sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

...cada nossa faculdade, posta em desuso, chega ao desuso maior que é deixar de existir


15 - Porque é que a TV foi essa "caixinha que revolucionou o mundo"? Faço a pergunta e as respostas vêm em turbilhão. Fez de tudo um espectáculo, fez do longe o mais perto, promoveu o analfabetismo e o atraso mental. De um modo geral, desnaturou o homem. E sobretudo miniaturizou-o, fazendo de tudo um pormenor, misturado ao quotidiano doméstico. 




Porque mesmo um filme ou peça de teatro ou até um espectáculo desportivo perdeu a grandeza e metafísica de um largo espaço de uma comunidade humana. Já um acto religioso é muito diferente ao ar livre ou no interior de uma catedral. Mas a TV é algo de minúsculo e trivial como o sofá donde a presenciamos. Diremos assim e em resumo que a TV é um instrumento redutor. Porque tudo o que passa por lá chega até nós diminuído e desvalorizado no que lhe é essencial. E a maior razão disso não está nas reduzidas dimensões do ecrã, mas no facto de a "caixa revolucionadora" ser um objecto entre os objectos de uma sala. Mas por sobre todos os males que nos infligiu, ergue-se  o da promoção do analfabetismo. Ser é um acto difícil e olhar o boneco não dá trabalho nenhum. Ler exige colaboração da memória, do entendimento e da imaginação. A TV dispensa tudo. Uma simples frase como "o homem subiu a escada" exige a decifração de cada palavra, a relação das anteriores até se ler a última e a figuração do seu sentido e imagem correspondente. Mas na TV dá-se tudo de uma vez sem nós termos de trabalhar. Mas cada nossa faculdade, posta em desuso, chega ao desuso maior que é deixar de existir. (...)

Vergílio Ferreira - "escrever" pgs. 23/24 - edição de Helder Godinho, Bertrand Editora - Chiado, 2001

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Imagem: daqui

22 comentários:

  1. Uma grande verdade.
    Um abraço e bom fim de semana

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  2. A tv fez muitas outras coisas perderem seu valor, e o celular está ai para substituir a tv. Assim como outros artifícios surgirão. Cabe a nós escolher o que permanecerá. Não esqueçamos da essencia! Não nos deixemos alienar!
    Já to te seguindo viu? Prazer vir aqui.
    http://juliamodelodemodelo.blogspot.com.br

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    1. Olá, Júlia

      Sem dúvida. A escolha daquilo que queremos para a nossa vida depende de nós, fugindo o mais possível da alienação.

      Bj

      Olinda

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  3. uma excelente análise à influência da Televisão desde que foi inventada
    não conhecia o texto que põe o dedo na ferida - fomentar a "aceitação" acrítica dos valores e modelos sociais dominantes que a "Sociedade do Espectáculo" em que estamos mergulhados permanentemente oferece

    Olinda, este tema, na minha modesta opinião, é decisivo nos dias de hoje
    eu próprio tenho abordado estas matérias noutros espaços de escrita que não o blog (SN nº1721)

    peço licença para deixar o link, no caso de pretenderes conhecer
    http://www.searanova.publ.pt/pt/1721/nacional/370/

    um abraço


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    1. Boa tarde, Manuel Veiga

      Muito obrigada pelo seu contributo e eu, pela minha parte, peço-lhe licença para inserir um pequeno parágrafo da sua análise intitulada "Poder político e poder mediático", publicada na "Seara Nova, cuja leitura recomendo a quem por aqui passa:

      É na propagação de uma ideologia que o "poder mediático" se cumpre. Poder mediático que excede o papel dos órgãos da comunicação social e o quadro do constitucional direito à informação, para envolver a indústria do entretenimento, as agências de comunicação, a publicidade, o marketing, o consumo, o sistema de moda, o desporto e tantos mais - uma vasta panóplia de meios, que encenam aquilo que alguns designam por "Sociedade do Espectáculo".

      Realmente, é um tema que nos deve preocupar a todos tendo em conta que o problema que Vergílio Ferreira aponta em 1996 só tem aumentado. Os comentadores que não nos deixam pensar por nós próprios como se fôssemos todos débeis mentais, as sondagens que manipulam e influenciam os nossas tendências eleitorais, todo e qualquer dito ou opinião que, de repente, toma foros de catástrofe nacional, perdendo-se tempo e dinheiro em banalidades e banalizando-se assuntos que deveriam ter tratamento adequado.
      É um espectáculo em toda a linha e lá seguimos nós embalados nesse canto de sereia que parece não ter fim.

      Grande abraço.

      Olinda

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    2. Faltam as devidas aspas no parágrafo
      que começa em

      "É na propagação.....

      e termina em

      "Sociedade de Espectáculo" ".

      :)

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    3. Olinda,

      fico muito grato pelas referências pessoais e à revista SN.
      é bom saber que a vida inesperadamente no revela pessoas inteligentes e com elevada consciência crítica.

      abraço

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    4. Meu Amigo

      Muito obrigada pelo seu apreço e generosidade das suas
      palavras.

      Daqui lhe envio um caloroso abraço.

      :)

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  4. Olá Olinda,

    Sorri ao ler este texto, percebo,porque o escolheu!
    Pode juntar à TV outra tecnologias que são de grande utilidade e estão a ser utilizadas de uma forma tão...estultificante!

    Abraço grande e fico à espera da resposta sobre o Pinhal de Leiria :)

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    1. Olá, Argos

      Com efeito, as possibilidades de comunicação hoje em dia são quase incomensuráveis. O tempo em que ficávamos à espera de notícias de entes queridos ansiando por uma carta já lá vai. Contudo, à distância tinha a sua magia :) Um telefonema, oh! uma coisa que fazia bater o coração se a espera tivesse levado o seu tempo; quem estivesse em sítios um tanto isolados à espera de saber notícias do mundo, era uma festa quando chegava o barco, o carteiro ou mesmo o almocreve, em tempos mais recuados.

      Hoje, é tudo tão fácil que os mais novos pensarão que sempre foi assim. Eu penso que o telemóvel, por exemplo, é uma das coisas mais úteis alguma vez inventada. O que nos facilita a vida!
      Depois vem a utilização indevida dessa ferramenta e de todas as outras, extravasando a simples e necessária utilização para se transformarem em armas de arremesso.

      Meu amigo, voltaremos em breve ao Pinhal de Leiria, virtualmente.

      Abraço

      Olinda

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  5. Olá, estimada Olinda!

    Se Vergílio Ferreira fosse vivo, teria ainda agora mais que escrever, relacionar e concluir com o uso exagerado, alucinado dos telemóveis, tabletes, etc. e tal, embora qdo faleceu, anos 90, já muita gente tinha a outra caixinha pequenina e mágica, onde nos podemos ver uns aos outros e conversarmos, para além de "n" funções, que desconheço, por opção.

    Qdo este escritor nasceu, não existia ainda televisão, mas na fase adulta do mesmo tudo era visto e sentido por ali, assim eu entendo mto bem o texto dele, com o qual estou inteiramente de acordo. Se as pessoas já falavam/falam pouco ou nada em frente ao televisor, pke tinham/têm de ouvir as novelas, mais os programas tão "edificantes" da manhã e da tarde, imagine, ou melhor a Olinda sabe qual o "cenário" e postura de avós, pais e filhos digitando no telemóvel. Todos calados e absortos. Não sei o que "embrutece" mais, retira a tão necessária alfabetização, se a televisão, que, raramente, vejo, se o telemóvel, que uso pouco. Penso, que o telemóvel está a retirar toda a capacidade de diálogo, de pensamento e de construção do individuo. Atualmente, a televisão é vista por gente menos jovem.

    Beijos e bom domingo.

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    1. Olá, querida Céu

      Sobre esta obra li que: Vergílio Ferreira trabalhou nela "até ao dia que antecedeu a sua morte, e nele repensa os seus grandes temas de sempre, actualizando-os: a matéria da escrita e da arte, o corpo, a velhice e a doença, a morte, o abismo para onde, na sua opinião, a civilização caminha (...)" A entrada sobre a TV mostra a sua preocupação quase premonitória sobre uma realidade que, com o tempo, se tornaria mais premente ainda mais com os avanços tecnológicos que se têm verificado.
      Com efeito, dessa altura até agora é mais que notório o salto enorme em termos de conquistas de aparelhos tecnológicos portáteis, um sem-número de ofertas, de facilidades, os telemóveis já não são somente telefones mas computadores que nos ligam ao mundo todo através da Internet. Neles visitamos e comentamos blogues, acedemos a plataformas como Instagram, Facebook, Twitter, Youtube e mais coisas que desconheço, lemos notícias, vemos filmes, programas de televisão, enfim carregamos o mundo connosco.
      Por isso, é um facto o embevecimento de novos e velhos que muitas vezes se isolam mesmo em reuniões de família e/ou de amigos para se dedicarem a "conversar" com o mundo e chegando ao ponto de, em férias, ser mais importante tirar fotos e postá-las no momento do que propriamente prestar atenção à paisagem e a toda a envolvência. Enfim, é o progresso e tiramos dele proveito e nunca as coisas estiveram tão facilitadas. O que falta, por vezes, é uma certa parcimónia e bom senso.

      Beijinhos

      Olinda

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    2. Onde se lê: "postá-las"

      deve ler-se

      "publicá-las"

      :)))

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  6. Em cada avanço tecnológico, há sempre um outro lado. Importa é educar para o lado positivo de cada um deles.
    SE fosse vivo, que diria esta época do mundo em direto?
    Bjinho, Olinda

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    1. Querida Odete

      Tens razão. Evolução e involução andam a par e passo. Cabe-nos a nós tomar-lhes o pulso e aproveitar o que há de melhor na primeira, para o nosso crescimento.
      O mundo em directo assusta-me. Parece já não haver espaço para momentos de introspecção de modo a avaliarmos os nossos actos. Tudo é dito em conjunto, vamos atrás uns dos outros sem, talvez, verificarmos da veracidade do que é posto a circular.
      Penso que se Vergílio Ferreira fosse vivo vê-lo-íamos, preocupadíssimo, a actualizar a sua obra e a apontar os perigos da massificação.

      Beijinhos

      Olinda

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  7. Vergílio Ferreira teve toda a razão da época; hoje, seguramente, seria mais veemente na sua análise.
    A TV e as suas "descendências" interactivas, têm o dom de descaracterizar o ser humana, na oralidade e, sobretudo na escrita. A televisão já se "esqueceu" de ser elemento de formação das gentes.
    Uma boa escolha, Olinda. Dá para meditar um pouco.

    Beijo
    SOL

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    1. Olá, Sol

      Dizes bem: sobretudo na escrita. Eis um elemento muito importante que tem sido descurado. No entanto, nunca se escreveu tanto. Mas a pressa, a urgência em acompanhar o que vai saindo de modo a não ficarmos para trás faz com que a boa escrita já não interesse tanto. A voracidade do tempo não perdoa e então há que "comer" palavras, desvalorizar a ortografia e usar e abusar de abreviaturas quase incompreensíveis. Penso que apareceu em determinada ocasião, não sei quando, um descodificador para isso. Faz-me lembrar a Paleografia em que temos de nos munir do livrinho de abreviaturas para conseguirmos ler o que foi escrito naqueles tempos. Naquela altura justificava-se tendo em conta que os escrivães só podiam escrever à mão, o que levava o seu tempo. E cada um fazia a abreviatura que mais lhe convinha o que torna a leitura mais difícil. Tal como agora :)

      E a leitura? Esta também sai a perder. Não há tempo para a percepção das ideias e subsequente reflexão.

      Grande abraço.

      Olinda

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  8. Faço minhas as palavras da Odete.
    Foi na televisão que vi pela primeira vez um deserto,
    esquiar, grandes cidades europeias e até ouvi o Big-Ben
    de Londres...
    É pena que os pais não incentivem as crianças a ler e as
    façam entender que nem tudo que a tv apresenta presta.
    Ótima proposta de reflexão, estimada Olinda.
    Beijinhos
    ~~~~

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    1. Olá, Majo

      Certo. Tudo tem o seu lado bom. E essa componente cultural, através de documentários e programas que levem as pessoas a pensar, é deveras muito importante. Houve tempo, quando as audiências não eram o objectivo principal das emissões, em que tínhamos, a horas a que todos podíamos assistir, programas que contribuíam para a nossa formação.
      No que diz respeito à leitura é como diz o grande poeta," mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Para que as crianças vejam na leitura uma actividade atraente teremos que desviar, ou virar a seu favor, os ventos contrários que as afastam dessa rota tão desejada. Esta "volte-face" teria de ser o resultado de um esforço conjugado de todos, pais, educadores institucionais, amigos, da sociedade em suma. E nisso, aproveitando tudo o que de bom as modernas ferramentas nos têm trazido de modo a que a esta grande revolução tecnológica se junte uma revolução das mentalidades.

      Beijinhos.

      Olinda

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  9. A televisão veio mudar tudo. Para melhor e para pior...
    A sua análise está muito esclarecedora e cheia de lucidez. Gostei de a ler.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Olá, Graça

      Se já em 1996 Vergílio Ferreira fazia essa severa chamada de atenção em relação ao lado menos bom da "caixa mágica", presentemente, com todas as alterações de comportamento na sociedade, com o mundo em directo, e com o contributo dos telemóveis e outras máquinas, as tais caixinhas pequeninas e mágicas como diz a Céu mais acima, realmente é necessária toda a lucidez para conseguirmos separar o joio do trigo. Embora a sua análise pareça desfasada no tempo, tendo em conta os avanços tecnológicos entretanto havidos, temos nela um excelente ponto de apoio e de partida tornando-a abrangente e válida.

      Beijinhos

      Olinda

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