A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.
É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.
E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.
Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,
há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,
De animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza,
que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.
De:
João Cabral de Melo Neto
Poeta brasileiro, João Cabral de Melo Neto nasceu em 1920, no Recife, e faleceu a 9 de outubro de 1999. Diplomata, exerceu funções consulares em Assunção, Barcelona e Dakar. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras. É de 1942 o seu primeiro livro de versos - Pedra de Sono, em que se deteta a influência de Carlos Drummond de Andrade. Depois, integrou-se na "Geração de 45", seguindo, no entanto, o seu próprio caminho. Eliminando das suas imagens resíduos sentimentais ou pitorescos, instaura um novo critério estético - o rigor semântico, fulcro da sua radical modernidade, assim afirmando uma nova dimensão do discurso lírico através de uma poesia que parte do concreto para atingir a pureza da abstração, querendo utilizar a linguagem conscientemente em vez de ser usado por ela. O geometrismo de alguns dos seus poemas corporiza esse movimento de "regresso ao real" empreendido por este poeta da sensação aguda dos objetos que delimitam o homem e a mulher modernos. Entre outros prémios, foi-lhe atribuído o Prémio Camões em 1990.
João Cabral de Melo Neto. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011.
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A palavra seda transporta-me numa textura suave de grande delicadeza e doçura.
ResponderEliminarÉ um sentimento de paz que me invade e me deixa em paz, feliz, transparente.
Seda não apenas um tecido leve mas algo muito humano e pessoal que nos faz vibrar.
Agradáveis pensamentos poéticos.
A tua pessoa não faz dormir mas desperta...e, tal como a seda, em ti tudo se tateia.
ResponderEliminarGostei.
Beijinho
Comecei a admirá-lo desde "Vida e Morte Severina" acerca da tragédia sofrida pelos "retirantes" do Nordeste brasileiro.Origem , aliás, das favelas da cidade de Fortaleza.
ResponderEliminarUm bom Dia da Poesia.
Querida Olinda
ResponderEliminarQue mais dizer? Versos de seda. Palavras de seda. Uma maravilha.
Beijos
SOL
Oi Olinda, e nesta seda me deleito, me envolvo, adormeço sedosamente.
ResponderEliminarVenho deixar um abraço caloroso, e um beijinho em teu coração.
Obrigada pela partilhea de um poeta que desconhecia.
ResponderEliminarUm abraço
palavras de seda a lembrar a suavidade das japonesas...
ResponderEliminarBjssss
Queridíssima Olinda, que prazer ler aqui em seu Xaile, o meu poeta maior! João Cabral é para mim o maior dentre todos (repare bem, para mim, questão de escolha e identificação). O poeta que conta o meu Nordeste brasileiro, o Recife, o mangue, os rios que atravessam a cidade ('como a fome atravessa um cão sem plumas' - parte de um outro poema dele, que gosto muito, O Cão sem Plumas), entranhado com influências andaluzas, e elementos catalãs, dado o tempo em que viveu nessas duas regiões de Espanha.
ResponderEliminarJoão Cabral é um poeta ácido, cerebral, meticuloso, artífice da palavra, como já pudemos ver nesse excecional A Palavra Seda. Para ele não havia poesia sem transpiração, sem estruturação; a poesia lapidada, burilada, um lirismo carregado de emoção, palavras que correspondem aos sentimentos, aos resultados mais profundos do que há de humano em cada um de nós, e que nem sempre demonstramos ou sabemos como dizê-los, João Cabral, diz. Cabral sabe nos conduzir em seus poemas, como se fôssemos viajantes de primeira viagem, como se o mundo só se descortinasse agora diante de nós.
Inclusive recria para o local, e para o visitante, o Recife tão conhecido de todos, entrecortado por seus quatro principais rios, a vida em suas margens, a morte em suas margens, a miséria de quem vive nas margens, dependurados em palafitas, como se fossem parte natural do cenário; como se nas veias desse homem recifense, nordestino corresse junto com o sangue, a lama e o rio. E sua pele ressecada como a lama que seca quando a estiagem castiga a região, e o leito do rio se torna esquálido, quase vazio...
Por algumas vezes, aventou-se, que um dia a Academia de Oslo iria lhe galardoar com um Nobel de Literatura, em função da importância da sua poesia, infelizmente não aconteceu. A sua poética configura-se entre as maiores do século XX, no Brasil, e também no mundo. Vale a pena dar uma lida em "Morte e Vida Severina", (mais) um grande livro dele, um auto de natal, narra a vida de um retirante, Severino, vindo da Serra da Costela, limites com o estado vizinho, Paraíba. Uma leitura que permite ao leitor, apropriar-se de um Brasil miserável, mas tão real e sofrido como quando da época do seu lançamento. Uma narrativa-denúncia, com um forte cunho social. E eu vou parar de "falar", porque senão eu vou ficar insuportável. É que publicaste um poema do meu nº 01 da poesia, desculpe a minha empolgação, amiga!!
Beijos!
Deixo aqui alguns linkes para a vossa apreciação e apropriação da nossa cultura, para entenderes mais o contexto e o sentido da poética cabralina.
A letra do Chico Buarque para a encenação do musical: http://letras.mus.br/chico-buarque/90799/
O musical completo você pode ver aqui: http://www.youtube.com/watch?v=u3R3s5XeB-w
E o auto aqui: http://www.culturabrasil.pro.br/zip/mortevidaseverina.pdf
Adorei....Boa escolha . Tanta coisa linda
ResponderEliminarque não conhecemos....
BFS
Beijo
Boa tarde amiga
ResponderEliminarHoje vim informar que endereço do meu blog mudou http://mariaalicecerqueira.blogspot.com.br/
E também agradecer pelo carinho de sua presença lá no meu cantinho, muito obrigada.
Querida pedir desculpas pela minha ausência, mas tem sido por conta de estar na luta em busca de uma editora para editar meu livro.
Agradeço a compreensão!
Tenha um lindo fim de semana
Com carinho Maria Alice
Um poema suave e lindo como a seda.
ResponderEliminarBom fim de semana
Beijinhos
Maria
E tem o poema também um toque de seda, muitas texturas e cores de seda!
ResponderEliminarBeijinhos, bom domingo!
Madalena
E este poeta tão ciente dos problemas do povo nordestino que são muitos dos nossos também, vem lembrar-nos com este poema que devemos sempre revestir o nosso coração de seda. Isto aliviará de certeza as dificuldades. Um beijinho, Olinda e obrigada por este belo momento
ResponderEliminarEmília
João Cabral, é dos grandes poetas brasileiros. Meu primeiro "contacto" com ele foi em "Morte e Vida Severina"...um poema épico que traduz bem o Nordeste brasileiro, de onde ele filho e um de seus maiores representantes.
ResponderEliminarEste poema, sobre a palavra "seda", mostra bem o seu quilate. Ele é Ouro de Pernambuco, terra sofrida que ele tanto decantou.
Obrigada, Olinda, "pela parte que me toca", sendo eu uma nordestina, com muito orgulho rsrs.
Beijos, minha querida amiga,
da lúcia
Olindamiga
ResponderEliminarGanhaste um PASSATEMPO/CONCURSO lá na NOSSA TRAVESSA e não ligaste peva ao que aconteceu.
Espero por ti, lá na NOSSA TRAVESSA. Sentado.
Qjs
H
Minha querida amiga
ResponderEliminarTenho que te agradecer por me dares a conhecer este Poeta que, infelizmente, eu não conhecia.
Gostei demais deste poema ou texto poético (como lhe queiram chamar).
Nota-se, de facto, um certo "ar" à Carlos Drummond de Andrade, que aprecio imenso.
Dou-te os parabéns pela escolha que foi óptima. E é de agradecer à Canto da Boca por to ter indicado.
Por fim... desejo-te uma Páscoa muito feliz, cheia de Luz e Amor.
Beijos e carinhos meus.
ResponderEliminarMeus amigos
Agradeço os vossos comentários a este poema de João Cabral de Melo Neto e todo o contributo que me trouxeram, enriquecendo-me assim com a vossa visão das coisas e do mundo.
Agradeço a Canto da Boca, que nos trouxe este apontamento, tão importante para a compreensão do autor e do seu universo intelectual. O seu comentário e a informação que o acompanha serão objecto de publicação, num post, daqui a alguns dias, de modo a dar-lhes a visibilidade devida.
Como devem ter reparado, tenho andado um pouco ausente. Isto é devido a alguns projectos que tenho de desenvolver por estes dias e pelos que se avizinham :). Mas, estou a tenta a todos vós e a tudo o que nos têm oferecido,através dos vossos blogs, em termos de produção de textos e de informação. Muito obrigada.
Abraços
Olinda