- Meu pai, o que é a liberdade?
- É o seu rosto, meu filho,
o seu jeito de indagar
o mundo a pedir guarida
no brilho do seu olhar.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto da vida
que a vida quis desvendar.
É sua irmã numa escada
iniciada há milênios
em direção ao amor,
seu corpo feito de nuvens
carne, sal, desejo, cálcio
e fundamentos de dor.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto do amor.
- Meu pai, o que é a liberdade?
A mão limpa, o copo d’água
na mesa qual num altar
aberto ao homem que passa
com o vento verde do mar.
É o ato simples de amar
o amigo, o vinho, o silêncio
da mulher olhando a tarde
- laranja cortada ao meio,
tremor de barco que parte,
esto de crina sem freio.
- Meu pai, o que é a liberdade?
É um homem morto na cruz
por ele próprio plantada,
é a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
É Cuauhtemoc a criar
sobre o brasileiro que o mata
uma rosa de ouro e prata
para altivez mexicana.
São quatro cavalos brancos
quatro bússolas de sangue
na praça de Vila Rica
e mais Felipe dos Santos
de pé a cuspir nos mantos
do medo que a morte indica.
É a blusa aberta do povo
bandeira branca atirada
jardim de estrelas de sangue
do céu de maio tombadas
dentro da noite goyesca.
É a guilhotina madura
cortando o espanto e o terror
sem cortar a luz e o canto
de uma lágrima de amor.
É a branca barba de Karl
a se misturar com a neve
de Londres fria e sem lã,
seu coração sobre as fábricas
qual gigantesca maçã.
É Van Gogh e sua tortura
de viver num quarto em Arles
com o sol preso em sua pintura.
É o longo verso de Whitman
fornalha descomunal
cozendo o barro da Terra
para o tempo industrial.
É Federico em Granada.
É o homem morto na cruz
por ele próprio plantada
e a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
- Meu pai, o que é a liberdade?
A liberdade, meu filho,
é coisa que assusta:
visão terrível (que luta!)
da vida contra o destino
traçado de ponta a ponta
como já contada conta
pelo som dos altos sinos.
É o homem amigo da morte
Por querer demais a vida
- a vida nunca podrida.
É sonho findo em desgraça
desta alma que, combalida,
deixou suas penas de graça
na grade em que foi ferida...
a liberdade, meu filho,
é a realidade do fogo
do meu rosto quando eu ardo
na imensa noite a buscar
a luz que pede guarida
nas trevas do meu olhar.
Moacyr Félix
1926-2005
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in 'Canto para As Transformações do Homem' (Citador)
Dos nomes referidos no poema os que eu desconhecia:
-Cuauhtémoc (1502 - 1525), Wiki
-A Revolta de Filipe dos Santos — episódio também conhecido como Revolta de Vila Rica. Considerado um dos precursores da chamada Inconfidência Mineira. Wiki
Deixei-me encantar com este poema de um poeta que desconhecia por completo.
ResponderEliminarAbraço
Gratíssima pelo teu trabalho pois não conhecia poema
ResponderEliminare gostei de o ler.
Os brasileiros têm passado tempos muito atribulados
no que concerne à liberdade, devido à violência e
abusos de poder.
Beijinhos, estimada Olinda.
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Magnífico poema de Moacyr Félix, autor que desconheço.
ResponderEliminarA liberdade é tudo e está dentro de nós. É "A mão limpa, o copo d’água na mesa qual num altar aberto ao homem que passa com o vento verde do mar.
É o ato simples de amar" Achei maravilhoso, minha Amiga.
Um beijo.
Olá, Olinda!
ResponderEliminarQue poema mais lindo tudo partilhas minha amiga. Obrigada!
Não conhecia e amei!
"Meu pai, o que é a liberdade?" Fico-me com a dor do silêncio.
O que vale é que posso voltar sempre aqui.
Beijo, minha amiga. Bom resto de semana; colorida primavera.
Querida Olinda
ResponderEliminarConfesso que não conheço o poeta, embora o seu nome não me seja totalmente estranho.
Tenho muitas amigas e amigos brasileiros e, logicamente, a cultura brasileira é abordada nos nossos contactos.
Achei o poema muito bom, embora certos pormenores me tenham "passado ao lado". Mas a sua essência é perfeitamente compreensível. Hoje em dia muitos brasileiros se perguntam, não "o que é a Liberdade" mas sim "ONDE está a Liberdade".
Excelente postagem.
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
um verdadeiro Tratado sobre a Liberdade.
ResponderEliminarque a forma poética lhe confere uma dimensão de "eficácia"
que apenas a verdadeira obra de arte atinge.
gostei muito, amiga Olinda
grato pela partilha.
abraço
Caros amigos leitores,
ResponderEliminarconvidamos-vos a ler o capítulo 12 da nossa história escrita a várias mãos "Janelas de Tempo"
https://contospartilhados.blogspot.com/2018/09/janelas-de-tempo-capitulo-12.html
Votos de excelente fim-de-semana.
Saudações literárias!
Este é para ler absorvendo aos poucos. Belo poema, um abraço, Olinda.
ResponderEliminarMoacyr Felix surpreende com um conceito a que ninguém fica indiferente. E todos almejamos. A liberdade é o grande amor da poesia. Com ela e por ela somos tudo o que quisermos.
ResponderEliminar"É Van Gogh e sua tortura
de viver num quarto em Arles
com o sol preso em sua pintura. "
Amei, minha querida Olinda.
Beijinhos.
Olá, estimada Olinda!
ResponderEliminarNão conheço nem nome, nem vida, nem obra deste escritor e intelectual brasileiro, daí ter feito algumas pesquisas para entender esta poesia e o seu pensamento, de forma razoável.
Na Wikipédia pouco nos é dito, mas qdo quis ver alg. imagens deste homem, aparecem-me artigos completíssimos acerca dele e da sua personalidade. É dado como um homem bom e um bom homem, amigo do seu semelhante e academicamente licenciou-se em Direito. Viajou, como é normal, nestes casos, e aí conheceu gente ligada à cultura da época.
Contestatário e reivindicativo, escreveu crónicas no jornal do antigo Partido Comunista Brasileiro, teceu duras críticas ao sistema, mas não conseguiu mudar o mundo. Eles e outros, vão com a sua tenacidade e "teimosia" mudando algumas situações, isso é verdade, mas há mto para fazer ainda e não sei mesmo se os ideias, todos, se realizarão.
Este poema fala de tudo um pouco, com tónica para a questão do filho colocada ao pai: "o que é a liberdade"?
Nas inteligentes e poéticas respostas, que o pai lhe vai dando, aparece mta ternura e tb situações menos boas, mas, talvez, a criança não entenda (ainda bem). Não sei se este poema foi escrito com bases reais, ou seja, baseado em conversas entre pai e filho ou se foi mero alívio poético. De qualquer das formas e em ambas, o poema está completíssimo e abarca uma série de pessoas e situações.
O escritor vê a liberdade por dois prismas. O bom, o mto bom - o rosto e o olhar do seu amado filho, por exemplo, ou um copo de água limpa e fresca, que matará a sede a alguém, e o mau, o menos bom - algo, que atormenta e assusta, é luta não conseguida, desgraça e o fogo no seu rosto, que procura algo, talvez abrigo, luz na escuridão do olhar dele.
Beijos e dias mto felizes.
Um grande poema, de antologia.
ResponderEliminarNão conheço mais nada do autor, mas gostei imenso.
Obrigado pela partilha.
Olinda, bom feriado e bom fim de semana.
Beijo.
Pois, o conhecimento da Liberdade que nos chega através desta esclarecedora Poesia, deixa-nos a pensar que o "pai" conhece e sabe do legado que seria "obrigação moral" cada Ser receber.
ResponderEliminarActual, real e verdadeiro.
Parabéns pela selecção.
Beijo
Sol
Não conhecia. O que é um (grande) falha. Belíssimo poema. Gostei imenso. Obrigado, Olinda.
ResponderEliminarAbraço.
jorge
www.tintapermanente.pt
Uma escolha sublime, um poema maravilhoso.
ResponderEliminarObrigado pela partilha, desconhecia o poeta.
Boa semana
Beijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco
Meus amigos
ResponderEliminarAgradeço a vossa presença aqui, comentando, dando as vossas opiniões sobre este poema em que o autor aborda tema tão candente - a Liberdade. O poeta diz-nos que a Liberdade é o rosto do amor. Reside nas coisas simples. E também é coisa que assusta.
Realmente, só quando não nos é permitido sair livremente à rua, admirar e aspirar o ar fresco da manhã, sentarmo-nos numa esplanada e conversar com amigos, coisas simples que consideramos inerentes ao nosso modo de vida e a que temos direito, nessas ocasiões tomamos consciência de como a liberdade é preciosa. E assusta quando verificamos que não podemos ser simplesmente livres e, ainda, quando nos é negada a liberdade de dizer aquilo em que acreditamos, de apontar situações, de procurar soluções tendentes a melhorar a vida da sociedade. Muitos ao longo da História sofreram por causa disso e apostaram nessa missão a própria vida.
De memória curta e fazendo orelhas moucas, vamos deixando passar os sinais de que novos tempos se avizinham, aliás, tempos e situações já vividos no passado e que agora poderão apresentar-se com novas roupagens. O mundo assume-se como mero espectador como se tudo dissesse respeito a entidades fora da nossa órbita. A globalidade, a facilidade de comunicação, a própria tecnologia que, em princípio, deveria servir também para detectar tiques - tudo adormecido na mais penosa letargia.
Abraços
Olinda