terça-feira, 14 de novembro de 2017

Pergunta-me





Pergunta-me 
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer 


In:Raiz de Orvalho

António Emílio Leite Couto, moçambicano, escritor, biólogo.
O seu novo livro: "O Bebedor de Horizontes" que o autor classifica como o seu maior desafio enquanto escritor. Confira, aqui.

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Poema: Citador
Imagem: Pixabay


4 comentários:

  1. Um belíssimo poema de um poeta que muito admiro, e de um livro que li e reli.
    Um abraço

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  2. Soube-me muito bem ler este poema do Mia Couto. Sou fã incondicional, por uma série de razões, mas que se resumem a isto: superior qualidade literária!
    Verifico que tens dado vida às palavras, ultimamente, bem ao contrário de mim, por manifesta falta de tempo.
    Bjo, Olinda

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  3. Olá Olinda!
    Já li romances e contos de Mia Couto, escritor de que gosto muito, mas nada de poesia.
    Vou procurar mais. Obrigada por me "abrires os olhos".
    Beijo.

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  4. Só pergunta quem se interessa.
    Excelente escolha, um poema lindíssimo.
    Beijinhos
    Maria de
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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