segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Um momento tão perto




Traz um poema no coração: o labor agreste
de silvos amadurece nele as acres maçãs da água.
Esconde nas unhas um brilho solar.
O pó estival cruza-lhe os olhos brancos, molhados
por uma lágrima esquecida.
Os cabelos, ardidos pelo incêndio
dos pássaros, escondem o rumor dos pinheiros bravos.
Sobe ausente os degraus do verão, os ombros
tocados pelo azul grande do céu mediterrânico.
Nos seus gestos dançam margaridas, as mais antigas
palavras, a leveza distraída
de quem olha as pedras para reconhecer o rosto.
Tenho tanta sede,
diz, sentindo a doce melancolia
de quem se deita para amar a eternidade.
Agressor de ímpetos, deixa nela a perdida raiz
da terra, toda a solidão,
inacabada permanência.
A saudade é um amor impossível,
abstracta diz-lhe.

Eduardo Bettencourt Pinto
In: Um dia qualquer em Junho
pg.45

Poeta do seu ofício, Eduardo Bettencourt Pinto, sabe muito bem - como Mallarmé e muitos outros antes dele, como todos os verdadeiros poetas - que a poesia se faz com palavras, as palavras, diz ele, que "são a chuva nos olhos/do poeta,/a primeira sombra/da haste fascinada." Só com elas, por elas, deslocando-as, provocando-as, tentando-as, conseguirá convir-se todo o "fulgor solitário das chuvas".(...) Ser poeta é reinventar a frescura duas vezes: no modo como se vê o mundo e no modo como se entrega àquilo que se vê como se fosse a primeira vez. Eugénio Lisboa, in Prefácio do livro acima referido. 

====

Imagem: daqui

16 comentários:

  1. Olá, Olinda.
    Tão bom "trazer um poema no coração" - ainda que não se seja poeta, ainda que não se tenha grande jeito com as palavras, mas... esteja lá a sensibilidade ao belo, a sensibilidade para enxergar os pequenos nadas e, num suspiro, agradecer aos céus por existir apenas para aquele momento. Em cada um de nós mora um poeta, sempre pronto para sorrir, basta deixar que os olhos vejam, os ouvidos escutem, a pele sinta e a que boca saiba calar as palavras desnecessárias.
    O poema é tudo o que resta quando se despe o desnecessário.

    bj amg

    ResponderEliminar
  2. Desconhecia este poeta, por completo...


    Beijinhos e feliz Agosto, minha amiga

    ResponderEliminar
  3. Excelente escolha, não conhecia o poeta, obrigado pela partilha.
    Beijinhos
    Maria

    ResponderEliminar
  4. Querida Olinda
    Não conhecia este poeta, mas devo dizer-te que gostei imenso do poema, o que me fez sentir vontade de conhecer melhor o autor.
    Quando regressar de férias procurarei na livraria.
    Ainda estou por cá. Vou ausentar-me (como habitualmente) em Agosto (dentro de dois ou três dias) e Setembro. Deixarei programadas três postagens, a primeira das quais para o próximo dia 6. As restantes têm lá as datas anunciadas.
    Ainda me mantenho por cá mais dois ou três dias... Depois parto para uma praia paradisíaca. No regresso publicarei fotos - espero!

    Votos de uma semana muito feliz.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

    ResponderEliminar
  5. Querida Olinda,
    Os grandes poetas trazem poesia na alma
    É a seiva corre de suas veias e salta ligeira para o papel formoseando a fisionomia de que lê tão belos versos
    Não conhecia o autor mas me encantei com teus soberbos versos
    Uma semana feliz e poderosamente abençoada
    Beijos

    ResponderEliminar
  6. Já andei a pesquisar e até passeei um pouco em Angola...
    Não conhecia EBP, apesar de termos residido ambos em Ponta Delgada,
    durante alguns anos.
    De facto, o escritor traz poesia no coração e na mente.
    Fiquei com muita vontade de ler «A casa das Rugas».
    Grata por me ter dado a conhecer o autor, deixo-lhe um
    beijinho amigo.
    ~~~~~~~~

    ResponderEliminar
  7. Não conhecia este poema e ele é belíssimo.
    Um beijinho

    ResponderEliminar
  8. Fascina-me a capacidade que os poetas têm de trabalhar as palavras, tecendo histórias, fiando pensamentos. Essa capacidade, que tanto admiro, não tenho nem uma pontinha.
    Por isso me fascina tanto ler quem tem.
    Belíssimo texto, este que desta vez connosco partilhou.
    Beijinhos
    Catarina H.
    https://ecologicaquem.blogspot.pt

    ResponderEliminar
  9. Abençoado final de semana!!!!!!!!!!! Beijos

    ResponderEliminar
  10. Desconhecia esta pérola de Poesia. Ainda bem que as escolhas que tens feito, trazem ao de cima a Alma do(s) Poeta(s).



    Beijo
    SOL

    ResponderEliminar
  11. E os poetas têm uma grande sensibilidade para de uma maneira tão linda falar dos problemas intimos da alma, da sociedade, do amor e da natureza. E neste momento tão perto, num quwlquer dia dos lindos meses de verão, lá vêm as mãos criminosas enegrecer os céus de fumo; choram as árvores, indefesas, choram as pessoas, chora o sol por não conseguir espreitar e dar-nos a sua luz. Olhar os nossos céus nestes últimos dias dá-nos uma grande tristeza, Olinda. Falta poesia no coração dos homens e, por mais que tente não consigo entender estas atitudes. Uma cor negra se espalha por todo o lado e o perfume das flores foi substituido por um terrivel cheiro a fumo.Obrigada, Olinda por me dares a conhecer este escritor com um poema tao bonito. Fica bem, querida amiga e, apesar da tristeza de vermos o nosso pais a arder, mantenhamos a esperanca de que o sol vencerá o fumo do céu e nos dará o prazer da sua visita todos os dias. Beijinhos
    Emilia

    ResponderEliminar
  12. Te dejo mi blog de poesia por si quieres criticar gracias.
    Me gusta mucho el tuyo.
    http://anna-historias.blogspot.com.es

    ResponderEliminar
  13. Olá....Gostei de a ver no Andradarte...
    Que o Monstro dos Fogos, não lhe estrague
    o descanso das férias....
    Um bfs
    Beijo

    ResponderEliminar
  14. E como concordo com o que Eugénio Lisboa escreveu!
    Cada palavra é pura simbologia a desafiar o intelecto! E, quando pensamos que apreendemos a mensagem, uma nova leitura, traz outra e outra.
    Obg pela partilha.
    Bjo Olinda :)

    ResponderEliminar