José João Craveirinha, considerado o poeta maior de Moçambique, teve o cuidado de escrever numa autobiografia o modo como se via e o que o mundo circundante lhe transmitia, moldando a sua personalidade.
É um texto que nos conduz pelos caminhos da História. A mãe o pai representam dois mundos e, consequentemente, culturas diferentes, idiomas incluídos. A mestiçagem nos seus vários aspectos está patente, sendo a assimilação ou aculturação um dos seus pontos fortes.
José Craveirinha refere-nos como um dos nascimentos mais importantes o momento em que começa a escrever em O Brado Africano, onde encontra dois poetas que comungam dos mesmos ideais, Rui de Noronha e Noémia de Sousa.
É um texto que nos conduz pelos caminhos da História. A mãe o pai representam dois mundos e, consequentemente, culturas diferentes, idiomas incluídos. A mestiçagem nos seus vários aspectos está patente, sendo a assimilação ou aculturação um dos seus pontos fortes.
José Craveirinha refere-nos como um dos nascimentos mais importantes o momento em que começa a escrever em O Brado Africano, onde encontra dois poetas que comungam dos mesmos ideais, Rui de Noronha e Noémia de Sousa.
Rui de Noronha, num poema intitulado "Surge e ambula", exorta a mãe África:
Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo…O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E tu dormes no outro sono o sono do teu infindo…
A selva faz de ti sinistro eremitério,
onde sozinha, à noite, a fera anda rugindo…
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo…
(...)
Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
com duas diferenças:
Não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.
Mas aos dois intencionalmente
podiam pôr-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.
Noémia de Sousa, a "mãe dos poetas moçambicanos", diz-nos isto em Aforismo:
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
com duas diferenças:
Não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.
Mas aos dois intencionalmente
podiam pôr-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.
Voltando à autobiografia, José Craveirinha frisa, em dada altura:
E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique.(...)Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse País(...)
Um País que ele começa a visionar e que ele próprio considera nos seus poemas uma nação que ainda não existe.
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E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique.(...)Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse País(...)
Um País que ele começa a visionar e que ele próprio considera nos seus poemas uma nação que ainda não existe.
Vim de qualquer parte
de uma nação que ainda não existe
vim e estou aqui
[...]
Tenho no coração
gritos que não são meus somente
porque venho de um país que ainda não existe.*
Estavam lançadas as sementes para a construção da moçambicanidade.
====
* aqui
Autobiografia aqui
Mais um poeta que está na minha lista de leituras a fazer! Na verdade, o tempo não me chega para ler todos os autores de que gostaria. Obrigada por esta partilha, por causa dela talvez vá ler mais depressa o poeta.
ResponderEliminarJá agora saliento que idolatrei "aforismo". A última estrofe então nem se fala.
Bom domingo!
Boa tarde de serenidade, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarPermita-me chorar por tanta veracidade nos poemas escolhidos...
Um ser humano como uma formiga sujeito a ser pisado e esmagado sem dó nem piedade.
Como ser feliz com tanta calamidade pública e ao recor do mundo, amiga?
Fica difícil demais!
A poeta tem magistralidade para incutir a dor na poesia que cria, tem empatia, na certa, só pode!
Que postagens lindas leio aqui, sempre culta e inteligente, prima pelo bom gosto e nos enriquece demis, amiga.
Muito obrigada pela postagem.
Tenha uma nova semana abençoada!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
Adorei :))
ResponderEliminarBjos
Votos de um óptima noite.
Viveu para ver nascer a tal nação que não existia...
ResponderEliminarDias melhores venham para o país encantar com a sua moçambicanidade.
Uma ótima semana, Olinda.
Beijinhos
~~~~
Querida Olinda,
ResponderEliminarConsidero que um poema é sempre um nascimento. É algo que diz de nós e das circunstâncias que o atiçam. Todos temos um pouco de África e, neste sofrimento que avassala Moçambique, temos muito mais.
Aqui está uma riquíssima publicação. Os questionamentos e os renascimentos a cada verso. E a vida é tão breve para conseguirmos entendê-la.
Amei. Excelentes poetas.
Beijos.
E José Craveirinha escreveu: "Tenho no coração
ResponderEliminargritos que não são meus somente
porque venho de um país que ainda não existe". Como se estivesse a falar do presente. Como se os seus "nascimentos" dependessem do diálogo com outros poetas… Magnífico!
Uma boa semana, minha Amiga Olinda.
Um beijo.
os poetas, os escritores, os artistas constroem as Nações
ResponderEliminare também as grandes tragédias, por muito que doam (ou talvez por isso mesmo)
gostei muito, Olinda
sensibilidade e inteligência neste espaço. sempre!
abraço
José Craveirinha e Noémia de Sousa conheço, já li algumas coisa. Rui de Noronha foi a primeira vez que li.
ResponderEliminarMoçambique é um belo país, mas não é um bom país. Pelo menos não o era quando lá vivi no tempo colonial. A natureza, é madrasta má para o país, que em anos seguidos se vê vitima de grandes secas para noutros as chuvas alagarem tudo apodrecendo as semente na terra. Lembro bem de 1971, e do enjoo de arroz e batata doce que apanhei pois a seca vinha estendendo-se há três anos e a comida escasseava.
Agora o ciclone, que não será infelizmente o último porque as alterações climáticas assim o determinam, foi uma tragédia maior porque rápida não deu como enfrentá-lo. Mas Moçambique sempre foi um país de extremos, pese embora toda a sua beleza, e a afabilidade do seu povo.
Abraço
Não os conhecia. Aliás, confesso, o quase nada da nova gesta moçambicana; um pouco menos, talvez, da angolana. Mesmo que tenha as terras inapagáveis, na memória. Gostei.
ResponderEliminarAbraço.
jorge
www.tintapermanente.pt
Um post brilhante, não conhecia os poetas, obrigado pela partilha.
ResponderEliminarBom fim de semana
Beijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco
Um grande poeta.
ResponderEliminarJosé Craveirinha já nos deixou há uns 15 anos, mas deixou-nos uma obra notável. Foi galardoado com o Prémio Camões nos anos 90.
Magnífico post, uma homenagem merecida a um escritor meio esquecido.
Olinda, um bom fim de semana.
Beijo.
...Mas Moçambique existe desde outrora
ResponderEliminarE conquistou o tempo que sobrou.
É bem mais triste vê-la nesta hora
Sofrendo as dores do mal que o assaltou.
Beijo
SOL
Querida Olinda
ResponderEliminarMoçambique tem grandes valores no campo das letras (talvez o mais conhecido seja Mia Couto) e estes que nos apresenta não desmerecem em qualidade.
São muito bons!
Os tempos que agora lá se vivem são lastimáveis. Eu vivi lá três anos, nasceu-me lá uma filha e, apesar das atribulações por que passei... adorei lá estar.
Oxalá não demorem muito tempo a recuperar-se da desgraça que os atingiu.
Desejo bom Fim-de-semana
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Grande poeta e uma homenagem muito adequada.
ResponderEliminarPoeta, alma de um povo.
Beijinho grande.
Viva Moçambique!
ResponderEliminarVivam os romancistas e poetas moçambicanos!
Bela homenagem, minha amiga.
Beijo.