quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Meu Pai, o que é a Liberdade?

- Meu pai, o que é a liberdade? 

- É o seu rosto, meu filho, 
o seu jeito de indagar 
o mundo a pedir guarida 
no brilho do seu olhar. 
A liberdade, meu filho, 
é o próprio rosto da vida 
que a vida quis desvendar. 
É sua irmã numa escada 
iniciada há milênios 
em direção ao amor, 
seu corpo feito de nuvens 
carne, sal, desejo, cálcio 
e fundamentos de dor. 
A liberdade, meu filho, 
é o próprio rosto do amor. 

- Meu pai, o que é a liberdade? 

A mão limpa, o copo d’água 
na mesa qual num altar 
aberto ao homem que passa 
com o vento verde do mar. 
É o ato simples de amar 
o amigo, o vinho, o silêncio 
da mulher olhando a tarde 
- laranja cortada ao meio, 
tremor de barco que parte, 
esto de crina sem freio. 

- Meu pai, o que é a liberdade? 

É um homem morto na cruz 
por ele próprio plantada, 
é a luz que sua morte expande 
pontuda como uma espada. 
É Cuauhtemoc a criar 
sobre o brasileiro que o mata 
uma rosa de ouro e prata 
para altivez mexicana. 
São quatro cavalos brancos 
quatro bússolas de sangue 
na praça de Vila Rica 
e mais Felipe dos Santos 
de pé a cuspir nos mantos 
do medo que a morte indica. 
É a blusa aberta do povo 
bandeira branca atirada 
jardim de estrelas de sangue 
do céu de maio tombadas 
dentro da noite goyesca. 
É a guilhotina madura 
cortando o espanto e o terror 
sem cortar a luz e o canto 
de uma lágrima de amor. 
É a branca barba de Karl 
a se misturar com a neve 
de Londres fria e sem lã, 
seu coração sobre as fábricas 
qual gigantesca maçã. 
É Van Gogh e sua tortura 
de viver num quarto em Arles 
com o sol preso em sua pintura. 
É o longo verso de Whitman 
fornalha descomunal 
cozendo o barro da Terra 
para o tempo industrial. 
É Federico em Granada. 
É o homem morto na cruz 
por ele próprio plantada 
e a luz que sua morte expande 
pontuda como uma espada. 

- Meu pai, o que é a liberdade? 

A liberdade, meu filho, 
é coisa que assusta: 
visão terrível (que luta!) 
da vida contra o destino 
traçado de ponta a ponta 
como já contada conta 
pelo som dos altos sinos. 
É o homem amigo da morte 
Por querer demais a vida 
- a vida nunca podrida. 
É sonho findo em desgraça 
desta alma que, combalida, 
deixou suas penas de graça 
na grade em que foi ferida... 
a liberdade, meu filho, 
é a realidade do fogo 
do meu rosto quando eu ardo 
na imensa noite a buscar 
a luz que pede guarida 
nas trevas do meu olhar. 

Moacyr Félix 

1926-2005


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in 'Canto para As Transformações do Homem' (Citador)
Dos nomes referidos no poema os que eu desconhecia:
-Cuauhtémoc (1502 - 1525),  Wiki
-A Revolta de Filipe dos Santos — episódio também conhecido como Revolta de Vila Rica. Considerado um dos precursores da chamada Inconfidência Mineira. Wiki

15 comentários:

  1. Deixei-me encantar com este poema de um poeta que desconhecia por completo.
    Abraço

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  2. Gratíssima pelo teu trabalho pois não conhecia poema
    e gostei de o ler.
    Os brasileiros têm passado tempos muito atribulados
    no que concerne à liberdade, devido à violência e
    abusos de poder.
    Beijinhos, estimada Olinda.
    ~~~~~

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  3. Magnífico poema de Moacyr Félix, autor que desconheço.
    A liberdade é tudo e está dentro de nós. É "A mão limpa, o copo d’água na mesa qual num altar aberto ao homem que passa com o vento verde do mar.
    É o ato simples de amar" Achei maravilhoso, minha Amiga.
    Um beijo.

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  4. Olá, Olinda!
    Que poema mais lindo tudo partilhas minha amiga. Obrigada!
    Não conhecia e amei!
    "Meu pai, o que é a liberdade?" Fico-me com a dor do silêncio.
    O que vale é que posso voltar sempre aqui.
    Beijo, minha amiga. Bom resto de semana; colorida primavera.

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  5. Querida Olinda
    Confesso que não conheço o poeta, embora o seu nome não me seja totalmente estranho.
    Tenho muitas amigas e amigos brasileiros e, logicamente, a cultura brasileira é abordada nos nossos contactos.
    Achei o poema muito bom, embora certos pormenores me tenham "passado ao lado". Mas a sua essência é perfeitamente compreensível. Hoje em dia muitos brasileiros se perguntam, não "o que é a Liberdade" mas sim "ONDE está a Liberdade".
    Excelente postagem.

    Continuação de boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  6. um verdadeiro Tratado sobre a Liberdade.
    que a forma poética lhe confere uma dimensão de "eficácia"
    que apenas a verdadeira obra de arte atinge.

    gostei muito, amiga Olinda
    grato pela partilha.

    abraço

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  7. Caros amigos leitores,

    convidamos-vos a ler o capítulo 12 da nossa história escrita a várias mãos "Janelas de Tempo"
    https://contospartilhados.blogspot.com/2018/09/janelas-de-tempo-capitulo-12.html

    Votos de excelente fim-de-semana.
    Saudações literárias!

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  8. Este é para ler absorvendo aos poucos. Belo poema, um abraço, Olinda.

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  9. Moacyr Felix surpreende com um conceito a que ninguém fica indiferente. E todos almejamos. A liberdade é o grande amor da poesia. Com ela e por ela somos tudo o que quisermos.
    "É Van Gogh e sua tortura
    de viver num quarto em Arles
    com o sol preso em sua pintura. "

    Amei, minha querida Olinda.
    Beijinhos.

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  10. Olá, estimada Olinda!

    Não conheço nem nome, nem vida, nem obra deste escritor e intelectual brasileiro, daí ter feito algumas pesquisas para entender esta poesia e o seu pensamento, de forma razoável.

    Na Wikipédia pouco nos é dito, mas qdo quis ver alg. imagens deste homem, aparecem-me artigos completíssimos acerca dele e da sua personalidade. É dado como um homem bom e um bom homem, amigo do seu semelhante e academicamente licenciou-se em Direito. Viajou, como é normal, nestes casos, e aí conheceu gente ligada à cultura da época.

    Contestatário e reivindicativo, escreveu crónicas no jornal do antigo Partido Comunista Brasileiro, teceu duras críticas ao sistema, mas não conseguiu mudar o mundo. Eles e outros, vão com a sua tenacidade e "teimosia" mudando algumas situações, isso é verdade, mas há mto para fazer ainda e não sei mesmo se os ideias, todos, se realizarão.

    Este poema fala de tudo um pouco, com tónica para a questão do filho colocada ao pai: "o que é a liberdade"?
    Nas inteligentes e poéticas respostas, que o pai lhe vai dando, aparece mta ternura e tb situações menos boas, mas, talvez, a criança não entenda (ainda bem). Não sei se este poema foi escrito com bases reais, ou seja, baseado em conversas entre pai e filho ou se foi mero alívio poético. De qualquer das formas e em ambas, o poema está completíssimo e abarca uma série de pessoas e situações.

    O escritor vê a liberdade por dois prismas. O bom, o mto bom - o rosto e o olhar do seu amado filho, por exemplo, ou um copo de água limpa e fresca, que matará a sede a alguém, e o mau, o menos bom - algo, que atormenta e assusta, é luta não conseguida, desgraça e o fogo no seu rosto, que procura algo, talvez abrigo, luz na escuridão do olhar dele.

    Beijos e dias mto felizes.

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  11. Um grande poema, de antologia.
    Não conheço mais nada do autor, mas gostei imenso.
    Obrigado pela partilha.
    Olinda, bom feriado e bom fim de semana.
    Beijo.

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  12. Pois, o conhecimento da Liberdade que nos chega através desta esclarecedora Poesia, deixa-nos a pensar que o "pai" conhece e sabe do legado que seria "obrigação moral" cada Ser receber.
    Actual, real e verdadeiro.
    Parabéns pela selecção.


    Beijo
    Sol

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  13. Não conhecia. O que é um (grande) falha. Belíssimo poema. Gostei imenso. Obrigado, Olinda.
    Abraço.
    jorge

    www.tintapermanente.pt

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  14. Uma escolha sublime, um poema maravilhoso.
    Obrigado pela partilha, desconhecia o poeta.
    Boa semana
    Beijinhos
    Maria
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  15. Meus amigos

    Agradeço a vossa presença aqui, comentando, dando as vossas opiniões sobre este poema em que o autor aborda tema tão candente - a Liberdade. O poeta diz-nos que a Liberdade é o rosto do amor. Reside nas coisas simples. E também é coisa que assusta.
    Realmente, só quando não nos é permitido sair livremente à rua, admirar e aspirar o ar fresco da manhã, sentarmo-nos numa esplanada e conversar com amigos, coisas simples que consideramos inerentes ao nosso modo de vida e a que temos direito, nessas ocasiões tomamos consciência de como a liberdade é preciosa. E assusta quando verificamos que não podemos ser simplesmente livres e, ainda, quando nos é negada a liberdade de dizer aquilo em que acreditamos, de apontar situações, de procurar soluções tendentes a melhorar a vida da sociedade. Muitos ao longo da História sofreram por causa disso e apostaram nessa missão a própria vida.
    De memória curta e fazendo orelhas moucas, vamos deixando passar os sinais de que novos tempos se avizinham, aliás, tempos e situações já vividos no passado e que agora poderão apresentar-se com novas roupagens. O mundo assume-se como mero espectador como se tudo dissesse respeito a entidades fora da nossa órbita. A globalidade, a facilidade de comunicação, a própria tecnologia que, em princípio, deveria servir também para detectar tiques - tudo adormecido na mais penosa letargia.

    Abraços

    Olinda

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