sexta-feira, 14 de junho de 2019

A Palavra





te lavo e lavro
palavra / pão
polida pedra
de construção

do quanto faço
deste edifício
em que elaboro
fé e ofício,

te esculpo e bruno
verbo/canção
no diário labor
de artesão.

te louvo lume
e pedra d'ara
com que ergo o templo
da flor mais cara

e clara: poesia
com que reparto
os sóis do meu dia
o suor do meu dia
o fel do meu dia

as mazelas do homem
as amargas vidas
o pão subtraído
as pagas devidas

a paz relativa
a justiça rara
a fome de todos
a morte na cara
da criança. o aço
que o corpo nos cava,

a fé o cansaço
desta luta brava

a fartura a poucos
de muitos tomada

o chão proibido
a água negada

o amor que rareia e
a festa sonhada
.......................
palavra larva
semente pura
que em mim explodes
de sons madura,

te lavo e lavro
verbo / canção

te louvo lume
poema / pão

manhã sonhada
meu sim/meu não.

(1907-2005)



Manuel Lopes - Cabo Verde
Foi um dos principais  elementos do movimento Claridade. Poeta, romancista, contista, ensaísta, conferencista. Duas vezes laureado com o Prémio Fernão Mendes Pinto e ainda o do Meio Milénio do Achamento das Ilhas de Cabo Verde, ambos para ficção. (...)In: no Reino do Caliban, pg. 101


O realismo na sua escrita poética

O realismo apresenta em Cabo Verde particularidades próprias. Se em Portugal e noutros países foi um movimento literário e ideológico-político empenhado em soluções transformadoras da sociedade pela via da função social da arte, pela desmistificação da consciência e pela oposição ao capitalista e ao burguês, em Cabo Verde, por razões naturais, geográficas e sociais contextualiza-se assumindo outras preocupações. Manuel Lopes, com o tempo, sem esquecer o plano subjectivo, envereda por uma escrita poética com implicações objectivistas tematizando os problemas crioulos mais prementes: seca, isolamento, fome, emigração. A objectividade e a subjectividade são, por isso, duas características do realismo cabo-verdiano. Os paradigmas, São Vicente-Mar (urbanidade) e Santo Antão-terra (ruralidade) e ainda a dinâmica de oposição entre o partir/ficar enformam decisivamente a sua poesia. (...) 
aqui e aqui - fich pdf (Autoria: José Manuel Leite Teixeira - Universidade de Lisboa)

===


Meus amigos:

Desejo-vos um bom fim-de-semana.

Abraços.



=====


NOTAS:

a) Disparidades no nome e local de nascimento:

 aqui, aqui aqui, e
-Manuel Lopes (Manuel dos Santos Lopes, Ilha de Santo Antão, Cabo Verde) in No Reino de Caliban - de Manuel Ferreira pg 101

Optaria por este último, tendo em conta que Manuel Ferreira elaborou a "Antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa",  - publicada em 1975.

Brito-Semedo, Esquina do Tempo, no seu artigo o Claridoso Manuel Lopes, grafa o local de nascimento como sendo "São Nicolau". Penso que posso terminar aqui a minha busca.

b) Poema: daqui
Confirmei a autoria do Poema no site de António Miranda, visto não estar assinalada a obra donde foi extraído.

Imagem: daqui

15 comentários:

  1. Me ha gustado visitar tu blogs.
    Buen fin de semana

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  2. Olá, Olinda, não conhecia o poeta que morreu aos 98 anos.
    Um belo poema que me dás a conhecer o qual achei maravilhoso.
    Gratíssima, amiga!
    beijo, um ótimo fim de semana.

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  3. Boa noite de paz, querida amiga Olinda!
    ... "Poesia
    com que reparto
    os sóis do meu dia
    o suor do meu dia
    o fel do meu dia"...
    Fiz o recorte por ter me identificado com ele. Assim e a poesia tambem.
    Tenha dias felizes!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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  4. Gostei de ler.
    Não conhecia o poeta. Raramente ou quase nunca procuro poetas. A minha busca é sempre nas poetizas. E depois tenho agradáveis surpresas como esta.
    Abraço e bom fim-de-semana

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  5. Espantosa fluência no dizer. Isto é poesia muito, muito bela e boa.
    Parabéns pela escolha.


    Beijo
    SOL

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  6. MARAVILHOSO!
    Mais palavras são desnecessárias.
    Obrigada, querida Olinda.
    Beijo.

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  7. "palavra larva/semente pura/que em mim explodes/de sons madura"

    há palavras assim, que inesperadamente nos visitam e ficam como uma música familiar, por tão esperada.

    poesia simples e bela como as pérolas a desfiar nos dedos.

    feliz por conhecer aqui mais um poeta extraordinário

    grato, amiga Olinda

    abraço


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  8. Com palavras bem esculpidas o poeta nos brinda com esta pérola
    Magnifico poema amiga Olinda
    Beijinhos

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  9. Maravilhoso poema, não conhecia o poeta, muito obrigado pela partilha.
    Bom fim de semana
    Beijinhos
    Maria
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  10. Na verdade
    por vezes respiram por guelras
    Bj

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  11. As palavras, sempre tão cúmplices, sempre tão necessárias. Lindíssimo este poema de mais um poeta desconhecido para mim. Como gostei de o encontrar aqui, minha Amiga Olinda.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  12. Simplesmente bela esta publicação :))

    Hoje:- Quando a minha alma naufragar...

    Bjos
    Votos de uma óptima Segunda - Feira.

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  13. Muito interessante este poema, feito com palavras simples, formando frases muito curtss e ao lê-las sentimos uma sonoridade seca, dura, talvez para assim, melhor mostrar a vida simples, mas muito dura, muita seca daquele povo. Não conhecia este poeta e também gostei de saber a diferença entre o realismo dos escritores portugueses e o realismo deste cabo- verdiano. Achei muito interessante e nunca pensei que houvesse dois tipos de realismo. Aprendi muito neste post, querida Olinda e agradeço-te muito esta partilha de conhecimentos. Espero que estejam todos bem aí em casa, querida Amiga. Um beijinho e boa noite
    Emilia

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  14. Realmente este poeta traduz a alma de um povo, de forma cativante. Não fosse a poesia a mais bela forma de comunicar.

    Grata pela partilha, querida Olinda.

    Beijos.

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  15. Outro poeta que desconhecia, realista, mas numa senda diferente.
    Obrigada por esta pérola!
    Bjo

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