quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Emigração - marcas no tempo

A mala de cartão e o trolley, marcas ou objectos que traduzem a mesma realidade: a emigração. Na mala de cartão seguiam as necessidades e o desespero de quem se aventurava a atravessar fronteiras clandestinamente, a salto, principalmente, para França, nos finais da década de 50 e durante a de 60. No trolley e no coração, os novos emigrantes, a geração mais qualificada de sempre, carregam as suas ilusões e desilusões mas também a esperança em dias melhores.




Se há quem refira que hoje em dia os emigrantes viajam com telemóveis, computadores e em melhores condições, como, por exemplo, em relação aos meios de transporte e documentação, o facto é que tanto num caso como noutro, deixam para trás a família, os amigos, o seu rincão. Mas, se quisermos recuar no tempo encontraremos aqueles que emigraram para o Brasil e África, muitos deles degredados, e outros na ânsia de encontrar, como agora, um estilo de vida compatível com as suas aspirações, nem sempre conseguido. Sobre esta época da nossa História, que condicionou em muito a de outros povos, muito haveria a dizer. Uma marca indelével.

Não vou alongar-me neste tema, pelo menos por agora. O que pretendo, hoje, é reproduzir aqui umas quantas ideias que alguns dos novos emigrantes gostariam de transpor para o nosso dia-a-dia. Li isto na revista Visão, em princípios de Outubro último. Quer dizer que vai fazer um mês, mas já sabem, as coisas neste Xaile andam um pouco au ralenti.




Telejornais curtos
As notícias na tele, em horário nobre, são concentradas em quinze minutos, muito factuais, sem intervalos nem intervalos a todas as pessoas mais as suas tias e o cão, e sem "diz-que-disse-e-que-parece".-Engenheiro aeroespacial, há onze anos em Darmstadt, Alemanha.

Despejar a arrecadação
Em cada fim de semana, um bairro diferente organiza uma venda para livrarmos de tudo o que temos a mais, a preços simbólicos. É também um pretexto para estarmos com os vizinhos, petiscar e comprar alguma coisa que nos faz falta. -Conservadora restauradora, há dois anos em Genève, Suíça.

Separar o lixo orgânico
Na minha primeira semana, não separei devidamente o lixo orgânico (restos de comida e cascas de legumes e de ovos) e recebi logo uma carta. No nosso prédiio, temos diferentes contentores, e há dias certos para as recolhas. O lixo orgânico é reciclado para a agricultura. - Arquiteto, há um ano em Lindau, Alemanha.

Garrafas com depósito
A maioria das cervejas vem em garrafas iguais, seja qual for a marca, e pode-se devolver uma grade com marcas misturas. As garrafas de plástico também têm depósito.-Avaliador de patentes em Haia, Holanda.

Apoio à natalidade a sério
A maternidade paga-se, mas o Estado dá logo mil euros. A nossa filha nasceu há um ano e o parto custou bem menos. Até aos cinco anos dela, a Segurança Social tem serviços de apoio pelos quais não pagamos um tostão. O sistema de apoio à natalidade funciona tão bem que, em 2012, a Bélgica subiu para o 6º lugar (na UE) em termos de taxa de natalidade. - Doutoranda em Engenharia Biocientífica e Jornalista freelancer, ambos, há cinco anos em Bruxelas, Bélgica.

Biblioteca da Língua
Aqui, existe um Museu da Língua Portuguesa. O meu sonho era construir em Lisboa uma grande biblioteca da língua portuguesa (à semelhança da antiga Biblioteca de Alexandria), que teria todos os livros publicados nos PALOP.- Realizador há um ano em São Paulo, Brasil.

Viva a autonomia
As escolas têm uma gestão autónoma. Não há concursos para a contratação de professores. A direcção recruta-os com base no mérito e experiência, empatia com o projeto, etc. Logo, as escolas competem entre si, o que eleva a qualidade do ensino. Acresce que a comunidade é muito participativa. Por exemplo, a escola da minha filha quis angariar fundos para os professores receberem formação para leccionarem, com maior qualidade, a língua inglesa. Cada miúdo teria de entrar numa corrida e recolher apostas. Os donativos correspondiam às voltas que cada um dava, vezes o montante apostado. Com esta ideia supersimples angariou-se 20 mil euros. - Gestora  de investigação e ciência, há cinco anos em Groningen, Holanda.





Muitas outras propostas poderia eu incluir, retiradas do referido artigo, mas não se coadunaria com o tamanho ideal de um post. E este já vai longo. As ideias apresentadas fariam uma diferença enorme na nossa sociedade, se postas em prática. Por cá, verifica-se muitas vezes que abundam ideias mas entre o pensar e o agir vai uma grande distância.

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Nota:O artigo acima referido: "Reinventar Portugal" - Revista Visão- 9 a 15 de Outubro de 2014, pags.54 a 63As idades das pessoas constantes do inquérito variam entre os 30 e os 45 anos. Preferi não incluir os nomes.

1ª imagem - daqui
2ª imagem - daqui
3ª imagem - daqui - A referência de um dos inquiridos ao Museu da Língua Portuguesa no Brasil, lembrou-me a Biblioteca Nacional do Brasil ou Fundação Biblioteca Nacional que contém obras raras da cultura portuguesa, a maior parte levada para lá aquando da ida da Família Real, no sec. XIX. Note-se que não escrevi "Fuga". Segundo alguns historiadores havia um plano há muito elaborado que previa isso, no sentido de salvaguardar a coroa portuguesa. 


15 comentários:

  1. Emigrar é um acto de coragem e, por consequência, de aprendizagem. E o testemunho dessas pessoas reflecte precisamente isso.

    Gostei muito desta publicação.

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  2. Olinda retratas muito bem o problema da emigração. Esta situação penso que se verificará por todo o sempre, porque o desejo de uma vida melhor nem sempre é possível no país natal. Acontece que atualmente o problema agudizou-se porque se os antigos emigrantes pensavam em ganhar dinheiro para mandar para cá e fazer aqui a casinha, já que as esposas ficavam muitas vezes por cá, mas os novos emigrantes com muita mais formação acabam por ver as coisas de outra forma e provavelmente fixar-se-ão por lá, agravando ainda mais os problemas de natalidade no seu país.
    Quanto aos depoimentos de emigrantes não os quero minimizar mas o povo Português sempre se deslumbrou com o mundo novo para onde vai, não necessariamente mais saudável do que aquele que deixou para trás, nem tudo é um mar de rosas...

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  3. ~ ~ Como outrora, partem os pobres e os desempregados.

    ~ ~ Regiões da Alemanha, de maioria política esquerda, estão a aceitar técnicos superiores, mas somente, os que dominam a língua alemã. Poderão partir alguns apenas por ambição.

    ~ ~ No entanto, estão a partir muitos para o Brasil, desde que Dilma resolveu a equiparação de cursos de engenharia e arquitetura. Ora, nenhum técnico superior parte para o Brasil por ambição!

    ~ ~ Os números são alarmantes, de acordo com notícias de 28/10 que constam no "Youtube", só este ano emigraram 500 arquitetos. A firma em que a minha sobrinha, arquiteta paisagista, trabalhava, faliu por falta de trabalho.

    ~ ~ A minha filha, gestora na área do turismo, foi suspensa dos recursos humanos que desempenhava,, numa vaga de redução de pessoal.

    ~ Tanto uma como a outra, adoram o sol do seu país e não admitiriam a ideia de emigrar só para poderem usufruir de um estilo de vida mais evoluído.

    ~ Há muitas pessoas que não fazem ideia, minimamente, da verdadeira tragédia nacional. ~

    ~ ~ ~ Uma proposta de debate muito interessante. ~ ~ ~

    ~ ~ ~ ~ Dias aprazíveis e estimulantes. ~ ~ ~ ~

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  4. Gostei muito de ler este seu post e tocou-me muito. Também tenho "os meus
    no estrangeiro" recentes...a crise...a falta de emprego...e lá foram com os seus
    filhinhos ainda pequeninos!... Habituar-se ao frio, à chuva constante...à escola,
    aos amigos com quem têm que falar em inglês...Mas as crianças adaptam-se
    muito bem! Lá encontraram outro modo de viver, outro tipo de alimentação, mas
    o português tem uma grande capacidade de adaptação...Mas p mais importante,
    encontraram trabalho e uma forma honesta de viverem!...Nós quando não
    aguentamos as saudades vamos lá, e eles já cá estiveram no Verão passado.
    Mas lá os empregos também não são garantidos...também se vive cada dia
    com receio do dia de amanhã. Esta Europa está estranha! O mundo está estranho!!!
    Beijinhos
    Irene Alves

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  5. Eis um tema que me rasga a alma, porque já é segunda vez nas minha vida que assisto impotente à saída aos milhares de compatriotas ..e desta vez dói mais ainda!

    Querida Olinda, fraterno abraço

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  6. Vivi o primeiro drama da emigração. A família separou-se. Depois vimos que aqueles que partiram acertaram na sorte. Conseguiram um bom nível de vida.
    Hoje sinto uma mágoa porque o nosso país não tem lugar para os seus filhos e manda-os emigrar...Não sejam piegas...

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  7. Um drama, um dor para quem parte e para quem fica. As raízes, por mais que se tente, ficam presas ao torrão natal.
    Ainda bem que haverá quem goste de sair sem ser por obrigação.Caso contrário é uma violência.
    Depois , podendo e voltando, trazem horizontes, quem sabe, novos hábitos, novas formas de vida. Entretanto esboroa-se o sonho...
    Beijinhos, Olinda

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  8. Tive que emigrar também numa época bastante difícil aqui em Portugal Depois do 25 de Abril quando os operários acharam que liberdade era expulsar os patrões e tomarem conta das fábricas. Trabalhava numa multinacional como secretária e já nesse tempo a fábrica era um exemplo; tinha berçário e horário para as mães amamentarem. O patrão era holandês, sempre o 1º a chegar e o último a saír, o que para mim era mau, pois só ia para casa nessa altura. Não merecia o que lhe fizeram, pois trabalhava muito. Bem...tudo isto fez com que o desemprego aumentasse muito e eu e a minha família resolvemos ir para o Brasil onde tive muita sorte e onde nunca me senti emigrante; a lingua é a mesma e os costumes semelhantes dada a herança portuguesa lá deixada. Voltei por opção embora os meus pais e irmão tenham lá continuado. Foi uma benção ter ido para o Brasil. Por acaso, conheço o museu da lingua Portuguesa que se encontra na antiga estação da Luz em S. Paulo. Adorei e é pena que aqui não haja um museu como aquele aqui em Portugal. Um beijinho, Olinda e obrigada por este post que muito me diz também.
    Emília

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  9. Olinda, quanto à completa autonomia das escolas, seria bom se Portugal estivesse preparado para isso, mas, penso que por enquanto o concurso nacional é melhor. Já viu o que seria se fossem as escolas a contratarem os professores? O mérito seria o que menos importava. Pelo menos nos meios mais pequenos a cunha seria de certeza o mais importante. Todos nós sabemos que nas ofertas de escola já acontece isso; quem tiver alguém conhecido na direcção da escola entra. É preciso uma mudança de mentalidades nas autarquias e no povo em geral para que se possa colocar os professores por concurso para as próprias escolas.. Beijinhos, amiga!
    Emília

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  10. Ninguém emigra por prazer, mas porque o seu país não dá aos seus cidadãos o necessário para uma vida digna. Mesmo que alguns se adaptem bem e gostem do local onde vão trabalhar.
    Um abraço

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  11. Pois... Tenho neste momento, entre família e amigas, 4 emigradas, e posso dizer que, mesmo licenciadas e a ganhar condignamente, não é fácil...
    Beijinhos

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  12. Passando para deixar meu carinho.
    e
    um grande abraço

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  13. Para além das realidades, emigrar sempre foi doloroso para quem partiu e para quem ficou. As raízes quebraram-se (demasiadas vezes), mas as iniciativas desenvolveram-se exponencialmente.
    E, por falar em iniciativas conducentes ao aprimoramento da real iniciativa, sei, as ideias que sobram por cá, que são "desprezadas" por quem diz entender da "poda"; o caso gritante da contractação de professores, médicos, enfermeiros e outros.
    A Instituição Empregadora ganhava bem mais em eficácia se "concursasse" dentro de portas; escolheria os melhores (como é dito) e o desempenho reflectir-se-ia no imediato.
    Sobre garrafas... Bem! Quem quer perder um negócio de milhões não recicláveis?
    Bom Post. Um grito que grita.



    Beijos


    SOL

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  14. Creio ser difícil viver longe de nossas raízes ou deixar para trás entes queridos. Muitos brasileiros também tentam sair daqui, enquanto outros tantos, estrangeiros, gostariam de viver no Brasil. Meus avós paternos eram portugueses.
    Há grandes projetos voltados para a educação e outras áreas fundamentais ao desenvolvimento de um país, mas são ignorados, ainda que haja exemplo positivo de aplicação em outros. É certo que as realidades divergem, mas o ideal seria aproveitar o que é bom. Sou pessimista e creio que não há interesse político nisso. Bjs.

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  15. Tenho uma cunhada que emigrou este ano e não está a ser nada fácil para ela... E o país a precisar de gente para trabalhar!
    Beijinhos, boa semana!

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