sexta-feira, 26 de abril de 2024

The day after...

Ou os dias que se seguiram...

Depois da euforia da libertação de mentes e de corpos, depois de 48 anos* de ditadura, depois das guerras de libertação, depois de tantas mortes, de jovens estropiados tanto cá como lá, de famílias desmembradas, a alegria e o espanto tomaram conta das pessoas em todo o espaço português e africano. Devemo-lo aos capitães do exército português, fartos de serem mandados para lutar em terras de outrem e aos movimentos africanos que pegaram em armas para exigir o que era seu de direito. 

Depois do golpe militar havia que descortinar o que fazer aos presos políticos, libertá-los logo ou ponderar os prós e os contras, isto é, distinguir aqueles que se encontravam detidos por motivos ideológicos dos que eram réus de crimes comuns... Havia que resolver os problemas cá dentro que eram muitos. 

Era o PREC, processo revolucionário em curso, era a reforma agrária, eram as aspirações do povo tanto tempo amordaçado e também os saneamentos e exílios decorrentes da nova ordem política. Mas havia as colónias que ansiavam há muito pela recuperação dos seus territórios. Muito a fazer, com a pressão do acontecimento histórico, trabalho dos partidos políticos que, entretanto, saíram da sombra imposta pelo regime.


Assinatura do Acordo do Alvor


Tempos complicados esses das negociações. 

Refiro apenas o Acordo do Alvor (Janeiro de 1975) assinado entre o governo português e os principais movimentos de libertação de Angola — Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) — em Janeiro de 1975, em Alvor, no Algarve. O acordo estabeleceu os parâmetros para a partilha do poder, ou seja, foi estabelecido com o propósito de equilibrar o poder entre os três movimentos acima já mencionados após a obtenção da independência de Angola, tida como necessária pelos dirigentes do novo regime português. 

Faltam aqui o PAIGC, (Guiné e Cabo Verde), a FRELIMO, (Moçambique), MLSTP (São Tomé e Príncipe)... Outros Acordos foram sendo assinados entre representantes portugueses e movimentos africanos.

Almeida Santos nas suas "Quase Memórias: Esta é a minha Verdade!", dois volumes, fala sobre esses tempos. Falei desta obra aqui
Estas são as palavras que vêm na contra-capa:

"Longa como as estradas da Galileia foi esta digressão pelo estertor do colonialismo e pelo dossier da descolonização. A partir de agora, este livro deixa de ser meu. Não faço a menor ideia de como possa ser acolhido pela opinião pública portuguesa. Talvez agrade a alguns. Desagradará necessariamente a muitos, tão amargas são algumas das recordações que evoca. Mas, quem se põe a remexer na história, não pode satisfazer-se só com uma parte dela. Não pode deixar de tentar ser exaustivo, objectivo e verdadeiro. Esta é a minha verdade sobre o estertor do colonialismo e sobre o dossier da descolonização; sobre os mais salientes acidentes do processo revolucionário posterior a Abril que lhe determinaram o tempo, o modo e o resultado final. Deixo ligados a tudo isso inolvidáveis momentos da minha vida. Nem todos agradáveis. Apesar disso, foi reconfortante recordá-los."

De ler. Uma verdade vista pelos olhos de quem se encontrava comprometido com a situação, mas os factos estão lá e a coragem de quem resolveu expô-los.

Boa sexta-feira, meus amigos.

Abraço
Olinda



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Imagem: Net

Nota:"As motivações da criação do Movimento dos Capitães começaram por estar relacionadas com problemas de carreira e com o descontentamento crescente nas Forças Armadas pela manutenção da guerra..." aqui

*Incluídos os períodos da Ditadura Militar, de 1926 a 1928, e da Ditadura Nacional, de 1928 a 1933. Alguns historiadores designam como sendo Ditadura Militar o período de 1926 a 1933. Com o tempo da ditadura do Estado Novo perfazem 47 anos, dez meses e vinte e quatro dias, pelas contas de José Cardoso Pires. aqui


6 comentários:

  1. Bom dia de Paz, querida amiga Olinda!
    "Fartos de serem mandados para lutar em terras de outrem...
    pegaram em armas para exigir o que era seu de direito."
    Pode-se dizer que lutaram em "legítima defesa".
    "Ponderar os prós e os contras" é atitude salutar em todas circunstâncias.
    "Resolver os problemas cá dentro", outra sábia decisão.
    Não pudemos pagar pelo que está alheio ao que é nosso e tão nosso.
    Detentos e prisioneiros políticos têm questões distintas e precisam de atenção específica.
    "Quem se põe a remexer na história, não pode satisfazer-se só com uma parte dela".
    Perfeita colocação.
    Sempre vamos pelo lado que nos convém...
    O comprometimento com uma determinada questão é o principal fator do sucesso de todo Projeto digno.
    Um belíssimo apanhado do "Dia de Ontem ".
    Tenha dias abençoados!
    Beijinhos com carinho fraterno

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  2. Não foi fácil mas a Democracia consolidou-se e a descolonização também!

    Abraço

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  3. A nossa história recente fará deste período uma referência no que se vier a estudar no futuro, nas nossas escolas, quando as sensibilidades dos que o viveram, por já terem desaparecido, o permitir
    Um abraço.

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  4. Olá, amiga Olinda,
    Faz aqui uma excelente resenha ao que foi este processo da descolonização, após o 25 de Abril de 1974, O tratado do Alvor.
    Foi graças ao 25 de Abril que tudo isto foi possível de concretizar, com as suas virtudes e defeitos.
    Excelente texto!

    Deixo os meus votos de feliz fim de semana, com muita saúde e paz.
    Beijinhos de amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

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  5. Grata pela partilha deste contar sobre o processo de descolonização que segue caminhando, pois têm muitos aspectos interiorizados que são amarras. Bom final de dia.
    Aproveito para convidar para a segunda roda de conversa com o tema Passagem. Deixo o link aqui:
    https://pensandoemfamilia.com.br/biblioterapia/2a-roda-de-conversa/

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  6. Muito pertinente e de grande rigor!
    Sempre que vou ao Alvor - e agora faço-o por motivos familiares com grande frequência - falamos destes acordos do Alvor.
    Não li a obra de que fala. Mas agora, com mais tempo, hei-de fazê- lo.
    Um beijo

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