sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Voltando, com... Tiara

Fechada no seu quarto, Tiara estava sentada à janela como todos os dias a essa hora, para observar o pôr do sol. Porém, nessa tarde mal deu atenção ao deslumbrante espectáculo. O seu pensamento estava preenchido por Jô. 'Será que me apaixonei por ele?', pensou. Seria isso paixão? Essa sensação estranha, quase dolorosa, que lhe subia do peito e lhe apertava a garganta? Nunca tinha sentido nada parecido por rapaz algum. Tinha-se entusiasmado por um ou outro amigo, mas eram coisas passageiras que terminavam como tinham começado, repentinamente. Com Jô era diferente. Ansiava por estar com ele e na sua presença sentia-se invadida por um nervosismo que mal conseguia dissimular. De olhos fechados, percorria a imagem daquele rosto querido. Beijava-lhe os olhos, as faces e os lábios. Sentia as suas mãos nos seus cabelos, carinhosas. Instantes de sonho, de segredo guardado, jamais revelado a quem quer que fosse. Restava-lhe a dúvida da reciprocidade desses seus sentimentos. Apercebera-se dos olhares furtivos de Jô e apreciava a maneira como ele falava com ela. Mas não ousava pensar que isso fosse um indício de sentimentos análogos por parte dele. Por isso preferiu guardar secreta essa paixão, não falando nela nem mesmo à Zidi.


Tiara não sabe ainda mas o seu grande amor será Kenum, personagem dividido entre dois mundos, o ancestral e o moderno. Neste conflito Tiara ver-se-á confrontada com uma terrível realidade: escolher entre Kenum e os seus direitos de mulher ou então tentar conciliá-los. Num trabalho de pós-graduação, 2009, que analisa este conflito, encontramos estas palavras:

Tiara é a heroína na história, pois enfrentou tudo e todos para viver um amor.
Abraçou os ideais do marido e defendeu o país de Kenum. Um país diferente do seu,
com uma cultura que feria os direitos da mulher, brigou para defender os menos
favorecidos e perdeu o bebê numa guerra que não era a sua. Mas com a união com
Kenum, passou a ser também o seu lugar. Enfrentou a sogra e a família de Kenum,
contudo foi derrotada pelo atavismo local, porque não aceitava a poligamia. Ela não
perdeu; ele, sim: era covarde, fraco, submisso e volúvel em suas ideais. Era um
homem cindido por dois mundos, não sabia que rumo tomar e querendo ora agradar a
família, e ora a esposa. Decidida e corajosa, Tiara enfrentou os preconceitos por ser
estrangeira, mulher, independente e liberal num mundo preso a tradições culturais
pregressas.  



Extraí o primeiro texto, em itálico, da página 29 de TIARA, primeiro romance de Filomena Embaló, de raízes cabo-verdianas e guineense de coração, nascida em Angola, em 1956, segundo palavras inscritas na contracapa do mesmo.
ed.Instituto Camões, 1999


15 comentários:

  1. Oi Olinda!
    Que bom retornar, não é?
    E ainda mais nos proporcionando um trecho de um conto que pelo que sinto deve ser atraente e prende do início ao fim.
    Como a vida é semelhante mesmo em ricões distantes e diferentes...
    É como se estivesse in loco, e vivenciando junto aos personagens todos os seus dramas, que cá entre nós, tem muito a ver e muito para nos dizer, tanto aqui quanto acolá!
    Um abraço amiga. Beijos.

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    1. Caro Antônio

      Tem razão, são dramas e vivências parecidos em qualquer parte, mudando apenas os costumes, a mentalidade, a maneira de ver o mundo.Talvez por isso os resultados não serão os mesmos. Fico muitas vezes a pensar sendo nós todos em tudo igual, como seres humanos, como é que os costumes nos podem fazer tão diferentes.

      Um grande abraço também para si.

      Olinda

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  2. Apaixonar-se é um dos momnetos mais gostosos e prazerosos da vida, desde que valha a pena e seja recíproco, ai sim vale a pena lutar. Esta história nos prende com gostinho de quero mais. Adorei! Querida. Muito obrigada pelo carinho de suas sinceras palavras e pelo incentivo. Suas palavras têm grande importância. Fica com Deus e muito obrigada. Beijos no coração.

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    1. Olá, Cecília

      Sim, a reciprocidade é deveras aspecto indispensável quando se trata de uma vida a dois.

      Agradeço-lhe as suas palavras tão carinhosas, desejando-lhe muitas felicidades.

      Beijos

      Olinda

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  3. A leitura é agradável.
    Os cabo-verdianos tiveram sempre jeito para as letras!

    Bjsss

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    1. Olá, Vieira Calado

      Realmente,temos notícias de muitos nomes sonantes da literatura cabo-verdiana. Esta autora, para além das suas altíssimas qualidades naturais, também tem 3 factores muito interessantes na constituição da sua personalidade e conhecimento da realidade de que fala nos seus livros: tem raízes cabo-verdianas, nasceu em Angola e tornou-se guineense pelo coração.

      Abraço

      Olinda

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  4. Muito obrigada, minha querida amiga, por todo o teu carinho. Eu te quero muito bem.

    Voltarei para actualizar a leitura.

    Óptimo fim de semana para ti.

    Um beijinho muito GRANDE

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    1. Querida Mariazinha

      Agradeço-te do coração a preocupação que tiveste em vir aqui deixar-me estas carinhosas palavras. Desejo-te consolação nas tuas recordações mais queridas.

      Beijinhos e um abraço bem apertado.

      Olinda

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  5. Você vai às férias e retorna nos trazendo uma preciosa descoberta.
    Num pequeno trecho, de um belo texto, dá para sentir que a história de Tiara muito interessante, ainda mais por ser o primeiro romance da escritora cabo-verdiana Filomena Embaló.
    Imagino, o seu prazer, ao se "deparar" com o texto Tiara.

    Obrigada, amiga.
    Beijinhos, bom domingo, feliz retorno...

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    1. Querida Lúcia

      Sim, é o seu primeiro romance e também encontrei referências a 'Carta Aberta' uma recolha de contos e textos seus e 'Coração Cativo' o seu primeiro de poemas.
      'Tiara' faz parte de um grupo de livros, alguns dos quais apresentei nos últimos posts, editado pelo Instituto Camões em 1999, em prol da Lusofonia, o que diz muito do seu valor como obra literária.

      Minha querida, irei visitá-la em breve, para continuar a ler a excelente biografia de Oliveira Paiva, escrita por seu pai.

      Beijos

      Olinda

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  6. Fiquei com desejo de continuar a leitura, e esse fragmento me fez lembrar o livro do Pepetela, que li recentemente: O Planalto e a Estepe...

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    1. De Pepetela não li muito ainda, apenas Yaka, como já te referi. Será um dos autores da minha lista de prioridades...

      :)

      Bjs

      Olinda

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    2. Olinda Melo,

      De blogue em blogue caí aqui no Xaile de seda que me surpreendeu agradavelmente com este extrato do TIARA.

      Muito me sensibilizaram os comentários aqui deixados por todos.

      Um abraço,

      Filomena Embaló

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    3. Olinda Melo,

      De blogue em blogue vim "cair" aqui no Xaile de Seda e fiquei agradavelmente surpreendida ao ver este extrato e comentários sobre o meu romance TIARA.

      Agradeço=lhe esta partilha que muito me sensibilizou.

      Um abraço,
      Filomena Embaló

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    4. Cara Filomena Embaló

      Que emoção! Nem queria acreditar quando vi o seu comentário. :) Sou uma grande admiradora sua e estou-lhe imensamente agradecida por ter aqui vindo. Tive o maior prazer em falar aqui, no Xaile, de si e da sua obra.

      Grande abraço

      Olinda

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