sexta-feira, 29 de abril de 2011

ABRIL, COISAS MIL


este é o abril do nosso descontentamento, abril do imi, do irs, da troika, do adamastor finlandês, mas também é o abril do cheirinho a alecrim do chico buarque, da nossa festa pá, de outros cheirinhos a primavera, deste sol  radioso quando não se esconde, como hoje, dum lindo poema dedicado à terra-mãe que eu vi claramente visto no blog www.avançando.blogspot.com, do computador que às vezes encrava e deste meu joelho lesionado que tenho aqui estendido à força de gelo.

por tudo isto e muito mais, eis um poema de valter hugo mãe que nele celebra o outono, mas não faz mal, outono é quando um homem quiser, (desculpe Ary, esta heresia) também ainda não é de tarde, mas sabemos que tudo é muito relativo, dependendo do estado de espírito de cada um:

estou escondido na cor amarga do
fim da tarde. sou castanho e verde no
campo onde um pássaro
caiu.sinto a terra e o orgulho
por ter enlouquecido.produzo o corpo
por dentro e sou igual ao que
vejo.suspiro e levanto vento nas
folhas e frio e eco. peço às nuvens
para crescer.passe o sol por cima
dos meus olhos no momento em que o
outono segue à roda do meu tronco e, assim
que me sinta queimado, leve-me o 
sol as cores e reste apenas o odor
intenso e o suave jeito dos ninhos ao
relento.

in:estou escondido na cor amarga 
do fim da tarde
valter hugo mãe

quarta-feira, 27 de abril de 2011



Verso Vão


Onda de sol, verso de ouro, 

perífrase vã. Extasiar-me, 

antes, por esta fusão, 

mistura de brilhos. Ou, ainda 

mais íntima, a consciência 

extensa como o céu, o corpo de tudo, 

semelhança absoluta. Respirar 

na quebra da onda. Na água, 

uma braçada lenta 

até ao limite de mim. 



Fiama Hasse Pais Brandão, 

in "Três Rostos" - Ecos

DESCIDA AO HADES?


Dante Alighieri, na sua peregrinação espiritual, acompanhado de Virgílio, teve como primeira etapa a descida ao Inferno composto por nove círculos, onde passou três dias, tomando contacto com toda a espécie de horrores. À medida que ia ultrapassando cada círculo as coisas pioravam. A segunda etapa foi o Purgatório, também com nove níveis, mas já um lugar cálido e luminoso. Como dádiva maior, agora acompanhado da sua Beatriz, alcançaria o Paraíso terreno culminando num estado flutuante, fora do tempo e do espaço, em que é levado à presença de Deus. Quanto a nós, por cá, vamos caminhando cada dia que passa e a passos largos para uma descida ao Hades, cujos contornos não se adivinham ainda. Por enquanto, estamos como que sentados a assistir a um espectáculo, não diria dantesco porque é forte demais, mas de negociações e contra-negociações. Mas continuamos com a nossa vidinha, como num Limbo, até com casamentos de Santo António no horizonte, à espera do acordar e com o nosso destino em mãos alheias. Por esse andar dirão lá fora, aqueles de quem dependemos, que só queremos festas e futebol. Isto não tem nada de mal, mas eles não o sabem, não nos compreendem. A culpa, ao fim e ao cabo, é deles…



Dante Alighieri:
A Divina Comédia

sábado, 23 de abril de 2011

SÓ UM LUGAR



O lugar da Casa


Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia..


Eugénio de Andrade






Imagem:Google
cybervida.com.br

quinta-feira, 21 de abril de 2011

UMA CENTELHA


O SEGREDO DOS PÁSSAROS



O coração conhece o segredo dos pássaros,

a ânsia de horizontes para além do horizonte.


O segredo dos pássaros é uma centelha
de luz rebuscando a simplicidade duma vida

imagens móveis que alargam o nosso chão,
apenas em memórias difusas de exiguidade
e fantasmas de veludo passando mãos inertes
sobre o nosso rosto.

Ou labaredas azuis duma tarde quente
e o fio dum arco-íris
em suas cores de transparência e frio.

O coração conhece o segredo dos pássaros
e o seu degredo.

E eu apenas recomeço os trabalhos
da simplicidade da minha vida
e reconheço a sua exiguidade
guiada por horizontes de bruma.





Vieira Calado 

 In: Lusofonia Poética












Imagem:
Trabalho em Corda-Seca
http://andradarte.blogspot.com/

quarta-feira, 20 de abril de 2011

TROIKA? o que é?


De repente, a portuguesa língua apresenta-se pobre e sem palavras. Sem palavras para designar coisas à primeira vista inomináveis. Todos os dias, às mais variadas horas somos torpedeados pela Comunicação Social e também já na rua por palavras que parecem ter um mundo de significados: Troika; Os homens da Troika. Para lá disto, é deixado ao nosso livre arbítrio a procura de uma explicação para o que quer dizer Os homens da Troika que, pelos vistos, são os Papões da nova Era ou então O Homem do saco. Mas vamos de evolução em evolução e há-de ficar na história linguística e na nossa História comum esta nova realidade que havemos de contar aos nossos netos.
Sinto saudades de António Ferreira que, dos confins do século XVI, nos exorta:


Floreça, fale, cante, ouça-se e viva

A Portuguesa língua, e já onde for

Senhora vá de si soberba, e altiva.


Este pecado de lesa-língua pátria será desamor? Venham, perfilem-se, Camões, Almeida Garrett, Herculano, Pessoa e todos os ilustres homens que ajudaram a construir a mais linda história em torno de uma Língua que tem percorrido os quatro cantos do mundo e que conta com mais de 240 milhões de falantes.

Assim é e assim seja... (Caeiro)


 

Imagem:Google 

domingo, 17 de abril de 2011

ÁGUA - CULTURA E PATRIMÓNIO



No próximo dia 18 de Abril, amanhã, comemora-se o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. É interessante verificar que a instituição responsável, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), elegeu a Água - Cultura e Património como tema para conversas, discursos, encontros e afins. Realmente, os recursos hídricos merecem tratamento especial e uma grande chamada de atenção. Quanto mais não seja para relembrar que o nosso organismo contém 70 e tal por cento de H2O (por molécula) e que, portanto, sem água não há vida possível. Isto é uma coisa que todos nós sabemos mas acabamos sempre por fazer orelhas moucas quando se trata da poupança da água e da sua não-poluição. A água potável tem um tempo de vida já definido e há regiões no planeta onde ela não existe. O ciclo da água prefigura a existência de um plano natural em que o precioso líquido cumpre as suas funções de uma forma admirável. Muitas vezes não nos damos conta, e nem queremos saber, de que ele é sempre o mesmo. Há legislação a nível comunitário transposta para a legislação nacional sobre a gestão da água onde consta uma lei muito interessante que regula O Uso Eficiente da Água e que, em princípio, deveria ser implementada a nível das autarquias. Terá sido já posta em prática? Humm...se foi não se nota muito a julgar pelo desperdício nas regas dos jardins e canteiros públicos em que a pobre água vai se derramando passeios fora, com os aparelhos de rega apontando para todo o lado e molhando os transeuntes e pelo seu gorgolejar em outros pontos de rega, formando pequenos-grandes regatos...







Imagens:Google

quinta-feira, 14 de abril de 2011

DE TANTO SER, SÓ TENHO ALMA



Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
 Quem sente não é quem é,
 
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
 
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.
 
 Fernando Pessoa
 
 http://www.luso-poemas.net

segunda-feira, 11 de abril de 2011

CIRCUNSTÂNCIAS



Andar de transporte público é uma experiência inesquecível, por vários motivos. Mais ainda se for num autocarro de longo curso. Há algumas paragens logo no início da viagem e depois não entra nem sai ninguém durante, pelo menos, uma hora. Então, revelam-se laços já estabelecidos em viagens anteriores, talvez quotidianas, enquanto passageiros ocasionais vão também entrando na engrenagem. Regra geral comentam-se novelas, futebol... 

Mas, nos últimos tempos não se ouvem as gargalhadas galhofeiras do costume. Há um ar mais sério, mais premente. O espaço reduzido do autocarro produz um efeito de pertença, com uma causa comum. Discute-se em vernáculo sobre política e políticas, sopesando a possibilidade de superação das dificuldades que já muitos começam a sentir. Seria a oportunidade ideal para uma sondagem in loco, para quem quisesse realmente saber o que vai na cabeça das pessoas e aquilo por que anseiam. 

Neste momento em que nos encontramos numa grande encruzilhada seria bom atentarmos nos caminhos já trilhados. O homem é o homem e a sua circunstância, diz-nos Ortega y Gasset, permeável ao meio que o envolve e ao contexto histórico mas também com a capacidade de poder escolher a melhor via para a resolução dos seus problemas. 

E diz ainda: O importante é a lembrança dos erros, que nos permite não cometer sempre os mesmos. O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro dos seus erros, a larga experiência vital decantada por milénios, gota a gota.






Imagem:Google
Citação-Jose Ortega y Gasset

domingo, 3 de abril de 2011

VENHO DE LONGE


Folheando a antologia de poetas africanos No Reino de Caliban, de Manuel Ferreira, em busca de Ovídio Martins apareceu-me logo um dos seus poemas mais envolventes, Nós somos os Flagelados do Vento Leste que fala das terríveis estiagens nas ilhas de Cabo Verde, inspirado no livro de Manuel Lopes, Os Flagelados do Vento Leste. 
Pelo caminho encontrei Pedro Corsino Azevedo. Deixo aqui este poema de que, também, gostei muito: 


Abandono

A catástrofe das vidas que tive e que perdi
Mói-me lentamente a vida que eu tenho.
Venho
De longe, a buscar aquilo que esqueci.

E canto
E choro
E gemo
E tremo

Diante de mil vidas
Que novamente hei-de ganhar.
Olalá! Olalá!
Mil vidas perdidas
Conseguidas
À força de querer!...
(Nem canto
Nem pranto.)

Nem gemo
Nem tremo...
E vou deixar-me embalar...

Pedro Corsino Azevedo
      1905-1942
Poeta cabo-verdiano
In: No Reino de Caliban