sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A assembleia dos ratos

cão ladrava qualquer que fosse o ruído. Como naquele momento, um dos miúdos tossiu e ouviu-se logo a reclamação do animal. Ouvidos apuradíssimos a fazer jus ao que se diz deles de que ouvem sons não acessíveis aos humanos. 



Contudo, escada abaixo escada acima ouvem-se os guizos que o dono ou a dona lhe penduram ao pescoço e, como sempre, o nosso espanto quotidiano e a toda a hora perante tal: tendo ouvidos tão afinados como aguentaria o ruído constante dos guizos. Era essa a conversa depois do jantar. 

E veio a propósito de nada, a descoberta por parte de um dos presentes de que o guizo é um instrumento musical, para além de massacrar os ouvidos do tal cão e dos gatos que, regra geral, são mimados com guizos ao pescoço.



Estávamos nessa animada assembleia quando se chegou à conclusão de que se devia dizer algo aos donos do cão, que ladra a toda a hora e sobre o tilintar dos guizos que ressoam pelo prédio todo, referindo também o mal-estar que poderiam estar a causar ao animal. Um dos presentes disse que não se deve ter cães nos prédios, outro que eles passam o dia presos sem poderem exteriorizar a sua natureza, outro ainda que se sentia um cheiro esquisito logo assim que se transpunha a porta da entrada. Outras opiniões se ouviam ainda que mais fracas.

Tudo de acordo, mas quem seria o mensageiro ideal para essa tarefa? Quem seria a pessoa com a diplomacia exigida para não causar melindres?  O da voz tonitruante, sempre pronto para uma briga, prontificou-se mas não foi aceite  pela maioria pois ainda deitaria o prédio abaixo, sendo pior a emenda que o soneto. Seguiram-se: o A. com um trabalho em mãos não tinha tempo para estar à espreita dos vizinhos; a B. com o trânsito e os transportes sempre atrasados não dava; o C. poderia fazê-lo num fim-de-semana mas qual quê, e os treinos que só poderia fazer nesses dias?; a D. com os miúdos, não lhe davam descanso, não tinha tempo para nada...



E assim ficámos a olhar uns para os outros num impasse até que o miúdo mais novo, o da tosse, disse: -isto parece uma assembleia de ratos! -De raaatos - admirou-se o outro, dois anos mais velho- estás-te a passar ou quê? - De ratos, pois. A minha professora leu-nos uma fábula que dizia que todos falam falam mas ninguém faz nada...e também ela disse que as fábulas têm uma moral.

A curiosidade foi mais forte e munidos das devidas ferramentas pusemo-nos à procura da tal fábula e encontrámo-la, realmente. Cá está ela, adaptada, creio eu:

Relata que uma vez os ratos, que viviam com medo de um gato, resolveram fazer uma reunião para encontrar um jeito de acabar com aquele transtorno. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim, um rato jovem levantou-se e deu a ideia de pendurar uma sineta no pescoço do gato; assim, sempre que o gato chegasse perto eles ouviriam a sineta e poderiam fugir correndo. Todo mundo bateu palmas, o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um rato velho que tinha ficado o tempo todo calado levantou-se do seu canto e falou que o plano era muito inteligente, que com toda certeza as preocupações deles tinham chegado ao fim. Só faltava uma coisa: quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato? aqui

Moral da história: Falar é fácil, fazer é que é difícil.



Do tempo em que os animais* falavam ou do tempo de Esopo (620 a.C / 564 a.C.) chegam-nos estas considerações.

E esta grande questão prevalece: 
quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato?

=====
Referências:
Esopo
La Fontaine
Video youtube
Free images: Pixabay
*Entenda-se:os chamados irracionais.

16 comentários:

  1. Olinda, maravilhosíssimo texto! Gostei demais. O garoto estava certíssimo - quem irá pendurar o cincerro no rato? Cá, há a expressão que o "sinceritismo" atropela amizades. Não se pode ser sincero demais. Há que se ter noção "do politicamente correto" para não ofender alguém. Ou então, se ter a sutileza do sargentão, e bradar o verbo. Parabéns pelo texto. Abraço. Laerte.

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    1. Laerte

      Adorei a figura do sargentão a bradar o verbo. :))) Para grandes males, grandes remédios, lá diz o povo.

      Abraço

      Olinda

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  2. colocar o guizo no gato é tarefa "ciclópica"
    sobretudo quando o gato, bem nutrido, deixa umas migalhas ... para os ratos!

    gostei muito, Olinda

    beijo, minha amiga

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    1. Pois é, Manuel Veiga

      ...eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada...

      saudoso Zeca Afonso.

      Abraço

      Olinda

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  3. É sempre o velho dilema...
    Gostei muito, amiga Olinda.
    Beijo meu


    (Também já me interessei pelo tema...

    http://raraavisinterris.blogspot.pt/2011/01/todos-conhecem-famosa-fabula-de-esopo.html)

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    1. Fui ver, amiga, e também gostei. E o dilema permanece.

      Bj

      Olinda

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  4. Olá, estimada Olinda!

    Viver num prédio torna-se cada vez mais difícil e cada vez mais fácil. Mais difícil, pke poucos são aqueles que, com determinação e diplomacia, conseguem dizer as "coisas" aos "insubordinados". Mais fácil é que ninguém conhece ninguém e qto maior for o prédio, melhor, como é o caso daquele em que vivo, pke eu nunca sei quem é quem, nem de quem é o carro de matrícula, "x" ou "y", nem quem é agora o namorado da hospedeira do andar 2, 3, 4 etc. Contudo, fui administradora dois anos seguidos com outros condóminos, 3 homens e um deles era e é solicitador, e normalmente era sempre eu que ia tocar à porta do vizinho ou vizinha "z", que umas vezes, abria, outras, não. De qualquer forma, ninguém anda metido num saco, e portanto, é tudo uma questão de tempo e de estarmos atentos. Um dia, quando se preparava(m) para sair do elevador, com destino a casa, eu, casualmente (rs), tinha ido ver se as lâmpadas estavam todas bem no piso deles (o prédio tem uma equipa de manutenção para esse tipo de coisas, devo dizer) e foi então aí, que a propósito não da "anomalia", mas do tempo, do governo "a" ou "b" (já sabia as convicções deles), se gerou ali uma "conversa da treta, mas que ia dar àquilo que eu pretendia. Desculpas e mais desculpas, que eu entendi e aceitei, perfeitamente (rs), mas as situações anómalas foram resolvidas.

    Pois é, pôr guizinho no gato não é tarefa fácil, pke eles são mto livres e independentes, aliás, julgo nem ser preciso, pke os gatos não incomodam ninguém. No cão é bem mais fácil, mas a barulheira dos guizos e o bajulismo, que eles fazem, ouvem-se nas redondezas.

    Gostei muito do seu post e da vossa conversa, sendo sempre os mais novos a terem as brilhantes ideias.

    Beijos, boas festas e bom ano de 2018.

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    1. Olá, Céu

      Os mais novos nas suas brincadeiras parecem não prestar atenção, mas isso é uma ilusão dos adultos. No momento devido lá saem eles com grandes verdades.

      Retribuo os votos de Boas Festas e que o Ano de 2018 lhe traga muitas coisas boas.

      Bj

      Olinda

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  5. Magnífico. Eu conheço os "ratos todos"; só não conheço o tal rato que terá o cargo para executar a acção.
    A Fábula é deliciosa e a adaptação está no ponto.
    Parabéns.

    Desejos de um Feliz Natal.


    Beijo
    SOL

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    1. Ah! esse ainda está no segredo dos deuses...e nós à espera que apareça numa manhã de nevoeiro.

      Boas Festas, Sol.

      Abraço

      Olinda

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  6. Pois é Olinda, falar e dar palpites é muito fácil, mas chegar à frente para resolver as questões já é outra história, normalmente ninguém quer dar a "cara" para assuntos chatos.
    Minha amiga muito obrigado por ter comemorado comigo o aniversário da minha netinha.
    Como a minha próxima semana vai ser muito preenchida por motivos pessoais e profissionais, deixei posts agendados e aproveito para desejar já um Santo e Feliz Natal, pleno de alegria, saúde, paz e amor.
    Beijinhos
    Maria de
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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    1. Olá, Maria

      Tem razão. Uma condição que já vem muito de trás como vemos pela fábula.
      Agradeço os seus votos e desejo-lhe também um Natal Alegre junto aos seus meninos e toda a Família.

      Bj

      Olinda

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  7. A postagem ficou muito interessante.
    Beijinhos, Olinda.
    ~~~~

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    1. Obrigada, Majo.

      Muito contente por ver que já voltou ao "Vivenciar a Vida".

      Lá irei em breve.

      Beijinhos

      Olinda

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  8. Olinda, muito engraçado este texto, mas só para quem lê, não para quem vive a situação. O problema não são os animais, mas os donos que acham que o cãozinho é feliz num apartamento. O problema é que só podemos reclamar se nos estatutos do prédio estiverem proibidos os animais caninos. Por acaso no meu prédio que já tem 35 anos os caes estão proibidos, No apartamento dos meus pais, aqui perto do meu ( infelizmente só o meu irmão usa quando vem cá ) uma vez houve uma reunião extraordinária de condóminos por causa de um cão que alguém resolveu ter no apartamento. A monha filha sempte quis ter um cãozinho e nós, como moramos em apartamento nunca permitimos que ela o tivesse; agora mora numa casinha e tem um cachortinho pequeno: daria para ter em ap, mas isso é o que as pessoas pensam, porque este da minha fiha, um pug, adora cprrer no pequeno jardim que ela tem. Olinda, aproveito a opprtunidadepara te desejar um Feliz Natal; que a alegria e paz estejam presentes nea noite de consoada e que assim seja em todos os oitros dias que a vifa vos conceder. O meu agradecimento pelo carinho recebido e no próximo ano, se a vida o permitir, aqui estaremos para continuar esta nossa amizade que de virtual tem muito pouco. Grande abraço, querida amiga!
    Emilia

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    1. Olá, Emília

      A maior parte nós gostaria de ter animais de estimação dentro de casa. Infelizmente, os apartamentos não têm condições para isso e os bichinhos acabam por sofrer porque querem mais liberdade ao mesmo tempo que a vizinhança não aguenta manifestações ruidosas, em especial dos cães.

      Na minha infância, em casa dos meus pais tínhamos dois e três cães no quintal, grande, com espaço para brincarem e estar à vontade. Mesmo assim, logo que se abria o portão lá iam eles numa correria, em grandes manifestações de alegria em direcção ao mar que ficava perto, atrás de nós ou de quem saísse por ali. Talvez por isso me sinta sempre em dívida para com eles, cães, gatos ou outros, quando os vejo fechados o dia todo em espaços pequenos, carentes, sem os donos por perto.

      Minha amiga, também te desejo um Natal abençoado junto aos teus.
      Que 2018 nos traga momentos de partilha e amizade e adorei ler que a nossa tem muito pouco de virtual. É bem verdade! :) Muito obrigada.

      Beijinhos

      Olinda



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