Quem foi que, em minha ausência, regou flores
E me foi bom limpando a casa amiga?
Quem arrumou meus livros - os melhores
Postos no centro - em minha estante antiga?
Quem pôs em seu lugar essas cadeiras
Que desde muito o procuravam quedas,
E, com boas e anónimas maneiras,
Acomodou cortinas como sedas?
Foi qualquer fada, que me amou outrora
Antes que o tempo e o espaço fossem Deus?
Não sei, mas tenho a minha casa agora
Limpa e fechada contra a terra e os céus.
Fernando Pessoa
17-8-1934
In: Poesia do Eu
Em tempo: foto, manhã de Maio ou Junho/2012, cerca das 10h, na estrada entre Lisboa e Fátima.
No livro, 'amou', na 3ª quadra, aparece com um asterisco remetendo para este averbamento: Var.: amasse.
Este poema pertence a um conjunto intitulado:Superiores Incógnitos, pg. 293
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
domingo, 23 de setembro de 2012
Tsu-nami e classe política
Não caiamos no erro de pensar que a política é coisa de somenos. O problema é que por cá existe o hábito de a classe política atirar primeiro e perguntar depois. Existe também o hábito de se fazerem experiências a ver se as coisas pegam. Só depois do mal feito e de terminados os mandatos é que alguns resolvem ir aprender teorias políticas, frequentando universidades, enquanto o povo fica enredado em dívidas sem fim à vista. Mas também temos uma outra espécie de políticos que detém o canudo à custa de créditos ganhos por conta de currículos que nada têm a ver com o assunto de que se fala.
A preparação devida para o desempenho de funções em qualquer instituição ou empresa é muito importante. Se falarmos de altas funções como as do executivo e as dos nossos representantes parlamentares, então isto fia mais fino. É urgente que a classe política se esmere. Não se é um bom político só porque se tem queda para isso. É necessário ter em atenção que uma prestação que se quer excelente dependerá da interdisciplinaridade do conjunto das ciências sociais e humanas a que pertence a Ciência Política, o que ajudará em muito na tomada de decisões.
Se assim não for sairá a perder a nossa capacidade de negociar com uma troika que nos vê apenas como números. Numa das minhas divagações, aqui, a que de vez em quando sou atreita, interrogava-me sobre a essência deste mesmo trio e do que poderíamos esperar dele. Erro crasso. Deveria antes ter indagado, falando com os meus botões ou com o meu travesseiro, sobre a competência e visão de quem tem a responsabilidade, outorgada por nós, de analisar os prós e os contras antes de aceitar ou resolver, de motu proprio, sobrecarregar aqueles que menos têm, os trabalhadores por conta de outrem e os reformados e pensionistas.
A preparação devida para o desempenho de funções em qualquer instituição ou empresa é muito importante. Se falarmos de altas funções como as do executivo e as dos nossos representantes parlamentares, então isto fia mais fino. É urgente que a classe política se esmere. Não se é um bom político só porque se tem queda para isso. É necessário ter em atenção que uma prestação que se quer excelente dependerá da interdisciplinaridade do conjunto das ciências sociais e humanas a que pertence a Ciência Política, o que ajudará em muito na tomada de decisões.
Se assim não for sairá a perder a nossa capacidade de negociar com uma troika que nos vê apenas como números. Numa das minhas divagações, aqui, a que de vez em quando sou atreita, interrogava-me sobre a essência deste mesmo trio e do que poderíamos esperar dele. Erro crasso. Deveria antes ter indagado, falando com os meus botões ou com o meu travesseiro, sobre a competência e visão de quem tem a responsabilidade, outorgada por nós, de analisar os prós e os contras antes de aceitar ou resolver, de motu proprio, sobrecarregar aqueles que menos têm, os trabalhadores por conta de outrem e os reformados e pensionistas.
Muito se tem falado em alternativa, alternativas, caminho alternativo, este último já considerado algures como um mito. Em encruzilhadas como estas talvez devêssemos olhar para os outros e ver o que fariam nas mesmas circunstâncias ou em quaisquer outras situações de ruptura. Vem a propósito um pequeno trecho de uma entrevista que li no outro dia. Nas palavras do entrevistado, de um tsunami de há 1200 anos os japoneses retiraram uma lição útil aquando do tsunami de 2011. Eis algumas das suas palavras:
...
Os japoneses nunca tinham visto um tsunami como o de 2011, mas registou-se um semelhante há 1200 anos. Houve então uma ilha onde a população fugiu para o topo, mas ninguém sobreviveu. Quando foram para lá novos habitantes, construíram um memorial às vítimas e deixaram um aviso às gerações futuras que, se voltassem a ver uma onda gigante, não fugissem para o alto mas para uma ilha ao lado. Foi o que fizeram em 2011. Seguiram esse conselho com mais de mil e duzentos anos e salvaram-se.
Mas, voltando ao tema da nossa actualidade nacional, o tsu-nami causado pelas alterações da tsu, produziu ondas de choque praticamente nunca vistas no que diz respeito às suas características. A rua a manifestar-se, de forma espontânea, através de milhares de pessoas, reivindicando tão-só o seu direito à sobrevivência.
Depois do Conselho de Estado, passámos a uma nova fase. Promessas de entendimento quanto à coligação, recuo nas medidas anunciadas, esforços na procura de outras formas de onerar, talvez, os mesmos de sempre. Venha o diabo e escolha... Enfim, tenhamos esperança em dias melhores.
Depois do Conselho de Estado, passámos a uma nova fase. Promessas de entendimento quanto à coligação, recuo nas medidas anunciadas, esforços na procura de outras formas de onerar, talvez, os mesmos de sempre. Venha o diabo e escolha... Enfim, tenhamos esperança em dias melhores.
Trecho em itálico, entrevista a: Andrew Zolli - Visão- 20 a 26 Setº/2012
Fotos: minhas
Fotos: minhas
sábado, 22 de setembro de 2012
Silêncio e Tanta Gente
Ouvi ainda há pouco, na RTP Memória, a Maria Guinot nesta sua belíssima interpretação, voz e piano, Silêncio e Tanta Gente - Festival da Canção de 1984. É muito bom ouvi-la e, assim sendo, trago-a com muito gosto para o nosso convívio, neste primeiro e ameno sábado de outono.
Silêncio e tanta gente
Maria Guinot
Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou é um grito
De um amor por acontecer
Às vezes é no meio de tanta
gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra
E este grito
São a história d'aquilo que sou
Às vezes sou o tempo que tarda
em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão
Às vezes sou o tempo que tarda
em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão
Letra: aqui
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
A Paz
Uma vez que as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é na
mente dos homens que devem ser construídas as defesas da paz.
Hoje fala-se da Paz, da Paz sustentável.
Hoje fala-se da Paz, da Paz sustentável.
Falemos nós de paz nos nossos corações e nos corações daqueles que nos rodeiam. Paz nas nossas casas, na nossa vizinhança, no nosso país, na mente dos nossos governantes. Que estes consigam congregar esforços no sentido de alcançarem o consenso necessário para a resolução dos nossos problemas económicos e sociais. Consenso político. Um consenso em que os interesses da comunidade estejam em primeiro lugar. Que haja elevação de espírito suficiente e nobreza de carácter para que as quezílias fiquem à porta das conversações, necessárias e urgentes, porquanto o tempo não pára. Ele não espera por nós. Em cada hora, em cada dia que passa aumentam as nossas probabilidades de bancarrota em todos os aspectos. Em momentos como este é que se define a capacidade ou a incapacidade dos nossos representantes parlamentares e se, ao fim e ao cabo, merecem estar nos lugares onde os colocámos.
Haja mente aberta e vontade de ouvir o outro...
-------
Anotações:
21 de Setembro - reunião dos Conselheiros de Estado
21 de Setembro - dia internacional da Paz
Citação retirada de: aqui
imagem da net
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
O Advento
Sou o que fui na aurora, entre a tribo.
Deitado em meu canto da caverna,
Lutava por afundar nas obscuras
Águas do sonho.
Espectros de animais
Feridos pelo estilhaço da flecha
Davam horror à negrura.
Mas algo,
Talvez a execução de uma promessa,
A morte de um rival sobre a montanha,
Talvez o amor, ou uma pedra mágica,
Me fora outorgado. Perdi tudo.
Pelos séculos gasta, a memória
Só guarda essa noite e sua manhã.
Sentia desejo e medo.
Bruscamente
Ouvi o surdo tropel interminável
De um rebanho atravessando a aurora.
Arco de roble, flechas que se cravam,
Deixei-os e corri até a greta
Que se abre no extremo da caverna.
Foi então que os vi.
Brasa avermelhada,
Cruéis os cornos, montanhoso o lombo,
A crina lúgubre como os seus olhos
Que espreitavam malvados.
Aos milhares.
São os bisões, eu disse.
A palavra Nunca antes passara por meus lábios,
Mas senti que talvez fosse seu nome.
Era como se eu nunca houvesse visto,
Como se houvesse estado cego e morto
No tempo antes dos bisões da aurora.
Eles surgiam da aurora.
Eram a aurora.
Não quis que os outros profanassem
Aquele denso rio de bruteza
Divina, de ignorância, de soberba,
Indiferente como as estrelas.
Pisotearam um cão do caminho;
Teriam feito o mesmo com um homem.
Depois os traçaria na caverna
Com ocre e cinábrio.
Foram os Deuses
Do sacrifício e das preces.
Nunca
Disse minha boca o nome de Altamira.
Foram muitas minhas formas e mortes.
Jorge Luís Borges
Este poema foi-me trazido por Canto da Boca na altura em que publiquei, aqui, um poema apócrifo atribuído a este autor e intitulado Instantes. Poderemos assim fazer um cotejo entre os dois poemas ou simplesmente lê-lo e sentir o pulsar desta grandiosa forma de escrever.
Sobre o autor, fui buscar ao Bibliotecário de Babel estes elementos:
Nota - O Advento consta de O Ouro dos Tigres, 1972
Imagem - internet
Deitado em meu canto da caverna,
Lutava por afundar nas obscuras
Águas do sonho.
Espectros de animais
Feridos pelo estilhaço da flecha
Davam horror à negrura.
Mas algo,
Talvez a execução de uma promessa,
A morte de um rival sobre a montanha,
Talvez o amor, ou uma pedra mágica,
Me fora outorgado. Perdi tudo.
Pelos séculos gasta, a memória
Só guarda essa noite e sua manhã.
Sentia desejo e medo.
Bruscamente
Ouvi o surdo tropel interminável
De um rebanho atravessando a aurora.
Arco de roble, flechas que se cravam,
Deixei-os e corri até a greta
Que se abre no extremo da caverna.
Foi então que os vi.
Brasa avermelhada,
Cruéis os cornos, montanhoso o lombo,
A crina lúgubre como os seus olhos
Que espreitavam malvados.
Aos milhares.
São os bisões, eu disse.
A palavra Nunca antes passara por meus lábios,
Mas senti que talvez fosse seu nome.
Era como se eu nunca houvesse visto,
Como se houvesse estado cego e morto
No tempo antes dos bisões da aurora.
Eles surgiam da aurora.
Eram a aurora.
Não quis que os outros profanassem
Aquele denso rio de bruteza
Divina, de ignorância, de soberba,
Indiferente como as estrelas.
Pisotearam um cão do caminho;
Teriam feito o mesmo com um homem.
Depois os traçaria na caverna
Com ocre e cinábrio.
Foram os Deuses
Do sacrifício e das preces.
Nunca
Disse minha boca o nome de Altamira.
Foram muitas minhas formas e mortes.
Jorge Luís Borges
Este poema foi-me trazido por Canto da Boca na altura em que publiquei, aqui, um poema apócrifo atribuído a este autor e intitulado Instantes. Poderemos assim fazer um cotejo entre os dois poemas ou simplesmente lê-lo e sentir o pulsar desta grandiosa forma de escrever.
Sobre o autor, fui buscar ao Bibliotecário de Babel estes elementos:
Argentino de cultura anglófona, Borges viveu a infância na biblioteca do pai e atravessou a vida como se nunca de lá tivesse saído. O seu universo é livresco no melhor sentido da palavra, erudito, especulativo, fantástico, reinventando permanentemente os grandes temas (o tempo, o infinito, a ordem secreta do mundo). Em vez de «compor vastos livros», preferiu «simular que esses livros já existem e oferecer um resumo, um comentário». Poeta maior, ensaísta agudíssimo e enciclopédico, escreveu dezenas de contos perfeitos, atravessados por tigres, espelhos, labirintos, simulacros e parábolas. Alguns dos mais geniais estão em Ficções: Tlön, Uqbar, Orbis Tertius; Pierre Menard, autor do Quixote; O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam; A Biblioteca de Babel.
------Nota - O Advento consta de O Ouro dos Tigres, 1972
Imagem - internet
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Algumas das competências do Presidente da República
Temos estado todos na expectativa sobre qual será a posição do Presidente da República quanto à decisão do Governo em aumentar a taxa social única em 7% para os trabalhadores e reduzir a mesma em 5,75% para as empresas. Uma associação anti-natura que levou a que milhares de pessoas viessem para a rua mostrar o seu descontentamento.
Sabemos que o Presidente da República já convocou o Conselho de Estado e, como é natural, está toda a gente a aguardar com ansiedade o resultado que sairá da reunião marcada para o dia 21 do corrente mês.
Enquanto isso, vejamos o que diz a Constituição Portuguesa sobre as suas competências, no sentido de avaliarmos a margem de manobra que a Lei Fundamental lhe concede, em relação a uma intervenção efectiva na resolução dos assuntos da Nação. Seguem-se algumas delas:
Sabemos que o Presidente da República já convocou o Conselho de Estado e, como é natural, está toda a gente a aguardar com ansiedade o resultado que sairá da reunião marcada para o dia 21 do corrente mês.
Enquanto isso, vejamos o que diz a Constituição Portuguesa sobre as suas competências, no sentido de avaliarmos a margem de manobra que a Lei Fundamental lhe concede, em relação a uma intervenção efectiva na resolução dos assuntos da Nação. Seguem-se algumas delas:
Artigo 133.º
Competência quanto a outros órgãos
Competência quanto a outros órgãos
c) Convocar extraordinariamente a Assembleia da República;
d) Dirigir mensagens à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
e) Dissolver a Assembleia da República, observado o disposto no artigo 172.º, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado;
f) Nomear o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 1 do artigo 187.º;
g) Demitir o Governo, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º, e exonerar o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 4 do artigo 186.º;
d) Dirigir mensagens à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
e) Dissolver a Assembleia da República, observado o disposto no artigo 172.º, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado;
f) Nomear o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 1 do artigo 187.º;
g) Demitir o Governo, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º, e exonerar o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 4 do artigo 186.º;
Artigo
134.º
Competência para prática de actos próprios
b) Promulgar e mandar publicar as leis, os
decretos-leis e os decretos regulamentares, assinar as resoluções da Assembleia
da República que aprovem acordos internacionais e os restantes decretos do
Governo;
c) Submeter a referendo questões de relevante interesse nacional, nos termos do artigo 115.º, e as referidas no n.º 2 do artigo 232.º e no n.º 3 do artigo 256.º;
c) Submeter a referendo questões de relevante interesse nacional, nos termos do artigo 115.º, e as referidas no n.º 2 do artigo 232.º e no n.º 3 do artigo 256.º;
e) Pronunciar-se sobre todas as emergências graves
para a vida da República;
g) Requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação
preventiva da constitucionalidade de normas constantes de leis, decretos-leis e
convenções internacionais;
h) Requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de
normas jurídicas, bem como a verificação de inconstitucionalidade por omissão;
Artigo
136.º
Promulgação e veto
1. No prazo de vinte
dias contados da recepção de qualquer decreto da Assembleia da República para
ser promulgado como lei, ou da publicação da decisão do Tribunal Constitucional
que não se pronuncie pela inconstitucionalidade de norma dele constante, deve o
Presidente da República promulgá-lo ou exercer o direito de veto, solicitando
nova apreciação do diploma em mensagem fundamentada.
2. Se a Assembleia da República confirmar o voto por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, o Presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua recepção.
Artigo
137.º
Falta de promulgação ou de assinatura
A falta de promulgação
ou de assinatura pelo Presidente da República de qualquer dos actos previstos
na alínea b) do artigo 134.º implica a sua inexistência jurídica.
Nota:
- O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República (artº 141º)
- Para ver as Competências do Presidente da República, na sua íntegra, queira aceder ao link 'Constituição Portuguesa' que se encontra no canto superior direito deste blog.
- O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República (artº 141º)
- Para ver as Competências do Presidente da República, na sua íntegra, queira aceder ao link 'Constituição Portuguesa' que se encontra no canto superior direito deste blog.
sábado, 15 de setembro de 2012
A manhã raia. Não: a manhã não raia
A manhã raia. Não: a manhã não raia.
A manhã é uma cousa abstracta, está, não é uma cousa.
Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui.
Se o sol matutino dando nas árvores é belo,
É tão belo se chamarmos à manhã «começarmos a ver o sol»
Como o é se lhe chamarmos a manhã;
Por isso não há vantagem em pôr nomes errados às cousas,
Nem mesmo em lhes pôr nomes alguns.
A manhã é uma cousa abstracta, está, não é uma cousa.
Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui.
Se o sol matutino dando nas árvores é belo,
É tão belo se chamarmos à manhã «começarmos a ver o sol»
Como o é se lhe chamarmos a manhã;
Por isso não há vantagem em pôr nomes errados às cousas,
Nem mesmo em lhes pôr nomes alguns.
Alberto Caeiro
(F.Pessoa)
In Poemas Inconjuntos - Casa Fernando Pessoa
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Filhos da Pátria
Há na cena musical um grupo rapper vigoroso e contundente que dá pelo nome de 'Mundo Escuro' e que lançou agora, nos primeiros dias de Setembro, o seu primeiro E.P. A música promocional do mesmo chama-se 'Filhos da Pátria'. Nela o grupo aponta o dedo ao desnorte que assola este país, ilustrando-o com imagens de acontecimentos que estiveram na ordem do dia, ultimamente.
Este grupo pretende passar uma mensagem de reconstrução social, fazendo das palavras a sua arma. É composto por três MC's. Escrevem e interpretam as suas próprias rimas.
Ei-los numa interpretação, imperdível, do momento actual. Uma intervenção impressionante que marca, em crescendo, o ritmo das nossas urgências. Vale a pena ouvi-los:
Ei-los numa interpretação, imperdível, do momento actual. Uma intervenção impressionante que marca, em crescendo, o ritmo das nossas urgências. Vale a pena ouvi-los:
E, podem crer, eles não são parcos em palavras. Em todos os momentos do E.P., percorrem vários assuntos tabu da sociedade global como o racismo, a xenofobia, a discriminação nos seus múltiplos aspectos. A nível nacional focam dois dos problemas que mais nos preocupam: O desemprego, a emigração.
Em entrevista, no passado dia cinco, do programa 'Rumos', RTP-África, esta banda expõe alguns dos seus objectivos, em especial, o de fazer chegar às pessoas a sua convicção de que para a frente é que é o caminho.
Programa 'Rumos' - RTP-África:http://www.rtp.pt/play/p841/rumos
http://www.facebook.com/mundoescuro
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Apelo
Vem,
pelas altas sendas da terra, minha amada,
traz a magnólia dos paraísos perdidos,
e na garganta altiva um colar de orvalho
e âmbar,
vem, antes que seja tarde e
o tigre venha banhar-se na água azul dos
teus lagos,
resguarda o jasmim do teu corpo,
as suas doces colinas semeadas,
vem,
agora que já canta o invisível pássaro do
poema e das estrelas,
agora que estou só
no cais dos dias atlânticos e longos
vem,
embarca neste veleiro que parte,
ninguém sabe para onde,
levando os teus olhos tristes que não
voltarei a ver.
José Agostinho Baptista (1948)
Anjos Caídos(Poemário 2012)
O poeta nasceu em 1948, no Funchal (ilha da Madeira). Com 21 anos, veio para Lisboa, onde iniciou a sua carreira literária. Colaborou em alguns jornais, vendo o seu nome como poeta figurar no suplemento «Juvenil» do Diário de Lisboa. Em 1976, publicou Deste Lado onde, o seu primeiro livro. Em 2000, reuniu o conjunto da sua obra num único volume, intitulado Biografia.
Além de poeta, José Agostinho Baptista é responsável pela tradução para português de alguns autores de língua inglesa, como Walt Whitman e Tennessee Williams.(Instituto Camões)
Imagem: internet
terça-feira, 4 de setembro de 2012
Receita para salvar o mundo...ou apenas ser feliz
Já devem ter reparado que este tema, mundo, está a tornar-se demasiado recorrente neste espaço.Tenham paciência, por mais umas linhas. O pior é que desta vez é crise e mundo, mundo e crise. Isto não ajuda nada. Mas lá para o fim apresento propostas irrecusáveis ... plus ou moins.
Achei interessantíssimo o desabafo deste poeta, desabafo que poderíamos subscrever na íntegra e acrescentar-lhe ainda mais alguns pormenores. Como o próprio refere, não se lembra se é uma receita para salvar o mundo ou apenas ser feliz, mas que não apresenta grandes resultados. Valerá como exercício, digo eu.
Achei interessantíssimo o desabafo deste poeta, desabafo que poderíamos subscrever na íntegra e acrescentar-lhe ainda mais alguns pormenores. Como o próprio refere, não se lembra se é uma receita para salvar o mundo ou apenas ser feliz, mas que não apresenta grandes resultados. Valerá como exercício, digo eu.
Queixas de um utente
Pago os meus impostos, separo o lixo,
já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à minha família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
Pago os meus impostos, separo o lixo,
já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à minha família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
Já não me lembro se o médico
Me disse ser esta receita a indicada
Para salvar o mundo ou apenas
Ser feliz. Seja como for,
Não estou a ver resultado nenhum.
Crítica social mordaz e oportuna, o poema faz-nos sorrir e se, por um lado, encontramos pontos coincidentes com o dia-a-dia de muita gente, por outro, convida-nos a pensar em milhentas de coisas que poderíamos fazer para alegrar os nossos dias. Poderemos elaborar uma extensa lista delas. Acredito que ainda temos escapatória. O conceito de felicidade é bastante relativo. Ela poderá estar em pormenores que, à primeira vista, parecerão insignificantes para alguns de nós, mas de grande relevância para tantos outros.
Sem grande esforço encontrei uma lista com tudo ou quase tudo, tesourinhos que nos levarão a acreditar que a vida merece ser vivida, sorvendo todos os momentos. Claro que teremos de adaptar o que é adaptável, retirando umas coisitas ou acrescentando outras, conforme a maneira de ser de cada um, e desejando com veemência algumas outras, como o aumento do salário e o dia de pagamento, passe o materialismo. Aqui vão algumas destas propostas:
As coisas boas da vida são simples
Sapatos velhos, de couro;
Comida de mãe;
Abraço de filho;
Aumento de salário;
Colo de avó;
Calcinha velha;
Sutiens novos;
........
Caminhar à noite;
Virar para o canto na hora de acordar;
Travesseiro cheiroso;
Havaianas, as legítimas;
Cobertor do tempo de criança;
Comida de mãe;
Abraço de filho;
Aumento de salário;
Colo de avó;
Calcinha velha;
Sutiens novos;
........
Caminhar à noite;
Virar para o canto na hora de acordar;
Travesseiro cheiroso;
Havaianas, as legítimas;
Cobertor do tempo de criança;
O primeiro beijo;
Café com rosca;
Pão com mortadela;
Coca-cola, de garrafinha;
Calça jeans nº 38
Jô Soares;
Namoro novo;
Amigo de infância;
Saudade boa;
Noite de sono;
Penúltimo capítulo de novela das 8h;
Casa limpa;
Noite de sono bem perdida;
Banheiro grande;
Café da manhã em
hotel;
Sol no inverno;
…….
Espelho camarada;
Colcha de retalhos;
Roupa preta;
Cabelo escovado;
Namorado romântico;
Enxoval de bebê;
Sexo com amor;
Segundo encontro;
Telefonema no dia seguinte;
Fazer amor de manhãzinha;
Carne de porco;
Paquerar um amigo;
Dia de pagamento;
Promoção daquela marca cara de sapatos;
Amizade nova;
Viagem para a praia;
Acordar para trabalhar e se lembrar que é domingo;
Anel de compromisso;
……..
Bronzeado Gabriela Cravo e Canela;
…….
Perder aqueles 2 quilinhos!
Depois de terminado este post, li por acaso, uma entrevista de Mia Couto, na revista Visão da última semana, e retive estas suas palavras:
Das várias vezes que tenho vindo a Portugal sempre me falam da crise..Mas agora as pessoas incorporaram esse sentimento - como se a crise fosse uma casa e já estivessem a morar nela, o que me perturbou.
Tratemos, pois, de sacudir esta coisa antes que ela se transforme numa segunda pele...
Queixas de um utente, de:José Miguel Silva;
Excerto de:As coisas boas da vida são simples: Fabiane Ponce, em O Pensador.
Imagens da internet. Serão retiradas se implicarem direitos de autor ou de imagem.