quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Cada dia que passa me aproxima mais de si

Bom! Recebo neste instante a sua carta escrita à luz de uma só vela - e tenho de retirar tudo, tudo, tudo o que escrevi! Pois acabou-se! Não retiro. A minha querida dizia no outro dia que devíamos mostrar um ao outro todos os estados de espírito em que tivéssemos estado. Mostro-lhe, assim, que estive hoje, ontem, antes de ontem num estado de impaciência por uma palavra sua, gemendo e queixando-me de «ne voir rien venir». E mostro-lhe assim o desejo de ter todos os dias, ou quase todos, um doce, adorado, apetecido e consolador «petit mot». (...) As pessoas que se estimam nunca deviam se apartar; a culpa tem-na a nossa complicada civilização; o encanto seria que os que se amam se juntassem em tribos, acampando aqui e além, com as suas afeições e a sua bilha de água, and «settling down to be happy, anywhere, under a tree».

Cada dia que passa, agora, me aproxima de si. (...) Eu também não realizo bem a situação. Ela não deixa de ser ligeiramente romântica. Separamo-nos amigos, reencontramo-nos noivos. Que profunda, grave, séria diferença! Enquanto a gente se escreve, num tom de alegre felicidade, gracejando por vezes, falando de sentimentos e dando «notícias do coração» - «a coisa» parece apenas uma «flirtation» (...) Mas quando se pensa bem! Há então nessa coisa como uma severidade quase religiosa, uma sacro-santidade que assusta e perturba. Duas almas que se unem para sempre e que, tendo individualidades diferentes, não podem jamais tornar a ter interesses diferentes! 

in 'Carta a Emília de Rezende (1885)'




Eça, poliglota, bon vivant, ainda um pouco incrédulo da sorte de ter encontrado  a mulher ideal. Ora, vejamos mais abaixo:


Emília de Castro Pamplona - a Esposa

O escritor chega a confidenciar ao amigo, e também escritor, Ramalho Ortigão:

«Eu precisava de uma mulher serena, inteligente, com uma certa fortuna (não muita), de carácter firme sob um carácter meigo, – que me adoptasse como se adopta uma criança; que me pagasse o grosso das minhas dívidas, me obrigasse a levantar a certas horas cristãs – e não quando os outros almoçam – que me alimentasse com simplicidade e higiene, que me impusesse um trabalho diurno e salutar, e que, quando eu começasse a chorar pela lua, ma prometesse – até eu a esquecer… Esta doce criatura salvaria um artista – e faria uma daquelas obras de caridade que outrora levava gente ao Calendário. Mas ai! Onde está esta criatura ideal?»
Numa viagem de férias encetada ao Norte de Portugal, o escritor terá a possibilidade de conviver mais estreitamente com a família dos Condes de Resende, cujas relações iniciais datavam dos tempos do Colégio da Lapa no Porto, e a partir daqui começará a surgir um interesse cada vez maior por D. Emília de Castro Pamplona. Ler mais aqui

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Video: Youtube
1º excerto classificado como "Carta de amor" - Citador

6 comentários:

  1. "Eu precisava de uma mulher serena, inteligente, com uma certa fortuna (não muita), de carácter firme sob um carácter meigo..."

    nada exigente, "monsieur" d´Eça!!! ...

    abraço

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  2. Mesmo à Eça: "Há então nessa coisa como uma severidade quase religiosa, uma sacro-santidade que assusta e perturba. Duas almas que se unem para sempre e que, tendo individualidades diferentes, não podem jamais tornar a ter interesses diferentes! Magnífico!
    Um beijo, minha Amiga.

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  3. "As pessoas que se estimam nunca deviam se apartar; a culpa tem-na a nossa complicada civilização; o encanto seria que os que se amam se juntassem em tribos, acampando aqui e além,"

    Com certeza seríamos mais felizes, não haveriam tantos desentendimentos, tanto ódio solto por aí... Seria o paraíso...rsss - utopia.

    O tipo de mulher que ele cita, prova que não queria pouco!

    Essa sua postagem está divina, sabes, Olinda, morei 11 anos numa rua chamada Eça de Queiroz nº 540, (era com z) nunca esqueci, já digo o número junto. Esse escritor me é muito familiar...

    Um beijo, bom fim de semana!

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  4. Na segunda carta, o escritor diz que, no fundo, procura uma mulher que faça as vezes de mãe... e de posses...
    A primeira carta, de amor, é linda.
    Gostei de as ler, não conhecia. Obrigado pela partilha.
    Olinda, um bom fim de semana.
    Beijo.

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  5. Boa tarde, querida amiga Olinda!
    "As pessoas que se estimam nunca deveriam se apartar"...
    Que lindo sentimento regeu o 💙 da escritora ao sentir e escrever assim!
    Muito linda sua escolha a cada postagem! Saio deslumbrada com o que enche meu 💙 de alegria.
    Felicidades e bênçãos para você!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
    😘😘😘

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  6. Talvez se possa ver nesse escrito como a falta que lhe fez a mãe influenciou esse desejo de ter uma esposa que fosse como mãe.
    De resto, Eça não era nada exigente... (ironia)
    Bjo e bfsmn.

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