segunda-feira, 21 de maio de 2012

A mãe e a irmã


A mãe não trouxe a irmã pela mão
viajou toda a noite sobre os seus próprios passos
toda a noite, esta noite, muitas noites
A mãe vinha sozinha sem o cesto e o peixe fumado
a garrafa de óleo de palma e o vinho fresco das espigas
                                               [vermelhas
A mãe viajou toda a noite esta noite muitas noites
                                               [todas as noites
com os seus pés nus subiu a montanha pelo leste
e só trazia a lua em fase pequena por companhia
e as vozes altas dos mabecos.
A mãe viajou sem as pulseiras e os óleos de proteção
no pano mal amarrado
nas mãos abertas de dor
estava escrito:
meu filho, meu filho único
não toma banho no rio
meu filho único foi sem bois
para as pastagens do céu
que são vastas
mas onde não cresce o capim.
A mãe sentou-se
fez um fogo novo com os paus antigos
preparou uma nova boneca de casamento.
Nem era trabalho dela
mas a mãe não descurou o fogo
enrolou também um fumo comprido para o cachimbo.
As tias do lado do leão choraram duas vezes
e os homens do lado do boi
afiaram as lanças.
A mãe preparou as palavras devagarinho
mas o que saiu da sua boca
não tinha sentido.
A mãe olhou as entranhas com tristeza
espremeu os seios murchos
ficou calada
no meio do dia.

(Dizes-me coisas amargas como os frutos)

Ana Paula Tavares
Angola




Imagem: Internet

7 comentários:

  1. Com muito carinho agradeço sua amizade
    seu apoio veio no momento exato que mais precisava.
    Fiquei sem fazer visitas e muito desanimada também.
    Na verdade não pretendia voltar: mais diante de
    de tanto apoio no blog e até mesmo da minha familia
    estou aqui.
    Tem coisa que eu não entendo e nunca vou entender
    as duas faces do ser humano.
    Eu sei amizade como a sua é para sempre por outro lado
    também sei da maldade;; nem todos tem duas coisas principal no coração.
    Deus e Amor; Como Sei Que Você Tem.
    Meu agradecimento e todo meu carinho.
    Linda semana abençoada por Deus.
    Evanir.
    Tenho fé minha vida vai melhorar assim como eu peço a Deus por todas amizades virtuais.

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    1. Querida Evanir

      Não desista do trabalho que está a desenvolver, dando a conhecer os poemas e os textos de tantos colegas bloguistas. Creia que todos reconhecem a sua amizade e lhe dá todo o valor. Não esmoreça, tenha fé em dias melhores, e na Amizade, está bem?

      :)

      Beijinhos

      Olinda

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  2. «...fez um fogo novo com os paus antigos...»
    São frases pequenas e simples, como esta, que nos fazem entender o sentido da vida... em alguns dias a sua ausência, mas sempre, a perpétua sequência cósmica de que fazemos parte integrante, que nos é apresentada como um sonho repetívelmente... irrepetível.

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    1. Caro Bartolomeu

      Paula Tavares tem a particularidade de dizer coisas aparentemente simples mas que envolvem uma história imensa. Uma mãe que viaja,sem a protecção das pulseiras e dos óleos,como manda a tradição, tendo por companhia apenas a lua na fase pequena e as vozes altas dos mabecos.Veio sozinha, na sua solidão, encomendar o seu filho único que foi, sem bois, para para as pastagens dos céu...completamente desamparado. Não haverá dor maior para uma mãe!

      Abraços

      Olinda

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  3. Dramática e compreenssível confusão......
    Linda a canção do Bonga...
    Beijo

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    1. Diria antes, trágica, meu amigo!

      O Bonga, no seu melhor.

      Abraço

      Olinda

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  4. Canto de nascimento

    Aceso está o fogo
    prontas as mãos

    o dia parou a sua lenta marcha
    de mergulhar na noite.

    As mãos criam na água
    uma pele nova

    panos brancos
    uma panela a ferver
    mais a faca de cortar

    Uma dor fina
    a marcar os intervalos de tempo
    vinte cabaças de leite
    que o vento trabalha manteiga

    a lua pousada na pedra de afiar

    Uma mulher oferece à noite
    o silêncio aberto
    de um grito
    sem som nem gesto
    apenas o silêncio aberto assim ao grito
    solto ao intervalo das lágrimas

    As velhas desfiam uma lenta memória
    que acende a noite de palavras
    depois aquecem as mãos de semear fogueiras

    Uma mulher arde
    no fogo de uma dor fria
    igual a todas as dores
    maior que todas as dores.
    Esta mulher arde
    no meio da noite perdida
    colhendo o rio

    enquanto as crianças dormem
    seus pequenos sonhos de leite.


    Da mesma Ana Paula Tavares de quem gosto muito.
    Um abraço

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