quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Crianças em viagens trágico-marítimas*

Li ontem, algures, a efeméride da primeira viagem de circum-navegação, preparada e levada a cabo por Fernão de Magalhães, a 20 de Setembro de 1519, ao serviço do rei de Espanha. Magalhães perderia a vida em 1521, em Cebu, nas Filipinas, sendo a viagem completada por Juan Sebastián Elcano (1522). 

Lembro-me, a propósito, da obra de Laurence Bergreen, que li em tempos, "Fernão de Magalhães - Para Além do Fim do Mundo". Na página 120 e seguintes, lê-se sobre a estrutura social a bordo. Dos apontamentos que tirei na altura, respigo o seguinte:

"Reinava acima de tudo uma rigorosa divisão do trabalho. No fundo da escala estavam os pajens imputados aos serviços aos pares. Muitos pajens eram meras crianças, com apenas oito anos de idade; nenhum tinha mais de quinze anos. Eram vulgarmente órfãos. Nem todos os pajens eram iguais. Alguns tinham sido quase raptados dos cais de Sevilha e pressionados para irem servir;(...). Eram tratados com aspereza, explorados sem piedade, privados de um salário adequado e por vezes transformados em vítimas de predadores sexuais entre os membros mais velhos da tripulação. As suas tarefas incluíam esfregar os tombadilhos com água salgada e limpar depois das refeições e executar qualquer trabalho inferior que lhes fosse atribuído. (...)"



Infelizmente, essa situação não é única. Nos descobrimentos portugueses existem relatos de crianças levadas nessas viagens, cujo infausto destino quase se perderia nas brumas da memória. Exemplo disso: as crianças judias, cerca de 2000, arrancadas aos pais e enviadas para São Tomé e Príncipe, conforme nos refere Isabel Castro Henriques, em "São Tomé e Príncipe-A invenção de uma sociedade". Poucas resistiriam aos rigores da viagem, ao clima e aos maus- tratos.

====
Leia mais: aqui, aqui e aqui
*Confesso o aproveitamento, da minha parte, da expressão "trágico-marítimas" lembrando-me da obra "História Trágico-Marítima", muito minha conhecida, colecção de relações e notícias de naufrágios, e sucessos infelizes, acontecidos aos navegadores portugueses, compilada por Bernardo Gomes de Brito e publicada em dois tomos, em 1735 e 1736 ,

7 comentários:

  1. Porque a História é escrita pelos fortes e vitoriosos, essas tristes personagens não merecem mais que meras notas de rodapé ou são simplesmente ignoradas pelos investigadores. E, infelizmente, existem tantas notas de rodapé que nos envergonham na história da Humanidade.
    Abraço para a Olinda
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    ResponderEliminar
  2. Olinda, temos sempre a tendência de criticar a brutalidade de outros povos, achando sempre que nós portugueses não fomos cruéis. Para mim foi uma triste novidade esta, não que pensasse que tenhamos sido justos e correctos nas nossas conquistas, mas desconhecia este caso relacionado com as crianças, em especial com as judias. Muita, muita crueldade, amiga! Pena que o homem tenha evoluido muito pouco e ainda hoje aconteçam atrocidades desse tipo com as crianças. Como sempre, muito interessante e para mim, um momento de aprendizagem que muito te agradeço. Um beijinho e votos de que não te falte alegria e principalmente a saúde. Até breve.
    Emilia

    ResponderEliminar
  3. Estes costumes bárbaros de tempos idos
    são verdadeiramente pungentes e estarrecedores...
    Porém, já não utilizavam escravos nos remos...
    E há quem diga que a humanidade não evolui...
    Resta-nos o consolo de termos sido dos primeiros
    a abolir a escravatura...
    Beijinhos, Olinda.
    ~~~~~~~~~~

    ResponderEliminar
  4. Olá Olinda!
    Antes de mais que tenha tido bom descanso. Por aqui...podia ser melhor...
    Arrepiante o excerto que, quando passei pela "Peregrinação" me escapou algo, nem que fosse uma sombra embora, este se reporte a outro autor.
    Às vezes perguntam-me ou referem-se ao porquê do meu "Silencio" como palavra chave de pensar , viver. Cogito demais no meu silêncio que não é nunca doentio mas uma companhia. E é nos meandros dele que quando se afloram situações tão pérfidas como esta e outras ainda deste nosso tempo, fico com uma amargura enorme. Mas ainda há pessoas de Bem que nos ajudam a "esquecer" para poder viver se possível, com mais alegria
    Um Beijo!

    ResponderEliminar
  5. É verdade, também tinha noção disso em relação aos "grumetes". A maldade humana (e geralmente é "homana"...) não tem limites!
    Beijinhos, bom domingo :)

    ResponderEliminar
  6. Pobres crianças, o que algumas passam!
    E hoje continua a haver situações dessas, como aqueles meninos que são "comprados", por exemplo, por pescadores em algumas zonas de África. Que mundo...
    Beijinhos, boa semana!

    ResponderEliminar
  7. Há apropriações que se legitimam pela pertinência do que se pretende transmitir. Infelizmente a história do mundo é trágica. Mas, tudo o que concerne às crianças é horror puro.
    Obg pela partilha.
    BJ, Olinda

    ResponderEliminar