segunda-feira, 17 de março de 2014

As minhas asas



Almeida Garrett 
 Litografia de  Pedro Augusto Guglielmi


Eu tinha umas asas brancas, 
Asas que um anjo me deu, 
Que, em me eu cansando da terra, 
Batia-as, voava ao céu. 
  
— Eram brancas, brancas, brancas, 
Como as do anjo que mas deu: 
Eu inocente como elas, 
Por isso voava ao céu. 
Veio a cobiça da terra, 
Vinha para me tentar; 
Por seus montes de tesouros 
Minhas asas não quis dar. 
— Veio a ambição, co' as grandezas, 
Vinham para mas cortar, 
Davam-me poder e glória; 
Por nenhum preço as quis dar. 
  
Porque as minhas asas brancas, 
Asas que um anjo me deu, 
Em me eu cansando da terra, 
Batia-as, voava ao céu. 
  
Mas uma noite sem lua 
Que eu contemplava as estrelas, 
E já suspenso da terra, 
Ia voar para elas, 
— Deixei descair os olhos 
Do céu alto e das estrelas... 
Vi entre a névoa da terra, 
Outra luz mais bela que elas. 
  
E as minhas asas brancas, 
Asas que um anjo me deu, 
Para a terra me pesavam, 
Já não erguiam ao céu. 
Cegou-me essa luz funesta 
De enfeitiçados amores... 
Fatal amor, negra hora 
Foi aquela hora de dores! 
  
— Tudo perdi nessa hora 
Que provei nos seus amores 
O doce fel do deleite, 
O acre prazer das dores. 
  
E as minhas asas brancas, 
Asas que um anjo me deu, 
Pena a pena me caíram... 
Nunca mais voei aos céus.

 (1799-1854)

In Flores sem Fruto – Livro II

Banco Poesia Fernando Pessoa

Imagem:
Almeida Garrett - Litografia de  Pedro Augusto Guglielmi

1 comentário:

  1. (•̃‿•̃)
    ❀ Bonjour Olinda
    je te remercie pour cette belle publication
    GROS BISOUS
    et bonne journée ღ !!!!

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