terça-feira, 5 de julho de 2011

CAMINHO LONGE


Década de '50, do século XX.
Enclausurados nas ilhas, com anos de seca a fio e a fome a assolar as ilhas, a única saída era o contrato. Os homens eram arrebanhados, famílias inteiras, casais, irmãos aos três e aos quatro assinavam contratos de faz-de-conta e eram enviados rumo ao desconhecido. O destino, entre outros, era São Tomé e Príncipe, para as roças, onde eram mantidos sem as mínimas condições à mercê de um clima tropicalíssimo, de febres e de mosquitos. Dinheiro nem vê-lo. A maior parte nunca regressou à terra. Os que não morreram viveram na ilusão e esperança de um regresso. Os descendentes moídos de saudades falam dessa terra prometida...ao contrário.
A fome, as secas e as suas consequências são temas recorrentes da literatura caboverdiana, especialmente na geração do movimento com cariz de emancipação cultural, social e política, concretizado pelo aparecimento, em 1936, da revista literária A Claridade.  
Gabriel Mariano, autor deste poema, faz parte da geração pós-Claridoso, Nova Largada, de produção contestária. De referir Capitão Ambrósio, um dos seus poemas mais emblemáticos.


Cabo Verde festeja hoje, 5 de Julho, a sua Independência.


Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Não devia ter sangue
Não devia, mas tem.

Parados os olhos se esfumam
no fumo da chaminé.
Devia sorrir de outro modo
o Cristo que vai de pé.

E as bocas reservam fechadas
a dor para mais além
Antigas vozes pressagas
no mastro que vai e vem.

Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Devia ser de regresso
devia ser e não é.


Gabriel Mariano 

(poeta caboverdiano)


Poema e Imagem in:
LUSOFONIA POÉTICA
http://mdebrassilusofoniapoetica.blogspot.com

22 comentários:

  1. AMEI APLAUSOS E UMA SEMANA DE PAZ E AMOR!!!

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  2. Esse poema e profundo e dolorido, mas muito bonito. Gostei bastante! Um abraço e ótimo começo de semana.

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  3. Discrição elucidativa ...e belo poema que
    já conhecia...
    Beijo

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  4. Meus amigos

    Obrigada pela vossa visita e comentários.

    Abraços.

    Olinda

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  5. Minha querida, este texto juntamente com o poema revelam certa semelhança com um longo período aqui no nordeste do Brasil também no século XX e também por várias décadas que se estendeu do império até os anos 70.
    Quem leu o livro Morte e Vida Severina escrito por João Cabral de Melo Neto, notará tal semelhança, guardada as devidas proporções e cada local com suas particularidades. O livro apresenta um poema dramático, que relata o sofrimento na aridez de um sertão abrasador, onde um migrante vai tentar uma vida mais fácil no litoral.
    Admiro este teu blog pelo conteúdo, e pelo serviço que ele presta à cultura de um modo geral.
    Um fraterno abraço do teu leitor e um beijo.

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  6. Querida Olinda:
    Excelente post, com uma boa introdução, um lindo poema e uma bonita pintura.
    Teve a óptima ideia de fazer uma homenagem também a Cabo Verde no dia em que se celebra a sua independência.
    Houve pessoas que sofreram tanto, em busca de um sonho que jamais se concretizou!
    Deixei um abraço para si em "Luz de África".
    Aqui deixo-lhe outro.

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  7. Para ti...

    COMO FAZER PARA VIVER


    A vida é um encontro e desencontro
    De coisas lindas e feias
    De risos e de lágrimas
    De dor e alegria
    De sofrimento e felicidade.

    A vida é isto e muito mais
    E mesmo com o ser e não ser
    Muitas vezes temos que esperar
    Para que passe o mal e fique o bem.

    E mesmo depois de muito cansaço
    Procuramos a tábua de salvação
    Vamos agarrá-la com as duas mãos
    Para que a vida seja salvação..

    LILI LARANJO



    Dentro de 1/2 meses ou mais editarei livro de contos infantis (Era uma vez)

    se quiser que guarde um diga-me
    beijos

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  8. Oi Olinda!
    Obrigada pelo que aprendi,hoje dia de festa,.dia da independência em Cabo Verde.
    Lindo poema,sentido!
    Até brteve
    Herminia

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  9. Querida Olinda
    Vivi em Cabo Verde dois inolvidáveis anos. Já escrevi algumas coisas sobre o tema (e mais escreverei ainda), que serão incluidas no meu próximo livro.
    A propósito, lembra-se ?:

    "Quem mostra' bo
    Ess caminho longe?
    Quem mostra' bo
    Ess caminho longe?
    Ess caminho
    Pa São Tomé

    Sodade sodade
    Sodade
    Dess nha terra Sao Nicolau..." etc., etc.

    Nesta e noutras canções Cesária Évora recorda esses tempos e essas vidas sofridas.

    É linda a homenagem aqui prestada, através dum lindo texto e dum não menos belo poema.
    Também gosto muito da pintura.

    Uma semana feliz. Beijinhos

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  10. Hoje, interrogamo-nos que mentalidades eram as daquelas época? Como é que, numa altura em que já se falava de direitos humanos, em que já existia sobretudo na europa uma consciência humanista, se permitiam as sociedades coexistir com uma minoria elitista e dominante, que acumulava fortuna à custa de vida humana escravisada...

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  11. Boa noite Olinda!
    Gostei de ver...
    Beijos,
    Mara

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  12. Muito bela a sua homenagem a esses pobres

    que arrostaram com o fascismo e a escravidão!

    Bjsss

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  13. Caro Antônio

    Excelente referência essa de João Cabral de Melo Neto e à sua obra indicando e bem pontos de contacto com o tema do meu post.Aguçou a minha curiosidade e fui ver mais sobre a sua biografia.E é assim que se vai fazendo este intercâmbio e cada dia recebemos, uns dos outros, estas pérolas que nos vão enriquecendo.

    Um grande abraço.

    Olinda

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  14. Querida Isabel

    Obrigada pelas suas palavras sempre tão bonitas.Fui buscar este poema e a imagem ao blog da amiga Mara, Lusofonia Poética, um verdadeiro Banco de poesia que ela alimenta postando todos os dias.Um grande serviço prestado aos poetas lusófonos.
    Já fui ao seu blog receber o seu abraço que retribuo com carinho.

    Beijo

    Olinda

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  15. Olá, Lili

    Agradeço o teu poema, lindo e generoso presente.

    Irei ao teu blog em breve.

    Beijinho

    Olinda

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  16. Querida Hermínia

    Sim, o poema é lindo e sentido, destacando um dos períodos mais terríveis da História de Cabo Verde.

    Beijos

    Olinda

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  17. Olá, Mariazita

    Que bela surpresa!Vou querer saber mais sobre aquilo que escreve... :)
    Quanto à letra em crioulo quase que oiço a belíssima voz de Cesária a cantar a 'morna'.Inesquecível!

    Muito obrigada pelo lindo comentário.

    Beijo

    Olinda

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  18. Dizes bem, Bartolomeu.A Europa acabada de sair duma grande guerra, dum holocausto, tentando sarar as feridas, com a assinatura ainda fresca da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais ainda tão desatenta a determinado status quo que raiava a escravatura.Mas a parte boa disto tudo é que a partir dessa altura as coisas começaram a mudar. A tragédia europeia daquela altura abriu mentes e oportunidades, permitindo a estes povos caminharem em direcção à sua própria liberdade, ainda que preço tenha sido altíssimo...

    Um grande abraço.

    Olinda

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  19. Querida Mara

    Que bom vê-la por aqui e por ter gostado da utilização que fiz do material que trouxe lá do seu blog.Obrigada.

    Beijos

    Olinda

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  20. Olá, Vieira Calado

    Nada mais verdadeiro!O caminho foi longo e doloroso mas felizmente a dignidade foi reencontrada...

    Abraço
    Olinda

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  21. Fugidia por causa destes tempos de exames...quase deixava escapar este belo post.
    Sabe que aprecio muito a Literatura de cabo Verde. Fui, aliás, aluna pioneira de um claridoso: Manuel Ferreira.
    bj

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  22. Olá, Ana

    E os exames que nunca mais acabam, não é?
    :)

    Gostei de saber do seu gosto pela Literatura de Cabo Verde e de ter conhecido Manuel Ferreira tão de perto.

    Beijo

    Olinda

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