segunda-feira, 26 de março de 2018

Pobres dos nossos ricos

A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.

A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos "ricos". Aquilo que têm não detêm. Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. (...)

Os nossos endinheirados-às-pressas não se sentem bem na sua própria pele. Sonham em ser americanos, sul-africanos. Aspiram ser outros, distantes da sua origem, da sua condição. E lá estão eles imitando os outros, assimilando os tiques dos verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente ricos. Mas os nossos candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o mais simples dos dilemas: podem comprar aparências, mas não podem comprar o respeito e o afecto dos outros.(...)

Os nossos endinheirados dão uma imagem infantil de quem somos. Parecem crianças que entraram numa loja de rebuçados. Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação. Servem-se do erário público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância. a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista para com a pobreza. (...)


Excertos das páginas 23 a 26 do artigo publicado em Savana, Dezembro de 2002 - In: Pensatempos - Textos de opinião - Mia Couto, Editorial Caminho, SA, Lisboa, 2005.






Na contracapa:

Nestes Pensatempos transparece a preocupação de provocar debate, sugerindo alternativas inovadoras, questionando modelos de pensamento e interrogando os lugares-comuns que aprisionam o nosso olhar perante os desafios da actualidade. O prazer já encontrado na escrita de quem se diz estar reiventando a língua portuguesa ressurge agora no gosto de pensar o nosso mundo e o nosso tempo.






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23 comentários:

  1. Um grito do nosso tempo. Imagens que nos comandam. políticos que nos roubam e se lambuzam com o sangue do povo.

    Um povo se se sujeita sem lamentos nem revolta

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    1. Olá, Luís Coelho

      Muito contente com a sua vinda ao "Xaile de Seda".
      A sociedade do nosso tempo não nos dá motivos para grandes alegrias. A cada sucesso segue-se um sem número de falhanços em que os mais fracos ficam a perder. Cabe a todos nós trabalharmos no sentido de inverter esse estado de coisas e alcançar um mundo mais justo.

      BOA PÁSCOA!

      Abraço.

      Olinda

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  2. Olá, Olinda!
    Gosto muito de ler Mia Couto, mas não conhecia "Pensatempos".
    A força do primeiro parágrafo deste excerto - "A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos." basta para o comprar e devorar.
    É sempre bom passar por aqui.
    Beijo, amiga.

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    1. Boa tarde, Teresa

      Realmente, é um livro que nos atrai porquanto foca muitos aspectos da sociedade dos nossos dias, convidando-nos ao debate.

      BOA PÁSCOA, minha amiga.

      Beijinhos

      Olinda

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  3. Sou fã de Mia Couto, em todas as vertentes...
    Breves, muito breves as visitas, Olinda, devido a andanças literárias.
    Bjo de amizade

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    1. Olá, querida Odete

      Mesmo breves, aprecio muito as tuas visitas. :)
      Sucesso nas andanças literárias e BOA PÁSCOA.

      Beijinhos

      Olinda

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  4. Adorei conhecer aqui este " Pensatempos " de Mia Couto, um livro que gostarei de ler com toda a certeza. Este texto faz - me lembrar o Belmiro de Azevedo que dizia que a obrigação dos empresários era colocar o dinheiro em novos investimentos para assim contribuirem para a riqueza do pais e das pessoas. Não conhecia muito deste senhor, mas uma vez ouvi-o dizer mais ou menos isso e o certo é que ele levava uma vida simples, sem ostentação e criou muito emprego no nosso pais. Conheço gente assim aqui na região onde vivo, mas também conheço outros cujo dinheiro serve para ostentar e, o pior, interrogamo-nos muito sobre a origem dele. Quanto ao texto anterior, Olinda, cada vez me assusta mais essa exposição das pessoas nas redes sociais e fico impressionada como têm coragem de colocar certas coisas no face. Eu não tenho e não quero, mas os meus filhos têm só que são muito discretos e não colocam nada sobre a sua vida particular. Claro que temos de seguir as novas tecnologias, pois vieram facilitar muito a nossa vida, mas há que saber usá-las e não deixar que elas nos absorvam e nos escravizem. Amiga, muito obrigada por nos dares a conhecer este livro que nos alerta para estes perigos da sociedade moderna, a perda da nossa privacidade e o aumento desses " novos ricos " que muitas vezes são autêntico " parasitas, vivendo e enriquecendo à custa do sacrificio de tantos. Um beijinho e uma boa Páscoa.
    Emilia

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    1. Querida Emília

      Cada dia que passa mais me espanta a inconsciência de certas camadas da sociedade que teriam a responsabilidade de zelar pelo bem comum. Em vez disso, quase todos os dias temos notícias pouco abonatórias que nos colocam na situação incómoda de ter de desconfiar de tudo.

      Em relação ao texto anterior que aborda a nossa submissão à tecnologia, o que acontece é que muitos de nós já fazemos uso dela sem as devidas ressalvas. Infelizmente, o que já vem acontecendo quanto ao alegado aproveitamento indevido de dados é um alerta para o que num futuro não muito longínquo poderá ser sem retorno. Tempos muito difíceis nos aguardam se não nos capacitarmos de que tudo tem um limite e que todo esse mundo virtual, que nos é oferecido de bandeja, poderá virar-se irremediavelmente contra nós.

      Também te desejo Boa Páscoa ao lado dos teus.

      Beijinhos

      Olinda

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  5. Já conhecia...
    Está absolutamente com uma perfeição genial.
    Abraço grande, Amiga.
    Tudo pelo melhor.
    Beijo
    ~~~

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    1. Olá, Majo

      Um livro com temas que nos fazem pensar.

      Saúde.

      Bj

      Olinda

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  6. Não li este livro (confesso que li apenas a 'Raiz do Orvalho'). O que ele descreve como estigma da sua (moçambicana) sociedade, não será, afinal, a mesma desgraça da sociedade, no seu todo?
    A propósito: qual será a origem do disparate do anúncio da sia morte a 18 de Março passado?...
    abraço, Olinda!

    jorge

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    1. A sério? Parece que há quem tenha prazer em anunciar desgraças desse tipo. Espero que ele esteja de boa saúde.
      Quanto à situação da sociedade no seu todo, penso que o tema suscita debate levando-nos a interrogar-nos sobre o que se passará no nosso quintal.

      Boa Páscoa, Amigo Jorge Esteves.

      Abraço

      Olinda

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  7. Os "nossos" endinheirados são mais "inocentes" que o Capachinho Vermelho.
    Tadinhos!...

    não conhecia o texto. de que gostei muito

    abraço

    abra

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  8. Abraço, com todas as letras - que eu não sou de meias palavras! rss

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    1. Ou de palavra e meia, :)))

      Daqui, também um grande

      Abraço e Boa Páscoa.

      Olinda

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  9. Excelente crónica.
    Olinda, desejo-lhe uma Páscoa muito Feliz.
    Beijinhos
    Maria de
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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    1. Também lhe desejo uma Boa Páscoa, com muitas amêndoas e outras coisinhas doces. :)

      Beijinhos

      Olinda

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  10. Um texto cheio de grandes verdades.
    Ou não fosse ele escrito pelo grande Mia Couto.
    Continuação de boa semana e uma Páscoa Feliz.
    Um abraço.

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  11. Olinda, passei para desejar uma Santa Páscoa.
    Muita alegria, saúde e amor, amiga.
    (Nada de abusar das amêndoas, ta?!)
    Beijo.

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  12. Texto verídico e actual, tal como Mia Couto nos habituou.

    Convidamos-vos a ler o capítulo VII do nosso conto escrito a várias mãos "Voar Sem Asas"
    https://contospartilhados.blogspot.pt/2018/03/voar-sem-asas-capitulo-vii.html

    Votos de Feliz Páscoa!
    Saudações literárias

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  13. Olá, querida Olinda!

    Desde a publicação deste livro e até agora, já se passaram 16 anos e vejo, tristemente, que continua tudo igual.

    Vemos sempre Mia Couto como poeta, mas ele sabe mto bem aquilo que diz, tanto em poesia, qto em prosa.

    Não conhecia o livro, mas que está cheio de verdades e reflexões, isso não há k negar, nem contrapor.

    A ostentação é uma atitude nula, parola e desprovida de tudo.

    Qdo estava a ler o extrato do texto, pensei, imediatamente, em alg. políticos e em CR7. Assim é!

    Beijos, dias felizes e doces.

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  14. Mia Couto diz sempre as palavras certas e faz-nos reflectir. Um texto extraordinário e cheio de lucidez.
    Uma Páscoa cheia de bons momentos.
    Um beijo, Olinda minha Amiga.

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  15. Um texto escorreito e de grande atualidade. Na verdade, é sempre um prazer ler Mia Couto.

    Que a Páscoa tenha sido redentora, querida Olinda.
    Beijinho.

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