Congratulei-me com a escolha de Paulina Chiziane para a atribuição do Prémio Camões deste ano. Em 2019 publicara no Xaile de Seda excertos de Balada de amor ao Vento. Vejo com agrado que foi uma das obras apontadas, para além de "Niketche" que também referi na altura.
Aproveito para transcrever o teor do texto que então produzi, sendo o título retirado de uma das passagens do livro, assinalando precisamente a poligamia, e com isso a humilhação da mulher no contexto africano. Há quem aceite com uma certa bonomia essa condição em determinados espaços, como sendo cultural. Não há dúvida de que há quem não concorde com isso.
E a autora, Paulina Chiziane, demonstra-o não só na sua obra como também no Testemunho: "Eu Mulher...por uma nova visão do mundo", cujo link indico abaixo.
Recordemos, pois, a minha publicação de 11/04/2019, sobre Paulina Chiziane e Balada de amor ao Vento:
"...agora somos sete...
PAULINA CHIZIANE, escritora moçambicana, diz-se contadora de histórias e não romancista: Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte.* Essas suas palavras fazem-me lembrar a arte de contar a vida passada, os mitos e as lendas, que os mais velhos (os griots) transmitiam ou transmitem, ainda, aos jovens. A oratura - outra designação que tem vindo a fazer escola.
Balada de amor ao Vento é o primeiro livro de Paulina Chiziane, publicado em 1990 e, tal como o nome indica, trata-se de uma história de amor, antes de mais. O primeiro capítulo começa já numa toada lírica envolvente, em que a saudade, as recordações num tom sofrido nos dão a medida do valor sentimental desta narrativa. Ali, toda a natureza é chamada: as árvores, as ervas, as plantas, as flores, os bichos e, especificamente, o Save. Este atravessa o livro, quase testemunhando as ilusões e desilusões de Sarnau no seu amor por Mwando.
Tenho saudades do meu Save, das águas azul-esverdeadas do seu rio. Tenho saudades do verde canavial balançando ao vento, dos campos de mil cores em harmonia, das mangueiras, dos cajueiros e palmares sem fim. Quem me dera voltar aos matagais da minha infância, galgar as árvores centenárias como os gala-galas e comer frutas silvestres na frescura e na liberdade da planície verde. Estou envelhecida e sinto a aproximação do fim da minha jornada,(...)
Essa caminhada inicia-se quando Sarnau avista Mwando e sente-se presa àquele amor, irremediavelmente. Dá-se o encontro: as mãos encontram-se, veio o abraço tímido. Trocámos odores, trocámos sabores, empreendemos a primeira viagem celestial nas asas das borboletas. Mas cedo, vem a desilusão. Mwando casa-se com outra mulher por imposição familiar, diz ele.
E ela, Sarnau, descoroçoada, aceita casar com o filho do rei, recebendo a família o lobolo de 36 vacas. Depressa constata que existem mais seis mulheres além dela: agora somos sete...