o dragão em celulóide da infância
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insónia dos meus trinta e cinco anos...
antigo como a insónia dos meus trinta e cinco anos...
dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi há muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde
e as mãos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais
não quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longínquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silêncio sílaba a sílaba o abandono
desta obra que fica por construir... o receio
de abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar
ficou-me esta mão com sua sombra de terra
sobre o papel branco... como é louca esta mão
tentando aparar a tristeza antiga das lágrimas
Al Berto,
in 'O Medo'
Alberto Raposo Pidwell Tavares (1948-1997),
foi um poeta, pintor, editor e animador cultural português.
O Medo, uma antologia do seu trabalho desde 1974 a 1986, é editado pela primeira vez em 1987. Este veio a tornar-se no trabalho mais importante da sua obra e o seu definitivo testemunho artístico, sendo adicionados em posteriores edições novos escritos do autor, mesmo após a sua morte.
Bom fim de semana, amigos.
Abraços
Olinda
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Poema: Citador
Imagem: pixabay
"o receio
ResponderEliminarde abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar"
Olá, querida amiga Olinda!
É o receio meu também. Uno-me aos versos tão sentidos...
Um autor que não conhecia.
Obrigada pela partilha.
Tenha dias abençoados!
Beijinhos
Es un hermoso poema que te invita a reflexionar. Te mando un beso.
ResponderEliminarPoema lindo e tu sempre escolhes muito bem! Gostei muito!
ResponderEliminarbeijos, lindo fim de semana! chica
Que coincidência: ainda ontem li este poema porque ando a reler o Al Berto. É um poeta que diz tanta coisa que eu gostaria de ter dito. É maravilhoso!
ResponderEliminarObrigada por trazê-lo aqui, ao seu espaço.
Um bom fim de semana.
Um beijo.
" a tristeza antiga das lágrimas" a poesia também é isso.
ResponderEliminarUm abraço.
"[...] o receio
ResponderEliminarde abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei[...]" e as palavras não dizerem o real sentimento...
Pois. Há muitas frases que ficaram paradas no tempo ou silenciadas por ele.
Magistral! Gostaria de saber dizer o meu real sentimento, com esta clareza.
Obrigado, Olinda.
Beijo
SOL da Esteva
Bonito poema.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Uma excelente partilha, querida Olinda
ResponderEliminarTenha um ótimo domingo.
Um beijinho
Verena.
Não conhecia e fiquei encantada.
ResponderEliminarObrigado pela partilha.
Beijinhos
Querida Olinda,
ResponderEliminargosto tanto deste poeta que o sistema educativo insiste em esquecer!
É bom tentar voltar e encontrá-lo aqui.
Beijinho
E pensar que as insônias ainda rondam 'os meus trinta e cinco anos 'e certamente as paisagens continuam a ser palco dos mais trinta e poucos.
ResponderEliminarBelíssima escolha, Olívia como só o poeta Al Berto é capaz de fazer verter lágrimas diante desses rumores de corpo inteiro.
Um abraço e boa semana .
Foi um grande poeta.
ResponderEliminarQue anda meio esquecido.
Daí que esta sua lembrança/homenagem seja de louvar.
Boa semana, cara amiga Olinda.
Um abraço.
Adorei reler, pois me diz tanto.
ResponderEliminarMais uma escolha excelente, o que me dá a certeza de que quando aqui venho invisto em bons momentos de poesia e leitura. Grande Al Berto, apesar de tão pouco reconhecido, tanto que nos deu.
Bom Agosto, repleto de saúde, boa disposição, alegrias, leituras, saber e cultura.
Kandando com amizade
Olá querida Olinda!
ResponderEliminarGrata pelo teu comentário, aproveito para te dizer que estou bem e feliz. Acabei de regressar de Porto Santo, para onde fomos com a neta Carolina. Os três pela primeira vez, umas férias inesquecíveis,
A pausa é para manter, apesar da saudade. Eu volto.
Beijo, um excelente Agosto para ti e para os teus. 🌼🌷🌹🌺
Amiga Olinda,
ResponderEliminarExistem citações deste genial artista português no ®DOUG BLOG.
Quase três décadas depois de sua morte, ele foi ficando esquecido, mas, aqui está sendo lembrado e isso bafeja à chama, pois, assim é a cultura, gira em movimentos cíclicos.
“Amanhã, ou enquanto dormes, vou pensar em ti!”
°°°
“Visite-me enquanto não envelheço!” - (Al Berto)
Um bom começo de agosto para ti.
Abraços!!!
Excelente texto poético evocativo de todo um passado que, naturalmente, deixou indeléveis marcas.
ResponderEliminarAbraço de amizade.
Juvenal Nunes