Mas o homem não se calou.
Continuou a reclamar baixinho contra a velhice, contra o governo, contra o
estado da saúde e contra os ricos de sorte que entravam primeiro que os que
nunca tinham tido sorte na vida.
A esposa olhou o relógio
redondo de alumínio, dependurado a meio do corredor, por sobre uma das portas.
Marcava onze menos dez. Não fosse a doença e estaria em casa, ocupada a
cozinhar para o marido. Mas há vários dias que se não sentia bem. Se lhe
perguntassem, nem saberia dizer aquilo de que se queixava, mas sentia-se
doente, cansada, muito cansada, como se o seu corpo franzino fosse apenas pele,
e por dentro não houvesse mais nada, nem ossos, nem órgãos, nem nervos, nem
veias. As palavras do marido entravam-lhe nos ouvidos como se viessem de muito
longe, como se a boca que as pronunciava não existisse, como se o corredor
fosse apenas um túnel por onde perpassavam palavras sem sentido e imagens sem
contorno.
Assustada, a mulher
levantou-se. Estranhamente, todas aquelas sensações foram desaparecendo. Não
sentia as pernas, nem os braços, nem dores, nem o cheiro intenso a medicamentos
que pairava no corredor.
— Estou melhor — disse ao
marido. — Podemos ir-nos embora que estou melhor e já não preciso de médico.
— Já que aqui estamos...
Não completou a frase. A mulher caiu e foi levada às pressas pela porta escancarada de um gabinete. Não o deixaram entrar. Quedou-se sentado, por mais de meia hora, até que a enfermeira voltou a abrir a porta e chamou:
— Está aí algum familiar da
senhora Carolina da Silva?
Nessa noite, ao homem, a casa pareceu-lhe demasiado grande, tal como o infinito silêncio que havia dentro dela.
"TRAPOS" - CONTO DE:
====
Em 15/03/2015:
Meus amigos
Agradeço a vossa presença e comentários a este Conto de José Abílio Coelho. Um Conto rico em termos humanos, pondo em evidência fraquezas e virtudes que muitas vezes se encontram escondidos no nosso íntimo e que situações de pressão emocional podem fazer emergir.
Também estivemos perante o grande problema com que nos debatemos quando precisamos recorrer às urgências hospitalares, em que a nossa fragilidade devido à doença ou acompanhamento de familiares e amigos em aflição vem ao de cima.
O atendimento precário e insuficiente que se verificou ainda não há muito tempo nas urgências de alguns hospitais, resultando na morte de não poucas pessoas, faz deste conto uma leitura actual do nosso sistema nacional de saúde. É preciso reorganizá-lo, repensá-lo de forma a que em caso de surtos gripais ou outros os serviços estejam em condições de dar uma resposta atempada.
O vazio de quem volta para casa sem o(a) companheiro(a) de toda a vida encontra-se bem patente neste Conto.
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Imagem:daqui
Eu já li outros contos do nosso Zé Abílio!
ResponderEliminarEste que você selecionou para nós, é de excelente gosto!
Obrigado por compartilhar com a gente, Olinda!
Receba um abraço bem espremido da Cia. De Teatro Atemporal!
Clemente.
http://ciaatemporal.blogspot.com.br/
http://serginhoclementetextos.blogspot.com.br/
[-ิ‿•ิ]❀
ResponderEliminarCoucou et merci pour cette belle publication !!!!!
C'est EXTRA !
GROS BISOUS D'ASIE et passe une bonne journée chère Olinda !!!!!!
Não conhecia o autor e adorei o conto.
ResponderEliminarObrigada pela partilha.
Um abraço e uma boa semana
.
ResponderEliminar~ A tal pulseira amarela...
~ Um conto interessante selecionado com carácter pertinente e oportuno.
~ Casais que vivem uma relação amorososamente extinta, apenas baseada no hábito e, talvez, no medo da solidão.
~ ~ Grata pela sábia intenção. ~ ~
~~~ Dias saudáveis e felizes. ~~~
~ ~ ~ ~
Olá Olinda. Passei por aqui para acompanhar o conto um dia mais. Triste, não é? Esse infinito silêncio. Não há maior solidão que a duma casa que assim fica de repente.
ResponderEliminarBjs
Isabel Gomes
Estas histórias entristecem-me tanto! Devíamos ser sempre jovens, capazes e saudáveis!
ResponderEliminarBeijinhos :)
Estou a gostar muito deste conto. Olinda, pois é assim que os portugueses se sentem nos momentos difíceis que estão a atravessar; verdadeiros " trapos ", esfarrapados por dentro e por fora, sem esperança de um dia virarem um tecido colorido; não precisa ser de seda bem macia", mas uma chitinha florida já era suficiente para se sentirem gente.Quanto a esta mulher, acredito que seja bondosa sim. Perante a atitude deste seu marido no meio de tanto sofrimento vê-se que ela devia ser uma pessoa sofrida e isso com certeza fê-la entender melhor a dor dos outros. Pelos vistos estava muito doente, mas achava sempre que os outros estavam piores. Penso que há pessoas muito abnegadas, felizmente;Já vi pessoas assim na loja social em que faço voluntariado; pessoas que dizem muitas vezes..." não vou levar mais roupa, porque há mais gente a precisar " ..." filho,não leves mais brinquedos,...tens que deixar para outros meninos", etc., etc. Há pessoas muito bondosas que se preocupam com os outros, sim. Ai de mim se deixasse de acreditar nisso, Olinda! Obrigada, amiga, pela partilha de um conto que nos faz pensar muito na desgraça que por aí vai. Desculpa a ausência, mas...já sabes o motivo. Beijinhos
ResponderEliminarEmília
Minha querida Olinda
ResponderEliminarApesar das tuas recomendações de "muita concentração na tua escrita" e "deixa as visitas para depois" resolvi vir desejar-te um bom fim de semana.
E... depois de cá estar, não resisti a ler o conto de José Abílio Coelho.
Fui ao site dele (era mais fácil ler tudo seguido...) e confesso: fiquei encantada!
Confesso também a minha ignorância : não conhecia este escritor que considero MUITO BOM! Vou estar mais atenta no que lhe respeita.
Obrigada, minha querida, por mais esta "dica".
Agora, sim! Bom fim de semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Boa tarde, o conto retrata bem o serviço nacional de saudei em portugal que tem sido destruído.
ResponderEliminarAG
Que Deus te dê um esplendoroso dia, com raios luminosos que te possam clarear os olhos para ver o quanto és importante. Deus Pai te fez assim: mulher importante e figura do próprio amor. Ele te moldou como uma rosa: forte e justa como os espinhos, linda e suave como as pétalas. (fonte:aqui)
ResponderEliminarFELIZ DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES!
Um doce abraço, Marie.
Olá Olinda,
ResponderEliminartriste mas já se adivinhava este final.
Assim que possa hei de informar-me mais sobre este escritor, que, ouso confessar: não conhecia, nem de nome - ai de mim!
É também para o que serve esta partilha entre bloggers - coisa chique.
Um bj amg e tenha um bom fim de semana
Faço meu o comentário de António.
ResponderEliminarBeijinhos e bom fim de semana, querida amiga
Sempre havera um amanhã para cada um de nós,
ResponderEliminarnosso futuro depende da nossa esperança ,
e acima de tudo nossa fé .
Por isso jamais vou desistir de lutar por ,
tudo , que eu acredito e não desisto
nunca de uma amizade , que sempre representou muito para mim.
Uma flor para
............. / .\. \.....Alegrar seu final de semana
........... / . . \ ..\ ..Para perfumar
......... / . . . `\ ..\ A tua alma
........ |. . . . . |. ..|Encher o
......... \ . . . ./ . ./.Teu coração
........... `=(\ /.=´.De Amor...
............. `-;`.-' ...Para te alegrar...
................ || _.-'| .Uma flor para
............. ,_|| \_,/ ..Te mostrar o mundo
........ , .... \|| .' ....Pleno de Amor,
...... |\ |\ ,. ||/ ......Felicidade,
....,.\` | /|.,|Y\, ....Amizade,
.....'-...'-._..\||/ ....Carinho
......... >_.-`Y| .....E Paz!
.............. ,_|| ......Uma flor para
................ \||.......Te desejar
................. || ......Um feliz dia Internacional da mulher.
Uma flor com todo meu carinho e amizade.
Beijos no seu coração.
Evanir.
Querida Olinda
ResponderEliminarMulher... Um ser forte de aparência delicada
Exuberante por obra do grandioso criador
Amada por suas qualidades
Querida por sua capacidade criativa
Respeitada pela sua nobreza de caráter
Parabéns não apenas pelo dia 08 de março mas pelos outros 364 dias em que mostra a tua fibra por serdes essencialmente MULHER
Beijos com meu especial carinho
Coucou chère Olinda ❤ je viens te saluer.
ResponderEliminarೂ Gros bisous d'Asie vers le Portugal et bon dimanche ೂ
Querida, só meia dúzia de palavras, muito rápidas. Estou para sair, vim aqui só para desligar o pc. e vi o teu comentário, no Outlook. Importas-te de me dar o teu email? O meu é este - maria.caiano@gmail.com . Logo à tardinha verás porquê... Um beijo GRANDE e dia muito feliz.
ResponderEliminarAmiga hoje venho especialmente desejar-lhe um Feliz Dia da Mulher.
ResponderEliminarBj.
Irene Alves
Nunca tinha lido um conto, assim, deste modo faseado. Mas vou lendo...
ResponderEliminarabraço.
jorge
Olá Olinda,
ResponderEliminarLi este V e último excerto do conto "Trapos" que me pareceu muito interessante. Despertou-me a curiosidade para o ler do princípio ao fim e é o que farei duma próxima vez.
Por hoje queria apenas desejar-te um Feliz Dia da Mulher!...
Embora não dê muita importância a datas como estas, não entendo porque só um dia é "o dia da mulher" quando o ano tem 365/366!... Mas enfim, elaborei um selinho para comemorar o Nosso Dia e gostaría que passasses pelo Farol e o trouxesses para aqui.
Beijinhos
São tantas e tão confusas as sensações que este excerto me provocou, Olinda, que ocorre-me aquele chavão de que a mulher é a "rainha" da casa, "a fada do lar"...
ResponderEliminarAcho sim, que é acima de tudo a alma da família, a alma que ama incondicionalmente como se a sua missão fosse só amar sem ser amada. E quando falta tudo fica mais vazio.
Hoje, dia da Mulher, não o aprecio. Todos os dias são dias da Mulher e do Homem.
Um excerto muito feliz que vem na altura certa
Um beijinho!
Oi Olinda!
ResponderEliminarUm excelente conto, não conhecia o autor.
Essa é uma realidade que me deixa cabisbaixo. Deixou-me pensar em tantas coisas.
Um beijo!
Ótima semana!
.
Olinda, se soubesse como até me custa ler esses capítulos...
ResponderEliminarTentando ser positiva, temos de cuidar de nós o melhor que pudermos, porque provavelmente ainda viveremos muitos anos!
Beijinhos
Olinda, li todos os capítulos e a escrita dele nos coloca naquele corredor, vivenciando todas as tristes cenas. Que marido! Nossa, quando li que deixou de avisar ao esposo de uma senhora, que ela estava lá, e em estado grave, horrorizei-me com sua falta de consideração e amor ao próximo. Quanto egoismo! Esses lugares são deprimentes e o conforto só vem das pessoas queridas que apoiam e confortam, o que não ocorreu com Carolina. Antes de ser declarada morta, ela já o sentiu, com o afastamento de todo o mal estar. Já partia. Muito bom o conto. Bjs.
ResponderEliminarEspantoso retrato de Vida, neste Conto de José Abílio Coelho. Confesso que conheço um caso real e coincidente.
ResponderEliminarAqui, felizmente, é um belo Conto, mas que me trouxe outras recordações menos boas.
Beijos
SOL
Molto bello, una buona serata a te.
ResponderEliminarUm belo conto que reflecte uma realidade que, infelizmente, nos acontece...
ResponderEliminarBeijinho e bom fim-de-semana