobre a forma como os Europeus nos descobriram e como deixámos de ser um espaço em branco num mapa.(...) depois de eu ter ouvido todas as histórias que este livro contém e escrevê-las para o leitor, lembrei-me designadamente desta. Então apercebi-me de que o tema da história era, na verdade, outro. Era sobre diferentes maneiras de ver. Os marinheiros não atentaram nos sinais, sendo incapazes de ver o padrão ou a lógica, só por serem diferentes dos seus. E a maneira de ver africana: arcana, invisível, porém, visível, evidente para quem nele se insere.
Os marinheiros viram o que consideraram ser a abundância da Natureza e roubaram o jardim das mulheres. Julgaram ter encontrado o Éden, e talvez tivessem mesmo, mas era um Éden criado, não pela mão de Deus, mas sim pelas mãos de mulheres.
(Excerto: Aminatta Forna, Jardim das mulheres pgs 18 e 19).  

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Quem não sabe é como quem não vê, não é Aminatta?

África arcana, visível apenas para quem lhe sente o respirar profundo vindo das suas entranhas; de quem lhe adivinha o ritmo calmo e chão do passar dos dias e das noites mas também a trepidação dos sons saídos do fundo da alma. Lá onde tudo começou, donde saímos todos e espalhados por sítios vários fomos tomando feições outras, colorações novas, eis que voltámos à fonte, mas já tão esquecidos dos valores da terra-mãe.

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Jardim de Mulheres -

Sinopse

Tudo começou com uma carta...

Abie Kholifa herda uma plantação de café da família, num país africano. Movida pelas palavras de Alpha Kholifa, seu primo, Abie regressa, iniciando uma viagem de reencontro com o passado.
Através das histórias contadas pelas suas quatro tias - Asana, Mary, Hawa e Serah -, ela descobre uma África atraída pelas tentações do Ocidente, mas desesperada por se manter fiel às suas tradições. Submersas em verdades silenciadas, mentiras sussurradas e contos mágicos, estas mulheres fortes - as verdadeiras protagonistas de Jardim de Mulheres - tentam alterar o correr tranquilo dos seus destinos e reivindicar as suas próprias identidades.
Percorrendo sensibilidades e gerações, Jardim de Mulheres é um romance espantoso sobre uma nação, uma família e as mulheres cujas histórias oferecem uma emotiva verdade que jamais entrará para as narrativas oficiais da História. aqui



Aminatta Forna was born in Glasgow, raised in Sierra Leone and the United Kingdom and now divides her time between London and Sierra Leone.
Forna was born in Bellshill, Scotland, in 1964 to a Sierra Leonean father, Mohamed Forna, and a Scottish mother, Maureen Christison. When Forna was six months old the family travelled to Sierra Leone, where Mohamed Forna worked as a physician. He later became involved in politics and entered government, only to resign citing a growth in political violence and corruption. Between 1970 and 1973 he was imprisoned and declared an Amnesty Prisoner of Conscience. Mohamed Forna was hanged on charges of treason in 1975. The events of Forna's childhood and her investigation into the conspiracy surrounding her father's death are the subject of the memoir The Devil that Danced on the Water.
Forna studied law at University College London and was a Harkness Fellow at the University of California, Berkeley. In 2013 she assumed a post as Professor of Creative Writing at Bath Spa University.
Between 1989 and 1999 Forna worked for the BBC, both in radio and television, as a reporter and documentary maker in the spheres of arts and politics. She is also known for her Africa documentaries: Through African Eyes (1995), Africa Unmasked (2002) and The Lost Libraries of Timbuktu (2009). Forna is also a board member of the Royal National Theatre and a judge for The Man Booker International Prize 2013.[
Aminatta Forna is married to the furniture designer Simon Westcott and lives in south-east London.
aqui e aqui
Imagens:net

7 comentários:

  1. Estimada Olinda, fico-lhe grata pelos bons momentos de leitura,~
    por me ter apresentado a talentosa e célebre Aninatta Forna e
    pela sugestão do livro...
    Penso que já lhe contei que conheço África, pelo que, a senti
    principalmente no último parágrafo.
    África é inesquecível...
    Gostei muito, estimada amiga.
    ~~~ Abraço ~~~

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  2. Nunca estive por terras africanas. Mas tenho família e gente amiga que aí viveu; há sempre algo comum quando falam desses temos: um entusiasmo emotivo, a exaltação da terra, das suas cores, dos seus cheiros. Por isso Éden e Jardim, são termos que sintetizam bem esse superior encantamento.
    Bjinho, amiga :)

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    1. Geralmente venho reler os comentários para verificar se cometi alguma falha. Foi o caso, corrijo- (quando falam) dessas terras

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  3. Obrigada amiga, pela apresentação desta escritora que não conhecia. Fiquei com vontade de ler o livro.
    Como sabe eu vivi em África alguns anos. E a maior mágoa que tenho é não ter possibilidades econômicas que me permitam lá voltar. África instala-se no nosso coração e na nossa memória, de tal modo que quando a recordamos parece que lhe sentimos a cor e o cheiro.
    Um abraço e feliz dia da mulher

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  4. Normalmente não atento aos Comentários já produzidos que possam "influenciar" a tendência da minha leitura. Desta vez acabo por me render e sentir integralmente cada palavra do primeiro Comentário, da Majo Dutra. Se o houvera produzido, não teria outras palavras mais acertadas, mas acrescentaria que a falta que sentimos de África é o odor que "mora" nas narinas, só de falar dela.
    ..E deixa saudades, mesmo pelas circunstâncias vividas.
    Parabéns.

    Beijo
    SOL

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  5. Olinda,
    Vivi em Moçambique dos 6 aos 23 anos.
    Este seu post - um encantamento - levou-me até ao meu país do coração.
    África não se esquece. Jamais!
    Não conhecia esta escritora. Fiquei curiosa, vou espreitar o livro.
    Grande abraço.

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  6. Minha amiga obrigado pela dica, parece ser um livro muito interessante.
    Bom fim de semana
    Beijinhos
    Maria

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