quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Na sombra de Camilo?

 



Sempre ouvimos falar de Ana Plácido quando é referido Camilo Castelo Branco, o célebre escritor que teve uma vida conturbada, com prisão pelo meio e que mais tarde seria acometido pela cegueira e paralisia. Não conseguindo arrostar com as dificuldades da vida resolveu pôr-lhe fim.

Consta da biografia de Ana Augusta Plácido (1831-1895), viscondessa de Correia Botelho, que foi escritora e que publicou romances, crónicas, poemas, contos e que participou activamente da imprensa portuguesa e brasileira no século XIX. 

De aqui constam algumas das publicações que contaram com a colaboração da autora: A Esperança – Semanário de Recreio Literário, Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, O Ateneu, O Civilizador, Diário Ilustrado, O Leme, O Nacional.

Em 1863 publicou o seu primeiro romance, Luz Coada por Ferros, uma obra em tom amargo, onde Plácido recorda o tempo em que esteve presa na Cadeia da Relação do Porto por adultério, em virtude da sua relação com Castelo Branco. 

Na dedicatória à memória da irmã Maria José, escreveu:

[…] «Grande parte destes escritos nasceram na calamitosa época do cárcere e do escárnio dos meus algozes, nunca saciados das torturas que me infligiram. Dedicar-te-hei, pois, estas páginas, onde por vezes aparece o teu nome como a estrela da manhã, rompendo a custo das sombras pesadas da noite: é um dever sagrado. Foste a minha única amiga neste mundo: não conheci afeição mais verdadeira.» […]

Em 1871, já a viver na Quinta de São Miguel de Seide (onde hoje funciona a casa-museu dedicada a Camilo), publicou o romance Herança de Lágrimas. Sob o pseudónimo de Gastão Vidal de Negreiros, começou a publicar na Gazeta Literária do Porto o romance Regina, que ficou inacabado."

Então qual o motivo desse quase anonimato? Encontramos explicação no facto de quase todas as mulheres que escreviam, para serem levadas a sério, assinavam com nomes masculinos.

Lê-se que: No decurso da sua carreira literária assinou algumas vezes com pseudónimos, sendo os mais conhecidos Gastão Vidal de Negreiros (como se referiu acima) e Lopo de Sousa. Também usou abreviaturas, sendo as mais comuns A. A. (Ana Augusta) e A. A. Plácido (Ana Augusta Plácido).



Casa-museu inaugurada em 1922,
Camilo Castelo Branco


Portanto, esta é a mulher que esteve com Camilo no cárcere sob acusação de adultério e com quem casaria após o falecimento do marido, ficando eles a residir na casa que recebeu de herança e que passaria a ser a Casa-museu de Camilo Castelo Branco. 

Esta é a mulher inteligente e intelectual que o acompanhou toda a vida e que o ajudou em muitos textos. O caso do processo de adultério prejudicou-a socialmente, não se dando a conhecer como merecia levando-a a uma grande humildade e quase escondendo a sua qualidade de escritora.

Também na vida familiar não terá tido a vida facilitada. Teresa Bernardino escreveu O Segredo de Ana Plácido, romance em que aborda a vida de Camilo pelo mais imprevisível dos ângulos: através do olhar louco e visionário de Jorge, o segundo filho do casal.

Diz-se que, tendo em conta o que se sabe de Ana Plácido, as circunstâncias da sua vida coloca-a num destacado lugar de luta pela emancipação feminina.


Abraços, meus amigos.
Olinda





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- Veja aqui : "Sabe quem é Ana Plácido?" de José Soeiro, um artigo que não só foca as discriminações em relação â mulher intelectual, à mulher trabalhadora-escravizada, 
como também à colonização.

- Bicentenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, aqui, no Xaile de Seda.

1 comentário:

  1. Infelizmente o destino das mulheres tem sempre mais agruras e dificuldades do que o dos homens, pois é sobre a Mulher que recaem todos os preconceitos, repressões e incompreensões.

    Já visitei a casa do casal há alguns anos.

    Querida Olinda, abraço caloroso, bom resto de semana.

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