quarta-feira, 18 de junho de 2014

O menino Alberto da Costa e Silva: o tecelão do parque





A poesia de Alberto da Costa e Silva se murmura dentro de sua perene infância, tão eternizável, que inunda todo o conhecimento de sua imagem literária:

Vou pedir ao meu pai
que me esqueça menino.

A passagem do dístico vale intensamente para sentir a força de suas mãos poéticas, que ilumina a altíssima linhagem de sua revelação:

Todos os dias são iguais - o grego
e o menino que fui
sempre o souberam.
Ele o pensava; eu o vivia,
amargo.
                      O sol
cegava, nos telhados.
Mas o menino de ontem, hoje,
cantava.

Esse cantar de Alberto da Costa e Silva é lucidez perdida no presente ou encontrado no amor a sua Musa Vera, vera musa:

Dizer jamais de nós
senão o certo:
o céu,
e o campo aberto.

No livro AO LADO DE VERA (1997), Alberto da Costa e Silva brinda a amada (  e a todos nós) com lindos poemas mágicos:

Usa o meu coração, se o teu já tens gasto,
feito a pedra de mó que a faca alisa, cava
e parece estender como massa de trigo
sobre a mesa molhada. Usa o meu coração

como o trapo que limpa a sujeira das tábuas
e negrece de pó, e se pui, e se esgarça,
se com ele se invertem este dia adverso
e esta noite perversa. Usa o meu coração

para nos esconder, como aos olhos as pálpebras.
do cansaço do tempo, do bolor nos retratos,
e jogar para os céus, ao abrir das janelas,
qual um sonho ou um parto, os pardais e os canários.

A frase Usa o meu coração será sempre um eco. Alberto da Costa e Silva faz de sua obra um artesanato elevado de sonhos, é um tecelão que se fia no grande parque da linguagem:

Cuidado! Não é tua
esta morte.
Cuidado! Ela vem disfarçada
de irmã e reparte
moscas e formigas
como se fossem frutas
maduras e espigas.
Cuidado! que vem vestida
de infância
e de vida.

Alberto é filho de Da Costa e Silva ( um dos maiores poetas Simbolistas em Língua Portuguesa, nascido no Piauí):

Meu pai, que estás no céu,
no céu que vejo,
neste céu que respiro e que me veste
( e não naquele de derrota feito,
em que o eterno disfarça o sonho breve),

repara em mim,
em mim, que me envelhece
a tua falta
( a tua falta cresce
e desfaz o rancor desta certeza:
mesmo na morte o corpo dói), protege

o homem que fizeste e que, menino,
se agacha junto à quinta das paredes,
o queixo nos joelhos,
o olhar cego
a outro tempo que não seja ainda
imóvel, puro, certo,
como tu,
como tu, que estou sendo
na carne que, em mim,
é teu degredo.

O menino é o Poeta em consoada.

Quando nos criaram,
as mãos do deus já estavam
cansadas.

Por isso,
somos frágeis e mortais. E amamos,
para resgatar o que no deus
foi sonho.


Poemas de Alberto da Costa e Silva
Minuta de Diego Mendes Sousa

====

Deste site trago estas palavras sobre a poesia de Alberto da Costa e Silva. Espero que gostem.

A todos desejo uma excelente quarta-feira. :)

5 comentários:

  1. Excelente poesia.

    Eu que até amo poesia e sou leitora compulsiva, só conheci Alberto da Costa e Silva agora, imagine-se!!

    Grato abraço por estes belos momentos, querida Olinda.

    ResponderEliminar
  2. Muito aprendi aqui hoje, Olinda ! Que vergonha!!! Tantos anos de Brasil e não conhecia este grande senhor. Este ano até o prémio Camões me passou ao lado e, claro, não sabia que tinha sido atribuido a Alberto da Costa e Silva. Imagina, tem até o meu sobrenome de solteira ( M. E. da Costa e Silva ) e nem assim me chamou a atenção. IMPERDOÁVEL, querida Olinda!
    Quanto a Africa, quanto aos descobrimentos, colonização, descolonização, etc, etc, concordo com o autor..." cuidado para não cometer os enganos que os viajantes apressados costumam cometer, pois pensam que estão vendo bem quando veem apenas a superfície. É preciso ter paciência no olhar. Principalmente, ter cautela para não construir grandes teses, que geralmente se revelam com alicerces de brisa, sem fundamento."

    Há muita coisa que foi mal interpretada, mal contada; cada um fez a história à sua maneira. Os meus filhos como sabes são brasileiros; o mais velho veio para cá no 9º ano e a mais nova no 3º ano; acompanhei a história que o meu filho estudou no Brasil e, claro comparei-a com a que eu estudei, como deves imaginar, os mesmos factos passaram à história de maneiras distintas; o Brasil escreveu essa época de descobrimento, ou melhor achamento, e sua , independencia à sua maneira e nós escolhemos a nossa. Há para eles heróis que merecem até feriado e nós cá nem deles falámos. Por isso, amiga, há muitas deturpações em todos os acontecimentos históricos. Muito e muito obrigada pelo que de tão importante aqui partilhaste connosco e, como também me sinto brasileira, agradeço-te por prestigiares os escritores desse país que muito amo. Um beijinho, amiga e até breve
    Emília ( da Costa e Silva!!!!!).

    ResponderEliminar
  3. E meninos continuamos, nós humanos,
    tratados por vezes como trapos.
    A culpa não é do tecelão, sim de quem a tesoura na mão!
    Meninos tristes, cabisbaixos, quais farrapos,
    tratados como diferenciados,
    cada vez com mais de nada devido a tanta tesourada!
    Mas, que importa meninos nascemos,
    meninos crescemos e como meninos morreremos...
    De igual para igual voltaremos ao local original!

    ResponderEliminar