segunda-feira, 23 de abril de 2012

...de todas as horas

Ao meu lado, sempre. Mesmo agora, no comboio, olho-o com interesse e vislumbro nele uma visão da vida completamente nova, com um travo algo absurdo, porém, completamente exequível no âmbito de grandes lucubrações filosóficas. 
L'âme, dit-il, contrairement à ce que tu crois, l´âme est extérieure; elle enveloppe et imprègne le corps, et comme un fluide enveloppe la matière, chez certains hommes l'âme peut devenir visible, l'air qui les entoure se colorer. Il est des êtres dont l'âme est une exhalation continue, dont l'âme est d'une sensibilité extrême: ils sentent en eux l'univers entier. C'est de là aussi que naissent des sympathies subites, lorsque deux âmes viennent à se toucher, avant même que la matière soit contact.
Fico por momentos pensativa. Sinto-o aqui, acompanhante solícito, figura omnipresente a indicar-me caminhos por desbravar. Faço-lhe um afago e sorrio-lhe agradecida. Através da janela, vejo as árvores a passarem em sentido contrário, sugerindo-me um quase regresso ao passado. Parece que me lê no olhar alguma saudade do tempo em que, ainda menina, adolescente, tateava as primeiras descobertas e ensaiava os tons e os sons de um mundo em constante  mutação. Um mundo em que, pela sua mão, ia ultrapassando os obstáculos normais de uma alma sedenta de conhecimento, colocando tantas questões... Com voz doce, segreda-me: 
Cette âme, cette âme immense qui voyage de monde en monde, et qui recrée le printemps en chaque être, cette âme est tout. Le reste est insignifiant. C'est elle qui nous dévore, qui fait de la mort la vie, et de la vie la mort.
Coloco-o no regaço, mas ainda assim volto a folheá-lo, vejo-lhe a capa, a lombada, o título, a edição, nem sempre apresenta o mesmo aspecto físico, mas é sempre ele, o livro, o meu amigo de todas as horas.


Nota: Em itálico, passagens de Humus, Raúl Brandão, pgs. 20 e 22.Traduction du portugais et préface de Françoise Laye. Fondation Calouste Gulbenkian.     

19 comentários:

  1. Nunca tinha reflectido sobre a hipotese de ser o corpo envolto pela alma, e não o contrário.
    Faz toda a lógica minha Amiga Olinda, sobretudo, se pensarmos, tal como referes, que são sempre as almas que se tocam, antes mesmo de os corpos se aproximarem.
    Muito obrigado, minha Amiga, por este pedaço de infinito...

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    1. Olá,Bartolomeu

      Sabes como aprecio as tuas reflexões, nas quais colocas em perspectiva ideias consideradas como dados adquiridos.Levas-nos a um agradável exercício que agiliza o raciocínio e saímos, sempre, a ganhar com isso.
      Por isso, eu é que te agradeço o teres vindo aqui ler e comentar este meu pequeno texto.

      Abraço, amigo.

      Olinda

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  2. Andei à procura do traductor pois apenas sei português e mal. Como não encontrei fiquei na ignorância, mas isso não me impede de achar que sim tem razão, um livro é sempre um amigo e um companheiro em qualquer hora.
    Um abraço e uma boa semana

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    1. Querida Elvira

      Sempre modesta! E a menina escreve tão bem.É sempre com agrado que leio a saga 'Manuel ou a sombra de um povo', com episódios publicados todas as semanas, na qual apresenta uma História Comparada de fazer inveja...
      E ainda por cima, tendo como a tenho a suspeita de que Manuel é uma pessoa bem real.:)

      Obrigada.

      Beijinhos

      Olinda

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  3. Querida Olinda:
    Não me lembro de mim, sem um livro por perto. Primeiro, livros com imagens, de que eu inventava histórias. Comecei a ler muito cedo. Primeiro, as letras grandes do Jornal. Depois, a pouco e pouco, fui formando palavras, frases. Quando fui para a escola, já lia bem.
    Crescendo rodeada de livros, é-me impossível viver sem eles. Para onde vou, lá vai um livro, às vezes dois.
    Achei graça, à ideia da alma por fora. Não acho descabido.
    Raúl Brandão traduzido para francês? Julgava-o mais esquecido e fiquei feliz de me ter enganado.
    Beijinho amiga
    Maria

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    1. Minha amiga Maria

      Tal e qual como eu me lembro de mim.Preteria os livros para a minha idade e lia os livros que os meus pais liam, autores do sec. XIX, como Júlio Dinis,Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós e tantos outros, bem como autores estrangeiros. Lembro-me de uns dizeres de um romance de Lamartine, 'Regina e Graziela': 'Para quê recordar os dias do passado? Pranteiam o vento e o mar a triste sorte, não chores coração amargurado medita nesta morte.' (isto foi quando o protagonista voltou e a amada já tinha morrido, provavelmente porque ele a abandonou.)
      Pois é, este livro de Raúl Brandão chegou-me às mãos através da minha filha.Foi-lhe oferecido.Também eu fiquei surpresa quando o vi, vertido para o francês. Excelente tradução e prefácio. Edição de 1981.

      Beijinhos

      Olinda

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  4. Querida Olinda

    Um texto magnífico sobre o Amigo, o Companheiro, o Mestre, que sempre existiu num Livro.
    Li tudo o que tinha letras. Não escolhi temas, nem era esquisito. Afinal, nem 4 anos tinha!...
    O livro é como o Pai: mesmo distante continua presente.

    Beijos

    SOL
    http://acordarsonhando.blogspot.pt/

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  5. Caro Sol da Esteva

    Completamente em sintonia.É um excelente hábito que nos acompanha pela vida fora, porque é capaz de preencher todos os momentos.
    O Sol era pequenino e lia tudo, menino precoce. Imagine, eu ainda tenho fases em que não escolho temas. Conforme a disposição de espírito, embarco em livros policiais, culinária, humor, enfim, o que vier. :) Não há dúvida que a leitura é grande aventura.

    :)

    Abraço.

    Olinda

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  6. Um bom amigo, sempre o Livro.
    L'âme Est Plus Fort Que La Mort.

    Beijinho

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    1. Querida Na

      Uma grande verdade, querida Na.

      Obrigada.

      Bjs

      Olinda

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  7. Não sou muito de ler livros....Devoro jornais e revistas...
    São vícios que já não desaparecem...
    Beijo

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    1. Tem razão, Andradarte, não desaparece. :)

      Abraço

      Olinda

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  8. Raúl Brandão

    O doido e a morte

    encenei

    Boa memória

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  9. Raúl Brandão

    O doido e a morte

    encenei

    Boa memória

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    1. Olá, Mar Arável

      Não conhecia. Excelente informação.
      Gostei de saber dessa sua vertente de encenador. ;)

      Abraço

      Olinda

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  10. No dia do livro...o livro como mestre, num texto maravilhoso que perspectiva a alma como exterior...
    Gostei muito de a ler, como sempre.

    bjs

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    1. Querida Ana

      É sempre um prazer vê-la aqui no Xaile e comentando os meus posts.

      :)

      Beijo

      Olinda

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  11. Belo post. O Livro é isso mesmo, um companheiro de todas as horas.
    Bjs

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    1. Sim, querida Teresa o amigo sempre presente.

      :)

      Bj

      Olinda

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