terça-feira, 15 de agosto de 2017

A Princesa Perfeitíssima e as Misericórdias (iv)

Eis-nos chegados a 15 de Agosto de 2017. Há sessenta dias fomos confrontados com notícias estarrecedoras. Lavravam-se incêndios em Pedrógão Grande que se estenderam a outras localidades, nos quais perderam a vida sessenta e quatro pessoas, encurraladas pelo fogo e pelo fumo, num sofrimento atroz.


Seguiram-se, como sabemos, debates e mais debates sobre as responsabilidades, as incúrias, as incompetências. O povo, solidário, desdobrou-se em actos de solidariedade. Eu, pessoalmente, não sei se essas ajudas já chegaram em pleno aos sobreviventes.

Todos os dias deflagram-se novos incêndios. Todos os dias vemos a aflição das pessoas que deitam mão a tudo para se defenderem dessa praga: mangueiras, baldes, pás, sem equipamento, só com a roupa que trazem no corpo, desamparados, perdidos no meio dessa desgraça. Bombeiros extenuados, gente descrente de tudo. Uma situação de calamidade pública que parece não ter fim, não se sabendo donde vem nem para onde vai. O que fazer?


Em 15 de Agosto de 1498, uma Mulher chamada Leonor, Rainha, coadjuvada por almas caridosas entre elas Frei Miguel de Contreiras*, iniciou uma obra que haveria de crescer e abranger todo o País, ao instituir uma Irmandade de Invocação a Nossa Senhora da Misericórdia, com sede na Sé de Lisboa. Ela teve o cuidado de que essa instituição contasse com cem homens de boa fama e sã consciência e vida honesta assumindo o compromisso de ajudar os mais desfavorecidos. O Compromisso originário da Misericórdia de Lisboa foi aprovado pelo Rei D. Manuel I e confirmado pelo Papa Alexandre VI.

São 397 as Misericórdias Nacionais e por aquilo que li regem-se pelos mesmos princípios, isto é, tendo na sua missão o objectivo de cumprirem as 14 Obras da Misericórdia que referi num dos primeiros posts, cuidando tanto do espírito como do corpo.

E então digo, apropriando-me das palavras de Martin Luther King: I have a dream. É o sonho de que apareça quem tome nas suas mãos as dores dos desvalidos, as dores de quem não tem para onde ir, que se vê acossado, que não tem um momento de descanso, que vê os seus entes queridos perecerem, que se vê açoitado por elementos da natureza ou por mão criminosa. 

Nos meus sonhos revejo a Rainha Dona Leonor** a desfazer-se das suas jóias para ajuda nas suas obras de misericórdia, colocando o bem-estar dos desfavorecidos acima das vaidades deste mundo. Li que a palavra misericórdia quer dizer "dar o coração" e é nesta óptica que vejo as Misericórdias a responderem presente neste momento de grande sofrimento, pondo de lado burocracias que embotam os sentimentos. Isto, sem querer pôr em causa as obras meritórias que essas instituições desenvolvem na sociedade.
Urge que uma entidade, livre da pesada máquina do Estado, vá para o terreno prestar apoio atempado e efectivo nesses casos de calamidade pública.

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*Maria de Lourdes Amorim apresenta-no-lo como co-fundador.**Referi no post anterior a suspeita sobre o envenenamento de D.João II. Ficou provado que este rei morreu vítima de um ataque de urémia, por sofrer de nefrite crónica. p.149

10 comentários:

  1. Querida Olinda, estes incêndios abalam-nos a todos e os ventos têm contribuido para que sejam piores que os anteriores, mas, penso que ninguém duvida de que são causados por mão criminosa; as matas estão sujas, algumas abandonadas, mas nada arde sem que lhe acendam um fósforo. Há de certeza interesses económicos por trás de toda esta desgraça.
    Estou a gostar muito de todas estas informações sobre as Misericórdias e adorei saber o significada, " dar o coração " . Ser misericordioso, é isso mesmo, " dar o coração " ao outro; quando se ajuda com o coração faz-se sem esperar nada em troca, a não ser satisfação pessoal pelo bem feito. Querida amiga, muito obrigada pelos belos e enriquecedores posts e desejo que estejas bem de saúde, assim como todos os teus. Um beijinho
    Emilia

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  2. Misericórdia, é o conceito maior para demonstrar Amor ao próximo, sem "parar" noutros pensamentos. A Instituição formal, não aproveita a necessidade imediata.
    Não sei se, institucionalmente, há (ou houve) um acto de misericórdia para com as vítimas das tragédias que nos assolam.


    Beijo
    SOL

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  3. Sabe amiga as misericórdias, infelizmente já não se regem
    por esses princípios.Pelo menos algumas que eu conheço.
    Se for pobre e quiser ir para um lar gerido por uma Misericórdia
    e tiver uma pensão baixa, e não tenha casa própria para doar à
    Misericórdia, dificulmente lá entrará.
    Bjs.
    Irene Alves

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  4. O flagelo dos incêndios continuam....infelizmente parece que ninguém os consegue parar...uma triste realidade.

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  5. Os incêndios. Tem sido uma tragédia. Infelizmente a chuva não vem dar uma ajuda. Pode haver muita descoordenação, falta de meios, incompetência, sei lá o que mais, mas está tudo demasiado seco e o vento anda enlouquecido com as altas temperaturas... Espero que as pessoas tenham ajuda rapidamente.
    A misericórdia da Rainha Dona Leonor era agora bem precisa. Partilho consigo, Olinda "o sonho de que apareça quem tome nas suas mãos as dores dos desvalidos, as dores de quem não tem para onde ir, que se vê acossado, que não tem um momento de descanso, que vê os seus entes queridos perecerem, que se vê açoitado por elementos da natureza ou por mão criminosa. Excelente o seu texto!
    Obrigada pelo lúcido comentário que me deixou.
    Um beijo.

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  6. Misericórdia é a palavra que se solta espontânea, nesta loucura em que o fogo nos queima os olhos todos os dias . E o fogo não nascerá do nada simultaneamente .
    O socorro pode ser pronto mas o grito está implícito no sofrimento .
    Oportunissimo , caríssima Olinda o seu post e MISERICÓRDIA !
    Beijinho 😘🌺

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  7. Grata pelos bons momentos de leitura e revisão histórica.

    Hoje também falo da tragédia nacional...

    Abraço, estimada Olinda.
    ~~~~~~~~~~

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  8. Olinda, depois de toda a consternação, parece que nada se passou. Continuam os incêndios e os políticos de férias. E a revolta do povo português onde anda? Ai, povo de costumes tão brandos que parece que lhes corre água nas veias...
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    P.S. gostei da sua interpretação da palavra misericórdia

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  9. Desse teu sonho também partilha! Não há nada que mais me revolte, no que à solidariedade diz respeito, do que o aproveitamento económico (desvios de dinheiro), político ou outro. Infelizmente, é o que mais acontece.
    Em todo o caso, não podia deixar de elogiar a qualidade do teu texto, em termos de pensamento.
    Sobre o flagelo e a tragédia dos incêndios, já sabes da dimensão do meu lamento pelo que vou escrevinhando.
    Bj, Olinda

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  10. Bem, só nos resta esperar pelas chuvas, já que tudo continua na mesma... Ainda esta semana me cheirou a incêndio, é até ao lavar dos cestos!
    Beijinhos

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