sexta-feira, 27 de maio de 2022

Os Deuses Têm Sede

Évariste, tomado dum amor súbito pela natureza, ao ver ceifeiros a atarem molhos, sentia os olhos encherem-se-lhe de lágrimas; sonhos de concórdia e de amor enchiam-lhe o coração. pg.85

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Mercê de umas mãozinhas diligentes com dois aninhos recém-feitos que desarruma tudo e mais alguma coisa, da estante dos livros e não só, dei de caras com Anatole France neste título, "Os deuses têm sede", que lera há tanto tempo que nem sei dizer quando foi. Mesmo assim lembro-me do que se trata: Livro escrito em 1912, baseado em acontecimentos históricos relacionados com a Revolução Francesa, no período subsequente que ficou conhecido como o "Terror", compreendido entre 5 de Setembro de 1793 e 27 de Julho de 1794.

Com efeito, em 1789 tem lugar a Revolução que veio trazer-nos aqueles ideais que todos conhecemos, Liberdade, Igualdade, Fraternidade, e de tão fortes que formataram a Lei Fundamental de vários países. E citamo-los sempre que desejamos defender este ou aquele ponto de vista quanto aos direitos do homem. Friso do homem porque na Declaração* produzida na altura, realmente a mulher não aparecia, o que foi posto em evidência por Olympe de Gouges, e publicado aqui, no Xaile de Seda.

 


Exceptuando-se, em certa medida, a nossa Revolução dos Cravos, o período pós-revolução, em todos os tempos, é sempre de grande agitação, depurações, perseguições. Esta situação atinge o caos em França, nesse século dezoito que marcaria o inicio da liberdade de expressão mas que tem o seu lado horroroso nos primeiros tempos, com consequências inimagináveis. 

Pessoas imbuídas dos mais elevados valores em tempos normais, naquele ambiente transformam-se em deuses sedentos de sangue, com o ódio a corroer-lhes a própria vida e a dos outros. A guilhotina, instrumento de pena morte por decapitação, não tivera descanso naqueles tempos.

O personagem principal do romance, Évariste Gamelin, jovem artista, de nobres sentimentos, fervoroso apoiante da Revolução e dos seus ideais, nomeado jurado do Conselho Revolucionário, torna-se um algoz nas suas decisões de vida ou de morte, sem controlo. 

O Comitê de Salvação Pública era o órgão que conduzia a política do terror, sendo Robespierre a figura de maior destaque. 

O Período do Terror termina quando Maximilien de Robespierre, e cinquenta de seus aliados são presos na prefeitura de Paris no dia 9 de Termidor (27 de Julho de 1794). No dia seguinte, ele e seus aliados foram guilhotinados.

Do Livro:

Gamelin fez um esforço para subir para a carroça: tinha perdido muito sangue e a ferida fazia-o sofrer cruelmente. O cocheiro chicoteou a pileca e o cortejo pôs-se em andamento, no meio dos apupos. -Vai lá, bebedor de sangue! Assassino a dezoito francos por dia!...Já não ri: vejam como está pálido, o covarde!pg.199 

Trata-se das mesmas vozes que insultavam os que eram mandados por Gamelin e pelos colegas para a guilhotina.

O autor faz nesta obra uma análise crua da complexidade do ser humano.


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Jacques Anatole François Thibault, mais conhecido como Anatole France, (1844 -1924) foi um escritor francês, Prémio Nobel da Literatura, em 1921. 

1ª imagem - símbolos aqui

16 comentários:

  1. Há tanto tempo que li este livro que, confesso, já nem me lembro do enredo. Fez muito bem em recordá-lo aqui. Agora que ando a fazer releituras, irei reler também "Os deuses têm sede". Obrigada, minha Amiga Olinda pela sugestão.
    Continue a cuidar-se bem.
    Um beijo.

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  2. Acredito que seja um livro muito interessante de ler
    .
    Cumprimentos. Feliz fim de semana.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  3. Deve ser um livro excelente, Olinda
    Agradeço a partilha.
    Um beijinho carinhoso
    Verena.

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  4. Os períodos revolucionários são sempre turbulentos e aí ainda se pode, de alguma forma , compreender os excessos.

    Porém, quando os regimes se estruturam e solidificam e inomináveis crimes acontecem em nome da ideologia que os sustentam ...é imperdoável !

    Minha querida Olinda, beijinho para si e para quem com essas mãozinhas lhe faz redescobrir velhos livros e , presumo, o encanto de ver uma criança a desabrochar.

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  5. "Sonhos de concórdia e de amor enchiam-lhe o coração".

    Boa noite de paz, querida amiga Olinda!
    Um pensamento sublime para iniciar o post.
    Que belo desarranjo ocasionou as mãozinhas de dois aninhos!
    Arrumou um bom "passatempo" para a vovó.
    O ser humano é complexo mesmo, pessoas de boa índole podem agirem de forma monstruosa.
    Seus posts como sempre são muito interessantes.
    Estava mesmo conversando com meu filho sobre psicologia.
    O ser humano tem muito mistério.
    Tenha um final de sexta abençoado!
    Obrigada, amiga, pelo carinho com Eloá.
    Beijinhos com carinho de gratidão e estima

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  6. Muito bem. Gostei da publicação !!
    .
    Coisas de uma Vida - 9 ANOS DE BLOGUE

    Beijo, e um bom fim de semana.

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  7. Moral da história - "quem com ferros mata, com ferros morre !..
    Saudações amigas

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  8. Nunca li o livro.
    Gostei de ler este excerto.
    Abraço, saúde e bom fim de semana

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  9. Bem depois de Maria Antonieta
    Estamos nós nos achando
    Sem a liberdade quando
    Nos assaltam. E a favela?
    Desigualdade revela
    Aquele mundo que invade
    Um outro? E a fraternidade?...
    E a Família, Pátria e Deus?
    Bem ecléticos com os seus
    Pormenores em deidade.

    Gosto de ler teus textos por serem correntes, precisos, concisos e claros ao decorrer com simplicidade lógica na prosa. Esta crônica está maravilhosa. Parabéns. Abraço fraterno. Laerte.

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  10. Revoluções e Guerras não são tempo de verdadeira Paz; são, sim, horas do ajuste de contas, mesmo que os "ganhadores" propalem o contrário.
    Só o tempo ameniza e ajusta a (possível) harmonia.
    Anatole France Historiou os resultados dos excessos.
    Li-o aos 13/14 anos...
    Bom trabalho, Olinda. Irei rever o tempo.

    Beijo
    SOL da Esteva

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  11. Bom dia Olinda,
    Abençoadas as mãozinhas que puseram a descoberto esse fabuloso livro que não conhecia.
    Gostei do teor do mesmo e agradeço-lhe a excelente partilha.
    Um beijinho e bom domingo.
    Ailime

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  12. Olá amiga Olinda!
    Deve ser um bom livro, ao ler a história de um passado distante, dá pra vê que apenas trocam a guilhotina por vários tipos de armas.

    Muito boa sua crônica!

    Tenha um feliz domingo com muita paz e saúde com sua família.
    Beijinhos.

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  13. Vou guardar a sugestão!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  14. Um livro intenso que não li, mas pela história trazida me desperta interesse. Grata pela partilha, Bom final de domingo.

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  15. De repente viajei no tempo! Era jovem quando li esse livro que, tão a propósito, aqui nos trazes. Sempre pertinente em cada "post". Beijo

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  16. Conheci o escritor em minha época estudantil e gostei demais de vê-lo como opção de sua rica postagem. Bjs.

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