quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A política é uma arma


Eis como Eça de Queiroz via a política, no seu tempo:



Política de interesse

Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.

Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora (1867)


Isto era o Eça e a sua maneira fulminante de interpretar a sociedade. Quanto a mim vejo uns miúdos à volta da fogueira das vaidades ou fogo-fátuo - e não chego, bem entendido, ao exagero de nomear a política como o fez Bordalo Pinheiro - miúdos esses sem a mínima noção de que assim baralham o eleitorado, ficando sem saber para que lado se há-de virar. 

Poder-se-á dizer que é a democracia a mostrar-se viva e dinâmica 
e outras invenções que tais. 

Que nem digo que a decisão destas eleições antecipadas deixa para trás 
ferramentas que, talvez, fossem de bom tom experimentar, 

Que se tentassem outras vias que não esgotadas ainda 
ou, no limite, se ouvissem os constitucionalistas.

E, assim, está armado o espectáculo!
               
       


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Texto: Citador
O título do post retirado do texto

15 comentários:

  1. Publicação muito oportuna, o texto poderia ter sido escrito agora...
    Continuação de boa semana, amiga Olinda.
    Abraço.

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  2. Gostei muito das definições de política e quanto a mim,ando cansada dela e dos políticos. beijos, lindo dia! chica

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  3. Gosto muito do Eça de Queirós. Li ha pouco Os Maias. Gosto da sua mundología, da sua mentalidade para a época na que vivíu, e da idea que él tinha dos políticos, como a que se pode ver no texto que nos aporta, idea que partilho na sua totalidade.
    Obrigada pela sua visita.
    Abraço

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  4. Bom dia de muita paz, querida amiga Olinda!
    Parece-me que estamos em sintonia nos dois países nossos que seja...
    Não se respeitam sentimentos igualmente.
    A política é uma arma poderosa que está matando deliberadamente sonhos, lutas, ideais e outros dos cidadãos de bem.
    Pelo visto, os anos passam e tudo se repete.
    Excelente abordagem com os questionamentos bem fundamentados!
    Tenha dias abençoados!
    Beijinhos ternos de paz e bem

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  5. Gosto muito dos romances do Eça de Queiroz. Foi seguramente um dos grandes vultos da literatura portuguesa.
    O texto que a Olinda aqui reproduz, data de 1867, portanto há mais de século e meio! Do meu ponto de vista, tempo demasiado para que se possa transpor para a actualidade. Não me revejo neste pequeno excerto do Eça de Queiroz. Aliás, reportando-me ao tempo em que viveu (faleceu em 1900) são conhecidas as diversas tentativas conspiratórias em que participou, e cuja motivação contraria completamente tudo quanto nos deixa escrito neste texto.
    Naturalmente, que a política, como quaisquer outra actividade, nem sempre é cristalina como todos gostaríamos que fosse. Mas, na minha opinião, está muito longe da visão que Eça tinha naquele tempo!
    E, se a política não é aquilo que desejamos, cabe a cada um de nós, fazer com que, verdadeiramente, a política esteja ao serviço dos cidadãos. Obviamente, exercendo o legítimo direito à crítica, que considero desejável e até indispensável, numa sociedade democrática. E devemos começar, desde logo, por participar activamente nas eleições onde escolhemos os nossos representantes, exercendo o direito de voto, evitando assim que uma minoria tome decisões por todos nós! Poderá dizer-se, que quem se abstém, se autolimita no seu direito de critica. Uma democracia, só pode considerar-se plena e consolidada, quando todos os cidadãos participarem na sua construção! Mas sempre devemos ter presente, que por mais perfeito que seja o sistema, vão existir sempre bons e maus políticos, (como em tudo na vida) e não devemos generalizar. Será um erro considerar que todos os políticos são maus e indignos.

    Deixo um abraço, Olinda!

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  6. Somos um povo muito original! :)

    Abraço

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  7. Um homem com uma grande visão.
    .
    Saudações poéticas
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  8. Tenho a obra do Eça de Queirós na minha biblioteca
    Abraço

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  9. O que me parece é que não mudámos nada, nem aprendemos que a política para ser uma arma tem que ser exercida com respeito e lealdade por todos: políticos e cidadãos. Excelente post, tão a propósito dos tempos que estamos a viver.
    Um bom fim de semana, minha Amiga Olinda.
    Um beijo.

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  10. Uma analogia bem humorada, porém, vivia-se o ''beija-mão'' real...
    Quem conhece a obra e biografia de Eça, sabe bem que ele era pretensioso, adepto de linhagem e mordomias fidalgas.
    Antes eleições antecipadas do que tiros na calada da noite...
    O país precisa de ser imunizado -- o Covid 19 avança...
    E VIVA A DEMOCRACIA! A mais interessante descoberta da Grécia, mal ou bem, sempre com ela!
    Dias bons e serenos. Grande abraço, Olinda. Beijos.
    ~~~~~~

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  11. Retrato bem actual. Nada mudou. Ninguém aprendeu que, Governar, é um serviço para servir e não para se servir. Já não há homens com carácter de serviço público. Saudades...


    Beijo
    SOL da Esteva

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  12. Boa tarde Olinda,
    Um texto fabuloso de Eça de Queirós que poderia ter sido escrito hoje.
    Eça muito à frente do seu tempo!
    Quem perde sempre é o povo.
    Beijinhos e um bom fim de semana.
    Ailime

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  13. Nunca foi tão atual
    Esse Eça de Queirós.
    Mas, Olinda, cá pra nós
    Não é só em Portugal,
    Pois no Brasil é igual
    Na política falta gente
    Honesta e competente
    Que pense no seu país
    Cada um é mais aprendiz
    Que o outro,, certamente.

    Gostei imensamente do texto. De quem é a Lição? - essa é de Queirós.
    Mais atual que nunca. Ele é muito bom. Gostei muito de OS MAIAS ambientado em Lisboa, Sintra, Bairro de Belém... Abraço fraterno. Laerte.

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  14. A Políti ca, no seu sentido de servir a sociedade é uma actividade
    mas estou tentado a dar razão à minha Amiga e a Eça

    A política como arma de dois gumes-

    Abraços






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  15. Nossa mãe...! Nada mais atual, ele já sentia 'a coisa' tão abominável como hoje! A política só é boa ou maravilhosa para os políticos, o resto fica para o povo, as migalhas não chegam neles.
    Querida Olinda, estou retomando a leitura dos amigos, estávamos sem internet por 3 dias, pareceu um mês...rs
    Maravilhosa postagem, gostei de ler, suaviza um pouco todos comungarem da mesma ideia.
    Uma feliz semana, amiga,
    beijinho.

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