sábado, 4 de março de 2017

Iniciação - Júlio Dinis

Não sei se já vos terei dito que na minha adolescência li os romances de Júlio Dinis quase todos. Os meus pais eram grandes leitores de autores do século dezanove e, assim, transmitiram-me a mim e aos meus irmãos esse bichinho da leitura.

Sempre quis ler alguma poesia de Júlio Dinis para além daquela que ele inclui nos seus livros. Há poucos dias encontrei no escaparate de sugestões de leitura da biblioteca aqui da minha aldeia um livrinho de bolso, de 264 páginas, que ele próprio prefacia e ao qual também vai introduzindo notas de rodapé. Dele retiro o poema que hoje aqui vos trago, Iniciação: 


Além, naquela avenida,
De plátanos e salgueiros,
Foi que em teus beijos primeiros
Bebi a primeira vida.

Sob os copados verdores
Daquela frondosa rua,
Mal vistos da própria lua,
Falávamos nós de amores.

Todos em nossa procura,
Nós a rirmos escondidos.
Oh! que instantes decorridos!
Oh! que rápida ventura!

"Vai", disseste-me ao partires,
"Que estes beijos te dêem vida.
"Adeus, a infância é volvida!
"Luta e...se não sucumbires..."

E a voz faltava-te em meio;
E eu disse com modo brando:
Se não sucumbir?..." Chorando
Apartaste-me ao teu seio.

"Volta; e a sentida promessa,
"Que em meus beijos entendeste,
"Cumprida será." Disseste:
"Adeus. A luta começa."

E começava! Ai, por vezes
Me tomou o desalento:
Porém aquele momento
Lembrava-me nos reveses.

Lutei. E ao voltar agora
Com as lembranças do passado,
Dize, anjo, se me é dado
Recordar-te ainda essa hora?
                                    
                                    1865

(1839-1871)


Um outro préfacio é nele inserido por Egas Moniz, em 1946, (o nosso primeiro laureado com um Nobel) e a que intitulou: "Algumas Palavras". Logo no início ele diz isto: A notícia do seu desaparecimento emocionou o País e deixou no Norte um vinco forte de saudade, pois Júlio Dinis tem um culto muito especial no Porto e em longos arredores que envolvem o Minho, Trás-os-Montes e Beiras. Nestas regiões raros são os que não leram a obra romântica do seu autor predilecto: mas as poesias nem sempre têm tido a boa sorte de outros dos seus livros. Esquecem-nas uns, outros não lhes encontram os encantos da sua prosa.

Egas Moniz encontra explicação para isso no facto de Júlio Dinis ser um admirador de Soares de Passos cuja obra fez derramar muita lágrima de emoção. Mas, segundo ele, à época já "Agonizava aquele romantismo saudosendo e tristonho que se acoitava à sombra dos ciprestes. A arte tomava novos rumos sob rajadas fortes de revolta e salutar protesto."

Bem, meus amigos, lede e dizei-me da vossa justiça se vos interessardes por este género de literatura.

Desejo-vos um bom fim de semana. Hoje está Sol e um pouco menos frio, o que poderá fazer-nos ver as coisas com mais optimismo perante os imbróglios que se desenrolam à nossa volta.

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Poema transcrito de: Júlio Dinis - Poesias , página 154 e 155
Imagem: internet

9 comentários:

  1. Li todos os livros dele, em 73/74, estava empregada no Colégio Cristo-Rei em Luanda e tinha-os lá na biblioteca do Colégio.
    Gostei tanto que anos mais tarde comprei-os. Mas da poesia dele só conheci alguns poemas que foram distribuídos numa tertúlia de poesia em que estive.
    Um abraço e bom domingo

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  2. Comecei a frequentar a Biblioteca Calouste Gulbenkian (a minha terra, então vila, tinha instalações próprias, bem gravadas na minha memória) relativamente cedo. Não me lembro que idade tinha, sei é que aos treze já não passava sem a sua frequência regular. Depois daqueles livros dos cinco, dos sete, etc, os romances de Júlio Dinis acompanharam o romantismo próprio da minha adolescência. Da sua poesia só tive contato muito depois, já no âmbito da literatura.
    Ótimo reencontro tiveste e que bom teres partilhado este delicado poema, em quadra de redondilha maior.
    Bj, Olinda. Um bom fim de semana :)

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  3. Aos teus pés me curvo e saldo teus ancestrais e tu mesma que optaste pelos livros. Parabéns! Vejo o horizonte que descortinastes e sinto o teu pensar mais dilatado, para tanto basta ler poucas palavras de teu texto. O poema é lindo. Gosto demais dos clássicos e sinto certo travor em versos de certos poetas contemporâneos. Amo Florbela, Bocage, Camões e o grade Fernando Pessoa, entre tantos. Minha gratidão por me pores lentes ao olhos para enxergar Júlio Dinis. No samba do criolo doido, ele poderia compor que Júlio Dinis foi o filho mais novo do Rei Trovador Dom Dinis, por quem tenho extraordinária admiração. Grande Abraço. Laerte.

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  4. Também comecei a ler Júlio Dinis, aos treze anos e foram livros lidos e relidos, na primeira fase da minha vida de adolescente.
    Sempre lamentei a sua morte precoce, também porque teria tido mais romances para me deleitar...
    Gostei muito do poema, por rever o seu estilo...
    Agradeço a sugestão deste livro de poesia que desconhecia existir.
    Beijinhos, estimada Olinda.
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  5. Sabe o que me surpreende em tudo isto?
    É um pouco transcendente e off-topic mas...

    O seu post me fez reflectir foi na insignificância das nossas vidas. Porque até os «grandes» (ou que se acharam foram considerados grandes em alguma área em particular) acabam esquecidos. Fica talvez um nome... um mito.... muita mentira com uma pimenta de verdade... Somos efémeros. Todos nós. Desde os Júlios Dinis, aos «Soares dos Passos?, aos Marlon Brandos e aos que são pessoas tão simples e singelas como eu, você, aquele acolá...

    Boa semana.

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  6. Bom dia Olinda!

    Muito bonito o poema. Ele deve ter sido um excelente escritor. Eu ainda não conhecia o trabalho do Júlio Dinis. Obrigada pela partilha. A interação nos blog nós dá essa oportunidade de conhecer o trabalho de poetas e escritores.
    Uma ótima semana! Um Beijo!

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  7. Querida Olinda, gostei de recordar o nosso Júlio Dinis. Conheço alguns livros dele, pois tive que os ler, intepretar quando estudava. Nessa altura era obrigada a estudá-los a fundo e isso fez com que, durante muito tempo, não tivesse vontade de os ler; agora isso já passou e comecei a lê-los com outro gosto. No antigo 7o ano tinha aulas de literatura e as obras dos nossos escritores eram estudadas com tanto pormenor que nos tirava muito do prazer de leitura, pelo menos comigo aconteceu isso. Gosto muito de ler e sempre gostei, mas, quando se é obrigado, o gosto desaparece; agora é diferente, pois leio-as sem aquela pressão de testes e exames. Tenho que confessar que não me lembrava do Júlio Dinis poeta e gostei muito deste poema que aqui nos apresentas. Como sempre, aprende-se muito aqui no teu xaile e, já que perguntas, respondo-te que sim, que gostaria de recordar este e outros escritores portugueses. Mesmo estando fora, terei oportunidade de te visitar e fá-lo-ei sempre que possivel. Muito obrigada, querida amiga, por todas estas informações sobre Júlio Dinis que desconhecia. Uma boa semana! Beijinhos

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  8. Os meus pais também tinham uma grande colecção do Júlio Dinis, mas acho que o único que li foi mesmo "A morgadinha dos canaviais" :)
    Beijinhos

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  9. Também adoro os nossos clássicos. Nunca mais ninguém voltará a escrever dessa maneira. Ainda guardo os livros todos de Júlio Dinis (que me foram amavelmente oferecidos por um já falecido sacerdote amigo). E releio quando tenho tempo.

    Beijinhos

    Isabel Gomes

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