Ponciá Vicêncio deitou-se na cama imunda ao lado do homem e de barriga para cima ficou com o olhar encontrando o nada. Veio-lhe a imagem de porcos no chiqueiro que comem e dormem para serem sacrificados um dia. Seria isto vida, meu Deus? Os dias passavam, estava cansada, fraca para viver, mas coragem para morrer, também não tinha ainda. O homem gostava de dizer que ela era pancada da idéia. Seria? Seria! Às vezes, se sentia, mesmo, como se a sua cabeça fosse um grande vazio, repleto de nada e de nada.
Quando Ponciá Vicêncio resolveu sair do povoado onde nascera, a decisão chegou forte e repentina. Estava cansada de tudo ali. De trabalhar o barro com a mãe, de ir e vir às terras dos brancos e voltar de mãos vazias. De ver a terra dos negros coberta de plantações, cuidadas pelas mulheres e crianças, pois os homens gastavam a vida trabalhando nas terras dos senhores, e depois a maior parte das colheitas ser entregue aos coronéis. Cansada da luta insana, sem glória, a que todos se entregavam para amanhecer cada dia mais pobres, enquanto alguns conseguiam enriquecer-se a todo o dia. Ela acreditava que poderia traçar outros caminhos, inventar uma vida nova. E avançando sobre o futuro, Ponciá partiu no trem do outro dia, pois tão cedo a máquina não voltaria ao povoado. Nem tempo de se despedir do irmão teve. E agora, ali deitada de olhos arregalados, penetrados no nada, perguntava-se se valera a pena ter deixado a sua terra. O que acontecera com os sonhos tão certos de uma vida melhor? Não eram somente sonhos, eram certezas! Certezas que haviam sido esvaziadas no momento em que perdera o contato com os seus. E agora feito morta-viva, vivia.
(Ponciá Vicêncio, p. 32-33)
Ponciá Vicêncio é uma mulher negra que migra do interior à cidade grande. Motivada por uma melhora na qualidade de vida, é desgastada pelos preconceitos e perda de sua identidade cultural, enquanto luta contra tudo isso. A obra é da mineira Conceição Evaristo, expoente da literatura afro-brasileira contemporânea.
Maria da Conceição Evaristo de Brito (Belo Horizonte, 29 de novembro de 1946) é uma linguista e escritora afro-brasileira. Agora aposentada, teve uma prolífica carreira como pesquisadora-docente universitária.
É uma das mais influentes literatas do movimento pós-modernista no Brasil, escrevendo nos gêneros da poesia, romance, conto e ensaio. Como pesquisadora-docente, seus trabalhos focavam na literatura comparada. aqui
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Bom fim de semana, amigos.
Abraços
Olinda
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Fragmento:daqui
Imagem: Praça da Liberdade - Belo Horizonte
VEJA:
Olá, amiga Olinda, gostei muito desta sua postagem sobre a nossa escritora Maria da Conceição Evaristo de Brito, que deixa um grande exemplo para as novas gerações. Vamos torcer para que ela deixe seguidores de sua obra.
ResponderEliminarUm ótimo final de semana, com muita paz e saúde.
Um abraço, amiga Olinda.
Gracias por la reseña. Tomó nota te mando un beso.
ResponderEliminarLindíssima leitura e história de vida! Belo post!
ResponderEliminarbeijos praianos, ótimo fds! chica
Olá, querida amiga Olinda!
ResponderEliminar"Os dias passavam, estava cansada, fraca para viver, mas coragem para morrer, também não tinha ainda".
Verdade, para morrer se precisa de coragem...
A vida é boa mesmo com percalços mil.
Mesmo cansados de tudo...
"Ela acreditava que poderia traçar outros caminhos, inventar uma vida nova".
Sempre, mesmo que pareça impossível aos gos humanos. O Altíssimo facilita novos rumos.
Sem o contato com os nossos nos sentimos mortos vivos. Totalmente verdadeiro.
Bonito e real personagem que muitos de nós encarna mesmo sem saber ou querer.
Escolha ótima, Amiga!
Tenha dias abençoados!
Beijinhos
*olhos humanos
EliminarUm exemplo da literatura que "vale a pena", um tipo de literatura que tem função social. Aprovo e agradeço.
ResponderEliminarUm abraço.
Não conhecia esta escritora.
ResponderEliminarAbraço
Hola!!! Me encanto esta entrada y a esta magnifica autora 👏 muchas gracias por darla a conocer 🖤 por cierto, me encanto tu espacio 😁 así que me tienes como tu nueva seguidora, si gustas visitarme mi blog es http://plegariasenlanoche.blogspot.com/
ResponderEliminarUn beso desde Plegarias en la Noche
Desconhecia, na íntegra, qualquer fragmento escrito desta Autora. Ainda tenho muito que aprender no escasso tempo restante.
ResponderEliminarGostei.
Obrigado, Olinda por no-la trazeres á ribalta do conhecimento. Bem Hajas.
Beijo
SOL da Esteva
Olá amiga Olinda.
ResponderEliminarNunca li nada antes de Ponciá Vicêncio, aceito a sugestão pois o que aqui foi disponibilizado, convida mesmo.
Fez-me lembrar as agruras e grande sofrimento da escravidão dos ditos contratados, descrito no poema de António Jacinto "Monangambé" e cantado pelo Rui Mingas.
Grato pela partilha.
Kandando com o desejo de um excelente fim de semana.
Pouco conhecida a escritora Maria da Conceição Evaristo ,mineira e doutoranda em Literatura. Fui saber mais sobre ela e vale a pena ler e conhecer suas obras . 'Ponciá Vicêncio' traça a trajetória de uma mulher negra, a protagonista que dá nome ao livro, desde sua infância até a idade adulta. É uma história muito interessante.
ResponderEliminarObrigada,Olívia pela amostra do que incentiva a ir fundo na leitura.
Um abraço e boa semana.
Existem tantas vidas assim. Texto que li com agrado.
ResponderEliminar.
Um feliz domingo e semana que se segue.
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Pensamentos e devaneios poéticos
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Gosto muito desta escritora e sua luta mostra a garra feminina e da mulher negra. Um magnifico exemplo da literatura brasileira. Excelente escolha e partilha.bjsss
ResponderEliminarMuito bom, precisamos refletir e repensar esse país da "democracia racial", que na verdade, não há.
ResponderEliminarBom dia.
Seu blog está em nossa pequena homenagem ao 31 de agosto, dia do blog. Visite: https://www.aponarte.com.br/2023/08/esses-blogs-31-de-agosto-dia-do-blog.html. Espero que goste.
Um abraço. Tudo de bom.
APON NA ARTE DA VIDA 💗 Textos para sentir e pensar & Nossos Vídeos no Youtube.
Caro António Apon
EliminarQue alegria ao ler a bela homenagem que faz a alguns blogs, entre
eles o "Xaile de Seda". Todas as palavras cumprem a sua função,
encaixando-se na perfeição, e o resultado foi um lindo poema.
Bem-haja, meu amigo.
Grande abraço.
Olinda