radícula que o vento despenteia e o músculo imprime
travejado por dentro!
Ó longilínea dilatação do tempo,
barca oblonga onde nascem os rios, lentos,
adornando seu plasma na noite!
Da tua anca de água negra, das cavernas
soltas no dorso do abismo,
é que te escarvo, osso côncavo,
a fauce rilhando de te lancetar a carne inútil,
o gume da estraçalhada língua, o sibilante enigma,
a curva suspensa e a sombra eléctrica,
ó força, ó inominado!
E de te ver!
Nem linha elíptica, tu a combinatória do que persiste
no desvão das palavras, quando ingénuas convocam
a eternidade, e nem trave rectilínea ou frontispício,
ou ensanguentada testa de fauno,
tu que só aceitas o esterno e o ilíaco
e a lava que se derrama dos pulmões furiosos;
E concebeste o indizível! Como dizer o que há no vazio
em riste dessa curvatura, oscilante eco sem memória
de ventre onde nem a águia se atreve ao vôo
e a serpente se desenrola até à evaginação de si?
Não te nomeio. Caminho. E o plano se inclina, grave,
ondulantemente terrível. Névoa ou pele ou pano,
já às raízes se contraem e pulsam, odoríferas, húmidas,
um enxamear de deuses espargindo a poeira;
E tu, intacto, flutuante onde ninguém te disse
e a palavra se acoita, espasmódica,
fetal. Seu silêncio enformando-o, ao osso,
côncavo.
-1953-
Poeta, autor teatral e jornalista moçambicano,
com vários livros publicados.
"O Osso Côncavo e outros poemas", uma Antologia, (1980-2004), foi lançada pela Caminho, em 2005.
Em 2018 foi-lhe atribuído o prémio de Literatura em Língua Portuguesa, "Oceanos" (4º lugar) pela obra "O Deus Restante".
Segundo Pedro Mexias, aqui, tanto nos livros mais antigos como nos recentes, Patraquim assume-se herdeiro de uma tradição lírica africana (em língua portuguesa) que apresenta características como o poema breve de verso curto e a ode mais expansiva, as referências histórico-geográficas, um ‘nós’ identitário que pode ser um ‘nós’ de amigos como de povos, o poema político,...
É a primeira vez que trago este autor ao Xaile de Seda. Talvez este poema não seja o mais expressivo, à primeira vista, em relação ao tema que pretendo abordar, em síntese. Mas é uma Ode, e as odes têm aquele quê de trágico que transcende o quotidiano. E o que se passa no norte de Moçambique nada tem de normal.
Há mais de três anos que se fala de Cabo Delgado, à boca pequena. Exceptuando-se Nuno Rogeiro que tem vindo a alertar incansavelmente, num programa de televisão, para a situação vivida por aquele povo, o resto da comunicação social pouco ou nada tem dito. E, de repente, faz parte das manchetes... Como diz o Da Literatura foi preciso que elementos estrangeiros fossem atacados para que o mundo começasse a tomar consciência do que lá se passa.
Continuo a citar:
Situada no extremo Norte de Moçambique, Palma é uma das principais bases de exploração de gás natural, naquele que é o maior investimento privado de toda a África. Entre as petrolíferas internacionais envolvidas destaca-se a Total, presente em Moçambique há mais de 60 anos.
Por junto, existem neste momento setecentos mil deslocados em Cabo Delgado, uma das onze províncias de Moçambique. mais aqui
Por junto, existem neste momento setecentos mil deslocados em Cabo Delgado, uma das onze províncias de Moçambique. mais aqui
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Boa Páscoa, meus amigos.
Abraços.
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Poema retirado - daqui
Veja Identidade, aqui, no "Xaile de Seda"
Imagem daqui - Leia a notícia e veja o video, por favor,
de Dezembro/2020.
Li e reli. Não conhecia o Autor e "quase" me surpreendeu. Mas não é verdade. Há neste trabalho muito sentir local, muita vida por viver, dor, Amor...
ResponderEliminarIr-me-ei debruçar sobre este personagem "novo" no meu ver.
Muito grato pela "mostra" deste meu desconhecido (a descobrir) Luís Carlos Patraquim.
Aproveito para desejar uma Santa e Feliz Páscoa.
Beijo
SOL da Esteva
Que lindo e quanto há pra descobrir...Gostei! FELIZ e ABENÇOADA PÁSCOA pra ti e teus! beijos, chica
ResponderEliminarOsso duro de roer, este "Osso Côncavo"...
ResponderEliminare tão penetrante que atinge a medula.
e fica a doer...
insuperável a ilustraçao - Mãe África dolorosa!...
gostei muito, Olinda.
inteligência e sensibilidade por aqui - aos molhos!
beijo, minha Amiga
parabéns!
Grandioso poema! Grata por dar a conhecer e ao seu autor, que não conhecia.
ResponderEliminarPobre povo exposto à ganância e mercê de interesses que escravizam e matam!
Votos de uma Feliz e Santa Páscoa, amiga Olinda!
Beijos.
ResponderEliminarDemorei algum tempo, para não dizer muito, a ler este poema. É que, talvez por ignorância minha, tive que me munir de um dicionário. Mas pronto. No final poderei dizer que gostei muito. É um poema delicioso. Deixo votos de uma Páscoa muito feliz, com muitas amêndoas, coelhinhos e ovinhos de chocolate, e muita, muita Saúde, Amor e Paz, extensivo à sua família e amigo/as.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Olinda,
ResponderEliminareste poema e todo o desenvolvimento que aqui colocou, é revelador de uma grande sensibilidade e pertinência.
A ganância e a maldade está tão banalizada que infelizmente já passa quase despercebida.
Comovente o relato dramático de Isa Ali
"Não somos animais. Os animais dormem na terra, fazem um buraco e dormem. Passámos três a quatro meses a dormir no chão, no cimento. Estamos a ficar doentes."
Preocupamo-nos com o confinamento, e ver, pessoas a serem mortas e sem rumo, é mesmo para fazer uma reflexão profunda.
Obrigada e um beijinho !
Páscoa Feliz !
Não conheço!
ResponderEliminarUm poema marcado pelo sofrimento.
Pobre gente esquecida de todos!
Abraço
Um osso côncavo a doer em todos nós que amamos África. A imagem da imensa tristeza daquilo que Moçambique está a passar. Uma mulher que chora porque é a única coisa que lhe resta fazer. Luís Carlos Patraquim, um grande poeta a merecer mais a minha atenção. Obrigada Olinda. Que tenha um domingo de Páscoa cheio de amor e conforto.
ResponderEliminarUm beijo.
Sentido e profundo poema.
ResponderEliminarDesconhecia o poeta, obrigado pela partilha
Feliz Domingo de Páscoa
Beijinhos
Feliz Páscoa, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarNeste dia de Ressurreição, venho lhe desejar paz e serenidade
Depois volto pelo poema e aurora.
Tenha uma Oitava de Páscoa abençoada!
Beijinho pascal
🐇🍬🌻🕊️😘
Boa noite de paz, querida amiga Olinda!
EliminarInteressante é que, quando fui jovem, tinha muito desejo de fazer missão na África. Não me deixaram.
É um sonho que não realizei.
Entretanto, uma vez meu padrinho me disse que toda vez que olhasse o mar, pensasse que do lado de lá,estava um povo faminto de tudo... E, pelo menos, orasse.
Tenha dias abençoados!
Beijinhos carinhosos e fraternos
Tão triste a miséria extrema!...
ResponderEliminarNão trata-se de anatomia
Esse osso! É poesia
Agoniada em poema
Com um simbólico tema
Em que tudo é simbolismo...
Segundo imagino e cismo
Esse poeta faz parte
Do sofrimento e reparte
A dor com amor e lirismo!
Belo poema, Olinda! Parabéns! Feliz Páscoa, amiga! Abraço fraterno. Laerte.
Comovente, este teu post, querida Olinda! Não conhecia o poeta, mas, conforme indicas, fui ler o que Pedro Mexia escreve sobre ele : gosto de ouvir este senhor, no programa " Governo sombra " que, dificilmente perco. África não pára de chorar ...chora desde o tempo da escravatura e, em pleno sec. XXI, continua a ser escrava de interesses econômicos; exploram as suas riquezas sem a minima preocupação com o povo que continua a sofrer enormes humilhações. O que se está a passar em Moçambique é uma " vergonha " internacional e, Portugal pouco ou nada tem feito para ajudar um povo que fala a nossa lingua; as televisões pouca importância dão ao assunto ; fiquei chocada quando vi que o canal público da nossa televisão ia passar uma entrevista feita a Lula da Silva ; Olinda, tive de sair da sala! Aqui não está em questão a esquerda, o centro ou direita, está em causa peder-se tempo precioso com o maior corrupto da historia do Brasil, que está riquissimo, que defende a Venezuela, etc, etc. E Moçambique? Perde a tv pública esse tempo todo com o terror que o povo Moçambicano está a viver? Que eu saiba, não! Olinda, não perco um programa do Nuno Rogeiro e vejo o quanto ele tem alertado para o caso de Moçambique; gostava de ver a nossa tv pública a fazer um programa com o Nuno Rogeiro, mas, sem as pressas habituasi, deixando que ele falasse e mostrasse, calmamente, a situação dramática daquele povo. Mas, não...interessa muito mais o Lula da Silva! Coitado, também do meu querido Brasil, completamente sem opção, perdido entre um Lula e um desiquilibrado Bolsonaro. Tenho esperança que até às eleições ainda apareça alguém mais digno. Querida amiga, obrigada por teres trazido este tema, por nos teres alertado para o sofrimento do povo Moçambicano, povo que podemos considerar irmão. Alonguei-me muito, entrei num assunto que não vinha " à baila ", mas....já estás habituada, não ? Como diz uma Amiga, a Fê, num comentário acima, estamos nós preocupados com este isolamento e tanta gente, tanta criança completamente " jogados à sua sorte "...a morrerem nas mãos de " bandidos". Tão ingratos que somos!
ResponderEliminarBeijinhos, Querida Amiga e que tenhas uma boa semana, com SAÚDE!
Emilia
Fui agora ler a noticia, Olinda, mas não vi o video. ( faltou-me coragem...) O governo Moçambicano está a ter uma atitude muito estranha e, segundo uma missionária portuguesa ( vi na tv ), talvez não lhe convenha agir de outra forma. Se calhar, tem medo dos poderosos!!!! Ou então, como se diz no Brasil, recebe " propinas ". Boa noite, querida Amiga e, mais uma vez, obrigada por abordares este tema. Um beijinho
ResponderEliminarEmilia
Agradeço a excelente partilha, amiga Olinda. Claro que desconhecia o autor e a obra, mas pelo que li nessa bela postagem, o poema tem uma grandiosidade que se pode ver na segunda leitura.
ResponderEliminarParabéns pelo belo post, um convite para que se estude com mais profundidade a obra desse talentoso poeta.
Uma boa semana,
Grande abraço.
Não conhecia este poema e é excelente.
ResponderEliminarTenho acompanhado e impressiona o silêncio da comunidade nacional e internacional.
Tristemente apropriado. Um alerta magnífico.
Beijo
Meu Deus, quanta dor, sofrimento, revolta estamos vivendo junto a essa infernal pandemia! Tanta dor e tantos ainda lucrando sob carcaças miseráveis, sem dar a mínima à dor dos povos mais necessitados, mais sofridos. Tá difícil de ver tamanha desumanidade. E assim vai caminhando a humanidade. Vergonha. Li o comentário da amiga Emília, e faço muito de suas palavras, as minhas.
ResponderEliminarO poema é muito dolorido, não conheçia o autor.
É isso, querida Olinda, dizer mais o quê? Nosso mundo é uma tragédia. E não levo fé alguma, muitas coisas revoltam.
Um beijinho, querida Olinda, uma boa semana, amiga.
Querida Olinda,
ResponderEliminarJá tinha passado os meus olhos por esta ode a um país cuja convexidade nos chama agora ao martírio de um povo. Acabei de ver as crianças desalojadas na areia de Cabo Delgado. Voltei para ler devagar e sentir a fascinante poética de Luís Carlos Patraquim.
Dói-nos África. Excelente publicação!
Beijos e saúde, minha amiga.