quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

oh a maturidade não nega o que tememos.






Canto Primeiro

Da morte nos ficou esse dom de a pensarmos
como coisa sua, coisa por que a pensamos
e acaso não a exprime, porque a
designamos.
Bizarro não é, pois, estar morto, mas lograr
que o tempo em si consigo não aja,
e erga a mão como quem sabe que a mão é
nossa
e não exprime
o que ambos exprimem,
uma, por mão, outro, por tempo que
aprende,
exprimem e juram em redor da mesa.
Para o que há sido o modo, a qualidade
de uma infinita aparição
ou o que há de exílio no exemplo que a
dissemina,
decidem a tradição e a carência
a espécie de facilidade que rememoraremos.
Sobretudo, decidem quando devemos
morrer
para pagar
a legitimidade ou o que há sido anomalia.

Porque de tudo nos ficou esse dom de não o sentir, de ficar com ele
só quanto seja a coisa que não tivemos.
A maturidade ou a alegoria que a tem
de outra coisa, oh a maturidade
não nega o que tememos.
O que queríamos dizer está já morto;
que poderíamos, pois, agora
acrescentar a essa alegoria?
Da condição da morte, o que morre
é nosso, e, além dele, dos bens nossos.


     (clic)

E agora, como interpretar isto? Perguntam-me a mim, imagine, João Vário! Teria de percorrer os caminhos trilhados por si na busca da sua verdade. Poeta do mundo, entregue ao seu afã de ler os outros para chegar a si próprio e construir o seu lugar. Um lugar só seu que muito poucos conhecem. Nos seus Exemplos foi deixando réstias do seu pensamento, do seu modo de estar, de reflexões filosóficas que os seus pares, aqueles que o terão lido, consideraram destoantes da sua realidade. 

Porquê aparecer então num momento de afirmação nacional, de contestação de poderes estabelecidos, com o seu raciocínio científico apenas focado naquilo que temos de transcendente, na contingência da morte e no poder incomensurável da vida? Apenas? Será que eu disse isso? E aparece nessa altura, assim vestido porque tinha de ser assim, porque era o seu destino, a sua sina, viver fora da sua terra e apenas voltar para ver a mãe e o irmão. E assim se fez e maturou o seu talento de homem de letras e de ciência. 
Oh a maturidade não nega o que tememos.



DEMIS ROUSSOS - INIMITÁVEL

====

Poema retirado de Exemplo Geral: daqui
Título do post e citação retirado do poema.
Imagem - daqui

10 comentários:

  1. Boa tarde:- Gostei muito desta publicação. Adoro ouvir Demis Russos. A sua voz deixou saudades
    .
    …………… Poema ……………
    ^^^ MULHER ^^^
    .
    Votos de Feliz Natal.

    ResponderEliminar
  2. Que reflexão tão filosófica sobre a morte, ou sobre a vida. Que dizer? também pergunto. Sabemos que a vida não é uma sequência de dias, nem um pressentimento íntimo, mas sim uma viagem amarrada à morte… E, como diz João Vário, "Da condição da morte, o que morre é nosso"...
    Desejo que tenha um Natal cheio de conforto e alegria e que o ano de 2020 seja lhe traga tudo de bom.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  3. Estimada Amiga.
    Mais uma vez, gostei de ler a poesia que divulga.

    Encerrando as minhas atividades deste ano, com
    mensagens e poemas nos dois blogues...
    Ficaria feliz se os apreciasse.
    Beijos
    ~~~

    ResponderEliminar
  4. Reflexão bem enquadrada no tempo que atravessamos. Na verdade "o que queríamos dizer já está morto."
    E que felicidade podermos continuar a ouvir Demis Roussos.

    Festas felizes, minha amiga Olinda.
    Fraterno abraço.

    ResponderEliminar
  5. Demis Roussos fez-lembrar a minha adolescência, querida Amiga! E o que dizer do poema? Uma triste verdade que temos de aceitar, mas que, infelizmente, continuamos a pensar que somos eternos; nada levamos quando a vida decidir que o nosso tempo por cá findou. Mais umavez, Querida Amiga, ssaúde, paz e muitos momentos felizes agora e sempre. Um Natal abençoado! Beijinhos mil
    Emilia

    ResponderEliminar
  6. Bom dia, querida Olinda, não conhecia o poeta, fui ao site indicado vasculhar. Dá o que refletir, sim, amargo, mas digerível. Mais uma de suas postagens excelentes.
    Querida amiga, Boas Festas para você e sua família, que 2020 seja melhor para nós, brasileiros (um ano meio tumultuado) e para vocês, nossos irmãos. Que tenhamos um ano mais feliz, de mais paz.
    Beijo, foi muito bom ter tido esse intercâmbio com você nesse ano que está fechando suas portas.
    Meu carinho,
    beijo

    ResponderEliminar
  7. Não temer a morte é a derradeira etapa de quem busca o conhecimento.
    Um post bem interessante, Olinda.

    Feliz Natal!

    ResponderEliminar
  8. As lutas continuam porque não basta ter razão
    Bj

    ResponderEliminar
  9. perante a dificuldade em "demolir" o Poema-Rochedo,
    por onde pepitas do mais fino oiro se vislumbram e nos seduzem
    sem, sem contudo, as podermos tocar

    socorro-me, amiga Olinda, do seu fecundo texto
    e, balbuciando a minha impossibilidade em "morder"o poema,
    faço de suas palavras lúcidas, a minha justificação
    de eu nada saber acrescentar

    e fica, assim, apenas o registo de que para se compreender o Poema seria necessário trilhar os caminhos do Poeta "na busca da sua verdade" ...

    ... e, no entanto, gostei do Poema. muito!

    Abraço

    ResponderEliminar
  10. Um poema lapidar, no sentido de ter uma qualidade invulgar. A leitura que faz, querida Olinda é preciosa.

    Festas Felizes.

    Beijinho

    ResponderEliminar